Eu ia de
alma purificada de êxtase e conivência com uma professora convidada para o
programa “Prós e Contras” cujo discurso de raiva acumulada por anos de
perturbação num aparelho escolar que virou monstruosidade, (sobretudo a partir
da tenebrosa Maria de Lurdes Rodrigues), ultimamente pelo espaço
concentracionário de agrupamentos escolares encurralando milhares de crianças
de todos os tamanhos e competências e centenas de professores a despejar as
suas experiências e casos num cansaço de encontros multiplicados, a acrescentar
ao estupendo himalaiano de papéis e burocracias a que anteriormente se condenou
os pobres docentes, no estreitamento irreversível e bronco do seu universo de
trabalho – cujo discurso exaltado, repito, contra gregos e troianos - o
secretário de estado da educação e um director agrupamental bem sucedido e
ambos amparados no seu discurso balofo de cartilha e de genérico - deixou os
assistentes do programa igualmente em êxtase de alma como eu, embora reprimidos
nas suas manifestações de apreço, várias vezes ocorridas e acalmadas com o chiu
da repressão, neste caso por premências de tempo, pois que o tempo da Fátima
Campos Ferreira, amplo como é, se apresenta escasso, pelo mais que fosse da
nossa verborreia nacional.
Mas a minha
amiga vinha artilhada também com a sua raiva e estendeu-me o recorte - um texto
do subdirector do Correio da Manhã, Manuel Godinho - que rezava assim:
«Os
parvos não são eles: Os angolanos do BIC recusaram ficar com cinco mil créditos de
duvidosa cobrança quando compraram o BPN. O Estado – neste caso os
contribuintes – assumiu esses créditos, no valor total de 3,8 mil milhões de
euros. Constituiu uma sociedade pública – a Parvalorem – que fica como credora desse
monumental calote que nunca mais vai cobrar. O nome da empresa que vai ficar
com a dívida até foi bem escolhido: Parva. Também podia chamar-se estúpida ou
totó. Mas Parva está bem. Os angolanos que compraram o BPN, e quem os
representou, Mira Amaral, é que não são nada parvos. Não sei agora o que foi
pior: se a nacionalização do BPN, se a venda aos angolanos.»
Queria a
minha amiga que eu dissesse o que me parecia tal caso, mas não me deixou
organizar um pensamento capaz, pois logo despejou o saco dos males que a nossa
Pandora nacional tão profusamente alastrou:
- É um
escândalo daqueles que a gente fica engasgada. Tudo isso custa muito a engolir.
O que vale é que vem aí o futebol…
- O Rock
in Rio também já cá está – consolei, num despropósito. Mas a minha amiga prosseguiu sem dar azo
ao desenvolvimento, que incluía a mocinha que foi cantar e dançar para o palco,
com o cantor Bruce Springsteen, em show animado que eu vi e nem cheguei a saber
se ela também vira, de tão empolgada que estava, numa crítica feroz ao
escândalo descrito de tal modo que sonegou factores importantes do nosso
bem-estar social, como esse dos festejos nacionais demonstrativos do nosso
poder económico tão positivo, e angariador de um espírito mais optimista:
- Esse
BPN é um dos escândalos mais gritantes. Quem vem falar sobre isso diz o pior
possível, mas o que é certo é que nada muda e as pessoas têm que pagar. E
aquele Mira Amaral…
- Espuma
muito, coitado! –
lancei prudentemente.
- E é o
que a gente tem para governar o país.
- Sim,
muita espuma. E o Jorge Coelho? Nunca mais se ouviu falar. – atirei, na evocação dos anos passados
e no terror dos do porvir.
- Está
muito bem na vida. Eles estão todos. Estes negócios desastrosos, eles sabem que
o Zé Povinho paga. Isto do BPN é tão escandaloso! Mas as explicações que eles
vêm dar não convencem ninguém. E não há um ladrão destes na cadeia! Mas quem é
o ladrão aqui?!
- Aquele
caso do Freeport…
- E o Duarte Lima, que já esteve preso e já está em casa! Mas
pelos vistos há uma montanha deles. A lista está entregue. Mas só o Duarte Lima
é, e já está no sofá. A gente já viu: a justiça não funciona. Como é que um
país pode ir mais além se a justiça está podre? Mas onde é que estão as tais
cabeças? Não há gente! Outro país aguentava isto? A gente também tem que
acreditar que deve haver os que tiraram os seus cursos e serão bons… Mas a
gente não vê nada. Este artigo é tão miserável, tão revoltante!... Recusar os
5000 créditos duvidosos! Fundar uma sociedade pública chamada Parvalorem! Só
podem estar a gozar!
A minha amiga estava mesmo deprimida com todas estas evidências, e assim
eu, mas hoje é dia de anos, tenho festa em casa, não posso deixar de fazer
festa só porque vivemos na depressão, ora essa, apesar de não me poder dar a
esses luxos dos bons espectáculos de futebol e do Rock in Rio, também
evidências, sim, mas do nosso bem-estar social! É preciso ter-se um espírito
confiante.
Vamos
cantar parabéns ao vovô Vitorino, e agradecer-lhe a sua presença sólida e
constante, e a sua prestação valiosa na longa caminhada já. E desejar-lhe uma
boa e feliz continuação. E muitos anos de vida. E. e….
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