sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A importância de se ter quiromante

Óscar Wilde não se limitou a escrever delicadas peças de teatro ou um romance – “O Retrato de Dorian Gray” - que, a par de uma humorística denúncia de caracteres colhidos na aristocrática e convencional sociedade vitoriana, nos dão igualmente retrato de ambições e mesmo perversões de comportamentos, embora sempre dentro de uma atmosfera de requinte, que cabe na preocupação estética, segundo lema do escritor dandy que foi Óscar Wilde.
Uma das originalidades que nele se colhe é um certo carácter de suspense que preside quer à acção narrativa quer mesmo à acção dramática, envoltas em progressiva atmosfera de mistério, em cenas por vezes de grande picardia, apesar do sentimento de tragédia que lhes está inerente.
O conto “O Crime de Lorde Arthur Savile” gira à volta de um crime previsto, durante uma recepção elegante de Lady Windermere - com ministros condecorados e damas bem vestidas e outros requisitos sociais e culturais - por um quiromante – o senhor Podgers – presente na assistência, como amigo da lady Windermere - o qual, depois de empalidecer ao pegar na mão de Lorde Arthur Savile, se recusa inicialmente a declarar-lhe o futuro visionado, produzindo naquele uma tempestade de receosas emoções. Instado posteriormente, e sob o efeito deslumbrado de ampla oferta de dinheiro, informa o seu consulente horrorizado de que se trata da prática de um homicídio, o futuro para ele previsto.
A trama do conto é breve, embora bem condimentada de pormenores, inicialmente centrada no descritivo dos pensamentos aterrorizados de Lorde Arthur pelas ruas sombrias de Londres, durante o seu nocturno passeio nervoso, ao sair do palacete de Lady Windermere.
O terceiro capítulo mostra-nos um Arthur amante apaixonado da jovem e doce Sybil Merton, consciente dos seus deveres de a não sujeitar ao vilipêndio de se casar com um assassino em potência. É necessário preparar de imediato o seu homicídio, e protelar o casamento até se esfumarem os resíduos de suspeitas possíveis sobre a sua participação nele. Após a lista cuidadosamente preparada sobre as aptidões de amigos e familiares para vítimas de homicídio, tomba a sua escolha sobre uma bondosa velhinha sua prima – Lady Clementina. a quem oferece, em visita protocolar, após prévio estudo consciencioso sobre venenos, uma linda caixa com uma cápsula envenenada, remédio americano de efeito seguro no tratamento das crises de estômago que frequentemente a atacavam. Falam de banalidades sociais, a velhinha deslumbra-se com a pílula em forma de gentil bombom, e com a delicadeza da oferta, Arthur impede-a de a tomar de imediato mas insta para que se não esqueça de o fazer na próxima crise de azia. Procura amoravelmente Sybil, amontoando razões de obstáculo a um casamento imediato. Parte para Veneza no dia seguinte.
É em Veneza, onde se diverte em caçadas e passeios de Gôndola com um irmão, que recebe a notícia da morte de Lady Clementina. Volta ao hotel onde três cartas o esperam, a de Sybil descrevendo a morte da Lady Clem, e a da mãe e do advogado, explicando a herança da casa, que lhe deixara a senhora. Regressa para junto de Sybil, reatam a promessa de casamento, e em visita à casa herdada, Sybil encontra a caixinha com o bombom. Lorde Arthur empalidece de desespero, e atira para o fogo o bombom. A morte da Lady Clem não resultara, pois, do seu homicídio, tudo tinha que ser refeito.
Capítulo V, novo adiamento do casamento, com as naturais consequências da cólera da mãe de Sybil, que já mandara fazer o vestido de noiva e aconselha a filha a desfazer o noivado, imposição a que a filha não obedece. Abatimento inicial de Lorde Arthur, cujo bom senso afinal se impõe, na busca de novo homicídio, por amor de Sybil.
Nova procura de vítima, é escolhido um seu tio, deão de Chichester, coleccionador de relógios, bom pretexto para a hipótese de um explosivo telecomandado já que o veneno se mostrara inócuo. Busca de personagens para lhe resolver secretamente o problema, novas cenas caricatas, nova tentativa abortada.
“Tinha dado o seu melhor para cometer o homicídio mas falhara em ambas as ocasiões, apesar de não ter culpa por estes falhanços. Tentou cumprir o seu dever, mas parecia-lhe que o destino o traía. Estava esmagado pelo sentimento da esterilidade das boas intenções, da inutilidade dos esforços por uma boa acção.”
Jantou no clube, com outros jovens elegantes, que abandonou impaciente, alta noite. Passeio desesperado pelo cais do Tamisa, numa das pontes encontra um homem debruçado que reconheceu como o seu quiromante, o senhor Podgers. Sem hesitar, agarra-o pelas pernas e atira-o ao rio.
A informação dos jornais dá conta dum suicídio, o corpo do sinistrado aparecera em Greenwich, o casamento de Lorde Arthur Savile com Sybil Merton não se fez esperar com pompa e circunstância, Arthur Savile merecera a sua felicidade.
Vem o conto a propósito dos crimes que por cá se cometem, decerto que programados pelos destinos dos criminosos, com consulta prévia de quiromantes, ou bruxas, ou astrólogos, já que as pitonisas e os Tirésias há muito que desapareceram do nosso convívio. Também o estudo ajuda, nesses casos, de mistura com alguns amigos.
Na sociedade actual, são mesmo esses os felizes, pois que o coro das lamentações cabe mais aos sem destino prometido, por falta de posses para consultar os visionários e proceder de acordo.

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