quinta-feira, 24 de maio de 2012

A linha


Recebi por email um artigo de Daniel Oliveira arrasando a figura de Passos Coelho que teve a ousadia de explanar sobre a questão do desemprego da seguinte forma: "Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida. Tem de representar uma livre escolha, uma mobilidade da própria sociedade."

Transcrevo apenas um dos parágrafos do dito artigo de Daniel Oliveira, o que segue os vários considerandos sobre os altos e baixos das fortunas de cada um e caracterização do respectivo comportamento, sob os traços de solidariedade, crueldade, boa formação, ou “rapaziada”, terminando com a interrogação de estranheza: “Como é que este rapaz chegou a primeiro-ministro?”

“Não atribuo às infantis declarações de Passos Coelho sobre o desemprego nenhum sentido político ou ideológico. Apenas a prova de que é possível chegar aos 47 anos com a experiência social de um adolescente, a cargos de responsabilidade com o currículo de jotinha, a líder partidário com a inteligência de uma amiba, a primeiro-ministro com a sofisticação intelectual de um cliente habitual do fórum TSF e a governante sem nunca chegar a perceber que não é para receberem sermões idiotas sobre a forma como vivem que os cidadãos participam em eleições. Serei insultuoso no que escrevo? Não chego aos calcanhares de quem fala com esta leviandade das dificuldades da vida de pessoas que nunca conheceram outra coisa que não fosse o "risco".”

Em comentário, refiro a minha experiência de retornada, chegada de férias definitivas a uma metrópole mergulhada no êxtase da sua revolução criadora dos vários territórios independentes da tutela portuguesa, e transformadora do território propriamente português em definitivamente tutelado pelas potências simultaneamente esmoleres e endividantes, para recreação dos revolucionários e seus descendentes na governação do tal:
Após o vencimento recebido na íntegra durante os seis meses de férias, o Estado português catapultou-me para o estatuto de adida, durante mais seis meses, com o vencimento reduzido a metade e a incerteza no futuro como funcionária, caso não conseguisse, entretanto, colocar-me. Consegui, mas recordo esses tempos de náusea, de frustração, de falhanço relativamente às competências adquiridas, anos antes, no curso tirado, de sentimento de pânico em relação ao futuro, até mesmo de humilhação pela exclusão social a que a falta de emprego iria dar lugar, com as consequências de carência económica num agregado familiar de certa amplitude. Quando se é novo e se não tem espírito aventureiro, porque se está manietado pelos laços familiares constituídos, e se vive sob o peso dessas responsabilidades criadas, a perspectiva de retirada do calço torna-se perfeitamente aterradora. Tudo se resolveu a contento, não passou de pesadelo esse tempo incerto. Os ultramarinos - retornados, na designação mais comum - foram-se adaptando, a velha metrópole estendeu-lhes a mão, permitindo-lhes a integração, ou os mais independentes economicamente criaram as suas próprias defesas.

Mas esse tempo incerto nada foi em pesadelo, comparativamente aos tempos de hoje. Apesar de tudo, houve então regras de cidadania, talvez por se estar ainda sob a égide dos velhos parâmetros do governo anterior, que se apoiavam na legalidade dos direitos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos propalava. É certo que se foi assistindo à contínua degradação do país, provocada pelos sucessivos “condottieri” mais ou menos inescrupulosos que se foram apoderando das rédeas da nação, apoiados pelos seus partidários. E chegou-se a um estado tal de carência, que as ameaças do que se iria passar, pelos muitos Rasputins da nossa sociedade erudita, em programas de discussão política, não deveriam estranhar hoje os mesmos Rasputins que continuam  a publicitar os seus muitos saberes nas mesmas mesas redondas televisivas de ontem

Daniel Oliveira foi um dos que avisou ontem, juntamente com a sua companheira Clara F. Alves, a qual muito troçou do alheamento ignaro da nossa gentinha relativamente ao seu futuro – actual presente em continuidade. Não devia estranhar hoje a tragédia do desemprego que vivemos, pois que estava programado, sabiam-no de antemão. Não se entende o seu discurso tão crítico relativamente a Passos Coelho e à sua dura frase acima transcrita. É uma frase de um rapazola que nunca viveu, talvez, tais dificuldades, ou, se as viveu, as soube ultrapassar com a determinação do ambicioso legítimo. Mas é também a frase de alguém que não pode expor doutra maneira, manietado que está na monstruosidade de uma herança para já, insolúvel, mas que se esforça por ultrapassar, na dureza que impõe a todos os da gentinha, e mais aos que perdem o emprego ou são explorados pelos patrões aproveitadores do contexto.

O tempo é de horror, os do Governo vão fazendo promessas, pretendendo resolver e dando esperança. Os intelectuais do contra deviam olhar-se mais ao espelho, lembrar-se dos tempos em que viveram com entusiasmo a libertação do país, indiferentes, então, às tragédias provocadas nos milhões de compatriotas que perderam valores e vidas, fossem embora compatriotas de segunda, no orgulho apoucante destes portugueses de primeira.

Passos Coelho foi duro nas frases que pronunciou. Mas não são frases incorrectas. Por vezes a adversidade é ponto de partida para a luta, para a busca de outras oportunidades, ele tem razão nisso. Daniel Oliveira não devia ser tão drástico, só porque deu em moralista, como o são todos os das linhas contrárias.

Embora o intelectual Daniel não reconheça nenhuma linha ao nosso P.M., o que é pouco digno num português de primeira.


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