segunda-feira, 25 de junho de 2012

A coisa mais certa


Do Livro VI das Fábulas
De La Fontaine
Com o número dezanove,
Da Primeira e Segunda Partes,
Retiro uma muito conhecida,
Em verso,
Mas entre nós só em prosa
Reconhecida.
É sobre o charlatanismo
Dos pagadores de promessas
Ou mesmo, se o preferirmos,
Dos construtores de tretas,
Que, em todo o sempre,
Mostraram obra
A vender banha de cobra.
Eis, pois, em tradução,
A fábula “O Charlatão”:

«O mundo nunca teve falta de charlatães:
Esta ciência foi, em todos os tempos,
Bastante fértil em prestações,
Ora um, em teatro, o Aqueronte afrontando,
Ora outro, pela cidade espalhando
Que ultrapassa Cícero em eloquência,
Arrebatando as multidões
Com expressiva saliência,”

(Em breve aparte, eu diria,
Que, se fosse hoje em dia,
A eloquência seria
Demonstrativa do seu zelo e arte
Para uma autoprovidência
De grande importância
Para sua realização e sobrevivência.)

«Um destes últimos, digo, charlatães,
Gabava-se de ser tão bom educador
Que tornaria  qualquer palerma um doutor,
Fosse ele lapuz, rústico, ou parolo;
“Sim, senhores, um parolo, um animal, um burro:
Tragam-me um burro, um burro em duplicado,
Torná-lo-ei mestre refinado,
Portador de sotaina sem pecado.»
O Príncipe soube do assunto; mandou chamar o Declamador.
“Eu tenho – disse ele – na minha estrebaria
Um belíssimo exemplar de Rocim:
Gostaria
Que fizesses dele um orador.
-  Senhor, vós tudo podeis e tereis assim,
– logo o nosso homem respondeu com galhardia.
Deram-lhe uma certa quantia
Para, ao fim de dez anos,
Sentar o animal nos bancos
Da Assembleia ou do Tribunal;
Sem o que, ele seria
Na praça pública exposto,
Com o baraço ao pescoço,
Enforcado com limpeza
Com a retórica no dorso
E as orelhas dum asno,
Em beleza!
Um dos cortesãos lhe afirmou que, na forca,
Ele teria muito gosto em o ir ver,
Se, para enforcado,
Ele mostrasse
Um ar gracioso e uma boa presença,
E, sobretudo,
Se se lembrasse
De pregar à assistência
Um discurso onde a sua arte
Fosse revelada com pertinência
Num discurso patético, e cujo formulário,
Retórico e vário,
Servisse a certos Cíceros, vulgarmente
De ladrões apelidados.
E o outro com presteza respondeu:
“Antes do evento tão pouco decente,
Morreremos, sem falhar,
O Rei, o Burro ou eu.»

Tinha razão. Que é loucura, sem dúvida,
Contar sobre dez anos de vida.
Basta sermos uns bons copos, uns bons garfos,
Para qualquer um,
Para, como natural oferta
Da Parca,
Se poder ter como certa,
De três indivíduos, em dez anos,
Pelo menos
A morte de um.»

Eis uma fábula que nos alerta
Para o excesso de patuscada
Que o caldo verde e a sardinha
Podem representar a um ou outro governante
De compleição magrinha,
Mas que vai em frente, a falar em comer,
Por não ter mais que dizer,
E sem recear rebentar,
Se calhar por não querer retirar
O rosto do seu posto.
Outros, os mais oradores,
Charlatães, segundo a fábula,
Têm patuscadas maiores,
Comidas superiores,
Para poderem com mais força singrar
E levar sem recuar
Apesar da feroz oposição,
O navio da nação
Ora aos tombos, ora não,
Com o povo sempre à mão
Para melhor prestação,
Enquanto dura a patuscada,
Na continuação da alvorada
De Abril e mais nada.
Em dez anos ou até menos
Não teremos de cumprir
Completamente as promessas
Para o porvir.


Que a morte é coisa certa,
Nesta nossa estrada aberta




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