quinta-feira, 7 de junho de 2012

“Já está no sofá”


Eu ia de alma purificada de êxtase e conivência com uma professora convidada para o programa “Prós e Contras” cujo discurso de raiva acumulada por anos de perturbação num aparelho escolar que virou monstruosidade, (sobretudo a partir da tenebrosa Maria de Lurdes Rodrigues), ultimamente pelo espaço concentracionário de agrupamentos escolares encurralando milhares de crianças de todos os tamanhos e competências e centenas de professores a despejar as suas experiências e casos num cansaço de encontros multiplicados, a acrescentar ao estupendo himalaiano de papéis e burocracias a que anteriormente se condenou os pobres docentes, no estreitamento irreversível e bronco do seu universo de trabalho – cujo discurso exaltado, repito, contra gregos e troianos - o secretário de estado da educação e um director agrupamental bem sucedido e ambos amparados no seu discurso balofo de cartilha e de genérico - deixou os assistentes do programa igualmente em êxtase de alma como eu, embora reprimidos nas suas manifestações de apreço, várias vezes ocorridas e acalmadas com o chiu da repressão, neste caso por premências de tempo, pois que o tempo da Fátima Campos Ferreira, amplo como é, se apresenta escasso, pelo mais que fosse da nossa verborreia nacional.

Mas a minha amiga vinha artilhada também com a sua raiva e estendeu-me o recorte - um texto do subdirector do Correio da Manhã, Manuel Godinho - que rezava assim:

«Os parvos não são eles: Os angolanos do BIC recusaram ficar com cinco mil créditos de duvidosa cobrança quando compraram o BPN. O Estado – neste caso os contribuintes – assumiu esses créditos, no valor total de 3,8 mil milhões de euros. Constituiu uma sociedade pública – a Parvalorem – que fica como credora desse monumental calote que nunca mais vai cobrar. O nome da empresa que vai ficar com a dívida até foi bem escolhido: Parva. Também podia chamar-se estúpida ou totó. Mas Parva está bem. Os angolanos que compraram o BPN, e quem os representou, Mira Amaral, é que não são nada parvos. Não sei agora o que foi pior: se a nacionalização do BPN, se a venda aos angolanos.»

Queria a minha amiga que eu dissesse o que me parecia tal caso, mas não me deixou organizar um pensamento capaz, pois logo despejou o saco dos males que a nossa Pandora nacional tão profusamente alastrou:

- É um escândalo daqueles que a gente fica engasgada. Tudo isso custa muito a engolir. O que vale é que vem aí o futebol…

- O Rock in Rio também já cá está – consolei, num despropósito. Mas a minha amiga prosseguiu sem dar azo ao desenvolvimento, que incluía a mocinha que foi cantar e dançar para o palco, com o cantor Bruce Springsteen, em show animado que eu vi e nem cheguei a saber se ela também vira, de tão empolgada que estava, numa crítica feroz ao escândalo descrito de tal modo que sonegou factores importantes do nosso bem-estar social, como esse dos festejos nacionais demonstrativos do nosso poder económico tão positivo, e angariador de um espírito mais optimista:

- Esse BPN é um dos escândalos mais gritantes. Quem vem falar sobre isso diz o pior possível, mas o que é certo é que nada muda e as pessoas têm que pagar. E aquele Mira Amaral…

- Espuma muito, coitado! – lancei prudentemente.

- E é o que a gente tem para governar o país.

- Sim, muita espuma. E o Jorge Coelho? Nunca mais se ouviu falar. – atirei, na evocação dos anos passados e no terror dos do porvir.

- Está muito bem na vida. Eles estão todos. Estes negócios desastrosos, eles sabem que o Zé Povinho paga. Isto do BPN é tão escandaloso! Mas as explicações que eles vêm dar não convencem ninguém. E não há um ladrão destes na cadeia! Mas quem é o ladrão aqui?!

- Aquele caso do Freeport…

- E o Duarte Lima, que já esteve preso e já está em casa! Mas pelos vistos há uma montanha deles. A lista está entregue. Mas só o Duarte Lima é, e já está no sofá. A gente já viu: a justiça não funciona. Como é que um país pode ir mais além se a justiça está podre? Mas onde é que estão as tais cabeças? Não há gente! Outro país aguentava isto? A gente também tem que acreditar que deve haver os que tiraram os seus cursos e serão bons… Mas a gente não vê nada. Este artigo é tão miserável, tão revoltante!... Recusar os 5000 créditos duvidosos! Fundar uma sociedade pública chamada Parvalorem! Só podem estar a gozar!

A minha amiga estava mesmo deprimida com todas estas evidências, e assim eu, mas hoje é dia de anos, tenho festa em casa, não posso deixar de fazer festa só porque vivemos na depressão, ora essa, apesar de não me poder dar a esses luxos dos bons espectáculos de futebol e do Rock in Rio, também evidências, sim, mas do nosso bem-estar social! É preciso ter-se um espírito confiante.

Vamos cantar parabéns ao vovô Vitorino, e agradecer-lhe a sua presença sólida e constante, e a sua prestação valiosa na longa caminhada já. E desejar-lhe uma boa e feliz continuação. E muitos anos de vida. E.  e….

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