terça-feira, 6 de março de 2012

Já está tudo organizado


- Se aquele Putin é um homem civilizado, como é que ele se permite umas eleições assim aldrabadas? O raio do ser humano está cada vez mais estranho e cruel. Pois não é aquilo uma ditadura? As pessoas correm o risco de perder o emprego se não forem votar. O jornalista nosso correspondente, que é russo, o disse: “Eu vou dizer isto porque é verdade. As pessoas perdem o emprego se não forem votar.” Como é que um homem que se considera uma pessoa civilizada ganha à custa do autoritarismo mais condenável?

A minha amiga estava, de facto, indignada. Eu achei que havia autoritarismos piores, os que usam a metralhadora para se imporem, por exemplo, mas lembrei uma história contada pelo meu pai, em Lourenço Marques. Tinha um colega original, que vivia só, e um dia, na altura das eleições, com um partido único mas exigente de participação dos funcionários, como na Rússia, escreveu no seu boletim de voto, votação que, felizmente, era em regime de anonimato: “Eu  e o meu moleque votamos em…” Suponho que na União Nacional. Só me recordo que o meu pai ria maliciosamente com a sua história, o que traduzo agora como não aceitação de um regime manipulador, onde as injustiças e as vilezas se praticavam igualmente, embora de forma mais controlada que agora. O que significa que as ditaduras são de qualquer tempo, mesmo as do povo, dos guerrilheiros, dos governantes ou dos ricos corruptos.

Mas em casa, havia um novo jornal, O Público, que hoje, por comemorar os seus vinte anos foi oferecido. José Gil foi o seu Director neste dia, e são vários os seus textos analíticos sobre o estado da Nação, com a qualidade do filósofo conceituado deste nosso século XXI e a originalidade da proposta do Director real do Público, que proporcionou tão expressivos textos, e não só de José Gil.

Não resisto a transcrever o texto sobre o estado da Educação, que subscrevo na íntegra. Também acreditei em Nuno Crato, também me decepcionou, silenciado num cantinho invisível, com pequeninas reformas que não correspondem às promessas e às críticas da sua verbosidade  oral e escrita anterior:

«Uma política educativa tem que partir de alguns destes dados - (evolução da taxa de escolarização, estimativa das horas necessárias para a preparação das aulas dos docentes, competências exigidas aos alunos, consciência dos responsáveis pelas políticas educativas,  etc.) – mesmo quando eles não podem ser quantificados. Por exemplo, se não se souber o número de horas e a qualidade do tempo de que um docente precisa para preparar as lições, podemos criar uma carga horária esmagadora e deprimente. E nunca obter uma docência de excelência. Para preparar as aulas os professores têm de ter uma vida própria – e já não têm. Têm cada vez cada vez menos férias, cada vez menos tempo para ser pessoas. Uma das questões que coloco é se os responsáveis políticos se dão conta da especificidade da profissão docente. A relação professor-aluno é extremamente intensa, delicada, forte, vital e específica. Vital para criar qualificação no trabalho e consciência democrática. É preciso fazer ressaltar esse factor que não está a ser pensado. A avaliação das competências tem de ter em conta um elemento inavaliável, inquantificável em que se funda a criatividade da educação.

Os ministros da Educação já foram professores, mas, uma vez ministros, têm outros imperativos – e há um imperativo economicista enorme em Portugal. A ideia que, infelizmente, estou cada vez mais a formar do ministro da Educação Nuno Crato é que ele está a esquecer tudo o que escreveu, está a esquecer tudo o que ele próprio pensou. E muitos professores estão a sair, a pedir a reforma antecipada, desgostosos com o ensino, com a escola e consigo mesmos. Estão-se a ir embora. E a política da Educação a degenerar.»

Tudo tão deprimente! Tão cada vez mais na mesma em termos de se encontrar um caminho que arrancasse este país do atoleiro em que se afunda.

Não, não é mais possível. São necessários bons professores, tanto quanto são necessárias políticas de Educação que os incentivem a serem de facto bons professores. É necessário tempo para o serem, não para gastarem horas mergulhados em reuniões de puro convívio, quantas vezes inútil e vazio. E um professor que não se prepara devidamente e vai mesmo mais além, transforma as suas aulas em “bagunçada” sem interesse e os alunos vão embrutecendo, defendidos além disso por políticas que lhes dão uma liberdade desorientada.

Sim, Putin será ditador. Mas caminha para algum lado, não creio que as suas escolas deslizem caricatamente como as nossas para o zero da exigência humanista. Os Jogos Olímpicos e outros bem revelam os êxitos medalhados de uma cultura de rigor.

Nuno Crato foi também decepção para mim. Mas talvez não tenha culpa, instrumento de um poder sem recursos outros que não sejam os da mesura bem comportadinha num país mal comportado, que enredou a sua própria língua nas malhas da idiotia.


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