segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mudança “como soía”

Quando o novo governo nasceu, há uns três ou quatro meses, previmos, a minha amiga e eu, que a turbulência vivida no país pelos anos 70 e 80, ia ser amplamente retomada pelas forças de esquerda, que não descansariam enquanto não acabassem de destruir este tal país, já com tanto afinco desfeito, em termos de distribuição de benesses por cada uma delas, a pretexto de distribuição solidária pelos outros, os oprimidos antes, logo após a revolução salvadora, que esplendidamente catapultou tantos deles e os seguintes, nos anos seguintes.
Não tardou muito que a previsão se verificasse. A esquerda, novamente altissonante nos seus protestos, com sindicatos a marcar o compasso das reivindicações, vai indiferentemente pondo o país a arder, sem fazer caso dos compromissos inadiáveis para tentar pagar os débitos dos gastos que a esquerda iniciara e que todos os outros, a montante e a jusante dos partidos, mais sem eles do que com, amplamente fizeram nos entrementes.
Mas concordámos, a minha amiga e eu, em que, enquanto se tratara do partido socialista, os sindicatos acalmavam, por se considerarem familiares mais chegados aos governantes. Agora que um Governo mais próximo da direita se propunha fazer erguer honestamente o País, pela satisfação do débito gigantesco, ponto de partida para um possível desenvolvimento futuro, o povo voltava a aderir às greves em barda, comandadas pelas vozes impantes dos seus instigadores.
É assim Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, que surge nas manifestações grevistas de agora, por ele manipuladas, num estilo de exaltação semelhante ao de Carlos de Brito, antigo deputado do PCP, que é recordado no texto seguinte, extraído de “Anuário – Memórias Soltas”, do capítulo “Tempos, Costumes”. Chama-se “Viva Carlos Brito! Viva!”
Bastaria mudar o título para “Viva Carvalho da Silva! Viva!”, tanta é a satisfação e o potencial da sua voz apelativa e vingadora, sereia tentadora a que o povo se não furta, por não usar, como os marinheiros de Ulisses a cera anti-acústica, ou como Ulisses, as amarras impeditivas da obediência à tentação:


«Carlos Brito está feliz, Carlos Brito tem sensações, Carlos Brito está inspirado. Face ao espectáculo do seu país parado por conta dos trabalhadores, Carlos Brito extasia-se, qual Nero outrora defronte de Roma a arder por sua ordem. O país contempla o êxtase incendiário de Carlos Brito e pára de trabalhar. O país apoia os seus poetas, mesmo incendiários, venera os seus oradores, mesmo atrabiliários, ama os que o esclarecem, mesmo com “parti pris”. O país merece Carlos Brito. Viva Carlos Brito!
Por isso Carlos Brito está feliz e faz parar o país. Como poeta, como orador, como esclarecedor, mesmo com “parti pris”.
A notícia vem referida no “Diário Popular” de 1 de Março, informando que Carlos Brito, aludindo à greve geral, expôs, na sessão de esclarecimento de Vila Real, que “o Governo se empenhou em dizer que ela foi um fracasso, mas foi um sucesso e teve-se a sensação que o país pode ser parado pelos trabalhadores.”
Daí o regozijo de Carlos Brito, daí o apuramento das suas íntimas sensações certamente num sentido de criatividade poética, qual Nero forjando estrofes sobre o incêndio romano por ele ateado, daí o estar de parabéns o País que promove as sensações de Carlos Brito, daí que o Governo procedeu mal informando inexactamente sobre o fracasso da greve.
Mas… bem-haja o Governo por ter mentido, porque com a mentira fomentou ad sensações e o poder criador de Carlos Brito.
Bem hajam os trabalhadores que promoveram o êxito da greve geral e os êxtases de Carlos Brito. Bem-haja Carlos Brito, por tanto amar o País e o exprimir num português cuja gramática se irmana com a retórica. Bem-haja o P.C.P. pelos líderes que apresenta à nação e cujo nível a nação reconhece, pois pára para os escutar. Um país que pára para escutar Carlos Brito é um país que merece Carlos Brito.
Bem-aventurados, pois, nós, os Portugueses, com tal Governo que fomenta as musas mentindo, tais trabalhadores que as fomentam parando, tais líderes cuja chama criativa é ateada pelas paragens do país, tal país que pára para escutar Carlos Brito. Viva Carlos Brito! Viva!»
Um texto, pois, sobre épocas passadas há três décadas, com analogias profundas com a época presente.
Apenas mudou o contexto – o povo aderente já não é o povo trabalhador, mas o sem trabalho.
Mas, ao contrário da "mudança" camoniana que “não se muda já como soía”, a mudança mantém-se na actualidade, repetitivamente, idêntica a si mesma, indefinidamente, mesmissimamente, imutavelmente.

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