quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Não havia Gisele

A minha amiga começou por se negar a contar as suas impressões do país em cujos cafés de bairro gastamos os três quartos da nossa hora matinal diária, antecedente da outra meia hora no Pingo Doce, a pretexto de que queria acabar o ano “já não digo tão bem como os ladrões – frisou com autoridade – que esses vivem na fartazana e na consideração pública, mas pelo menos sem estatelanços na calçada."
Trata-se, como já tenho explicado, da calçada de que os nossos passeios portugueses largamente usufruem, com as covas e as pedras soltas a permitir a topada distraída que já nos fez malhar por mais que uma vez, pelo que agora cautelosamente andamos por elas olhando para baixo, sem cumprimentarmos os conhecidos, que imaginam motivos de oculta zanga nas nossas poses de resguardo cabisbaixo. Por isso é com sobressalto que às vezes os ergo, com uma frase que me transporta aos tempos juvenis da descompostura risonha das nossas distracções: “Fala à gente e guarda o teu dinheiro”, dizem-me, coisa que no momento actual, nenhuma de nós ambas se pode gabar de fazer, pelo menos no que concerne a segunda imposição da frase duplamente apelativa.
Mas, apesar da sua recusa em expor, a minha amiga imediatamente se pôs a desbobinar sobre o caso Duarte Lima, com muitas referências à Rosalina e à filha do Feteira, e às tramóias de Duarte Lima que se propõe devolver as acusações contra ele, acusando a Feteira filha de assassínio da Rosalina herdeira.
-“Eu queria a Rosalina viva”, defende-se a Feteira filha. A Rosalina queria tudo para ela e esta Feteira filha pôs o pai Feteira em tribunal. “O que é que eu ganho com a Rosalina morta?”, pergunta a Feteira filha, “eu queria que ela prestasse contas”.
E a minha amiga conta de uma sua vizinha de baixo, que já trabalhou com Duarte Lima e acha que não foi ele: “Pode ter a certeza, não foi ele, ouça isto que eu lhe digo.”
E a minha amiga contesta:
- Mas a cabeça não serve para pensar? O gajo apanhado em milhares de mentiras comprovadas! E depois vêm dizer que a polícia do Brasil não presta, é corrupta! Tinha um processo em 2004. Até hoje estava tudo caladinho que nem ratos, para não ser condenado por um crime antes deste. Espera aí! Aquele homem engana Deus e o Papa. Mas a minha vizinha garante que não foi ele. Porque não pararam? Um fulano que era só advogado, não era mais nada! Dá-me a impressão de que era burro. Não tinha medo? Rodeia-se de peças de arte, tem casas de preços incalculáveis, mete o filho nas negociatas… Era pobre quando começou…
- Toca os clássicos no órgão – interrompi timidamente. Uma vez foi a um programa do Herman José onde tocou órgão - ou seria piano? -e contou de forma comedida os seus infortúnios da doença que venceu. Passei a olhá-lo com mais simpatia, pois não gostava da figura, não sei se pela crueza do seu discurso sério.
-Só diz mentiras, parece um pateta, continuou a minha amiga imparável, momentaneamente esquecida do Nosso Senhor castigador. Só há uma coisa que a gente pode pensar dele como de pessoa inteligente: ele sabia que não há extradição. Mas há uma coisa que ele não sabia, quando foi ao encontro da Rosalina no Brasil: passa numa estrada com a Rosalina, estrada com controle de velocidade e apanhou várias multas por excesso de velocidade. Disse que levou a Rosalina a um hotel: “Não, aqui não entrou ninguém”, foi o que disseram. A Rosalina ia ter com uma amiga. Descreveu a amiga, Gisele de nome, fez-se o retrato robô. Não havia amiga Gisele. Só mentiras. Então é esperto ou burro?
Pobres dos burros tão meigos, que servem para apodos rebaixantes e imerecidos para eles, nas nossas fábulas de trazer por casa!

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