segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma radiografia antiga - Nos 48 anos do João

A mania das grandezas
Que faz que desejemos imitar
Os que sabemos poderosos,
Já Esopo a tratou,
La Fontaine o imitou
Embora, em vez dum gaio,
Tivesse escolhido um corvo,
Como émulo da águia
Que o cordeiro roubou.
A fábula primeira,
A de Esopo, a verdadeira,
Que as outras originou,
Já em tempos a li
E traduzi.
Vejamos o que disse La Fontaine
Muitos séculos depois, o dezassete:

«O corvo querendo imitar a águia»
«A ave de Júpiter, símbolo pois de poder altaneiro,
Apanhando nas presas um cordeiro,
Foi avistada por um corvo pretensioso,
Que, embora mais frágil dos rins, não era menos guloso,
E decidiu imediatamente imitá-la,
Por ser tolo. Outros diriam brioso.
Girando à volta do rebanho,
Entre cem carneiros escolhe o anho
Mais gordo e bonito,
Um verdadeiro cordeiro de sacrifício
Destinado à boca dos deuses,
Que disso tinham o vício.
O espertalhão do corvo dizia,
Olhando-o com meiguice,
Sem se aperceber da tolice:
“Não sei quem foi tua ama,
Mas o teu corpo me chama:
Servir-me-ás lindamente
De alimento providente.”
Sobre o anho, que ao ouvi-lo baliu,
Se lançou com arreganho:
A lãzuda criatura
Pesava mais do que um queijo
Bem contra o seu desejo,
Além de que o seu velo
Era duma extrema espessura,
Não muito belo,
Porque emaranhado como a barba
Do “bruto” Polifemo.
Nele se enfiaram as garras do Corvo tão tortuosamente
Que o pobrezinho não pôde dele safar-se.
O pastor chegou, que o apanhou e o enfiou à pressa
Na gaiola, para divertimento dos filhos,
Encantados com a surpresa.
É preciso sabermos medir as nossas forças;
A consequência é nítida:
Mal fazem os ladrõezinhos em querer
Os ladrões autênticos imitar:
A fábula é exemplo de perigoso engodo:
Nem todos os comedores de gentes são grandes senhores.
Onde passou a Vespa
Apenas o Mosquito resta.»

Mas La Fontaine estava muito longe do que se passa por cá
E até lá por fora, agora,
Em sítios de maiores responsabilidades
Porque de maiores potencialidades.
Aquilo a que temos diariamente assistido
É uma insólita formação vigarística,
Que ao invés de partir das águias superiores,
Parte muitas vezes
Dos pardais de estatutos inferiores,
Que vão crescendo, à medida que vão aprendendo
Com águias ou com outros pardais iguais,
E a dada altura, atingindo os estatutos convenientes,
Com as suas corrupções mais que repelentes,
Mosquitos inicialmente,
Vespas desleais, depois,
Espalham uma rede tão sombria de vilania
Que ninguém mais poderá eliminar algum dia.

Nenhum comentário: