sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O bolsão

É tempo de relembrar
O Auto da Barca do Inferno
Que entre os vários passageiros
Para o Inferno
Conta com um Onzeneiro
- Agiota ou usurário –
A quem Saturno deu quebranto
Na safra do apanhar,
Nem tempo tendo sequer
Para o corromper com dinheiro
Ou mesmo só o barqueiro
Da Glória, que por ser sério,
Achou ironicamente
Que o bolsão do Onzeneiro
Não cabia no navio
Embora fosse vazio,
- Tristemente replicou
O pobre do Onzeneiro
Que à Terra quis voltar
Para ir buscar
Dinheiro com que fartar
O infernal barqueiro
Para que este lhe não batesse
Ou gritasse
Como um arrais do Barreiro
Sem qualquer ronha ou vergonha.

“Auto da Barca Do Inferno”
De Gil Vicente:
«…………..«Onz. Pêra onde caminhais?

Dia. Oh! que má-hora venhais,

Onzeneiro, meu parente!
Como tardastes vós tanto?

Onz. Mais quisera eu lá tardar...
Na safra do apanhar
me deu Saturno quebranto.

Dia. Ora mui muito m'espanto
nom vos livrar o dinheiro!

Onz. Solamente pêra o barqueiro
nom me leixaram nem tanto...

Dia. Ora entrai, entrai aqui!

Onz. Não hei eu i d'embarcar!

Dia. Oh! que gentil recear,
e que cousas pêra mi!

Onz. Ainda agora faleci,
Leixa-me buscar batel!
Pesar de São Pimentel,
Nunca tanta pressa vi!
Pêra onde é a viagem

Dia. Pêra onde tu hás-de ir.

Onz. Havemos logo de partir?

Dia. Não cures de mais linguagem.

Onz. Pêra onde é a passagem


Dia. Pêra a infernal comarca.

Onz. Dix! Nom vou eu em tal barca.
Estoutra tem avantagem.

Vai-se à barca do Anjo e diz:

Hou da barca! Houlá! Hou!
Havês logo de partir?

Anjo E onde queres tu ir?

Onz. Eu pêra o Paraíso vou.

Anjo Pois cant’eu mui fora estou

De te levar para lá.
Essa barca que lá está

Vai pêra quem te enganou.

Onz. Porquê?

Anjo Porque esse bolsão

Tomará todo o navio.

Onz. Juro a Deos que vai vazio!

Anjo Não já no teu coração.

Onz. Lá me fica de rodão
Minha fazenda e alhea.

Anjo Ó onzena, como es fea
E filha de maldição!

(Torna o Onzeneiro à barca do Inferno e diz:)

Onz. Hou lá! Hou demo barqueiro!
Sabeis vós no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo

E trarei o meu dinheiro.
Aqueloutro marinheiro,

Porque me vê vir sem nada,
Dá-me tanta borregada

Como arrais lá do Barreiro.

Dia. Entra, entra! Remarás!
Nom percamos mais maré!


Onz. Todavia...

Dia. Per forç'é!
Que te pês, cá entrarás!


Dia. Irás servir Satanás
Porque sempre te ajudou.

Onz. Ó triste, quem me cegou?

Dia. Cal-te, que cá chorarás. ……………»

E afinal
Porque digo eu que é crucial
Lembrar o nosso Onzeneiro?

Porque este tempo europeu
Apanhou com gana infernal
Os povos que não quiseram
Nem souberam
Usar o dinheiro emprestado
De modo mais adequado.
Uma Europa que largou
O seu dinheiro europeu
Com usura e falcatrua,
E sobretudo a Alemanha,
A qual sem nenhuma manha
Mas com a força do seu poder
Faz que abre os cordões à bolsa
Para melhor enganar
Os povos a quem empresta
Dinheiro abundantemente.
E os juros que pagarão
São de tal forma excessivos
Que aqueles não mais erguerão
A cabeça nem os pés
No atoleiro da dívida
A uma chanceler bêbada
Do seu poder ilimitado
Tresloucado,
Que não se importa de esmagar,
Como já fizera
Em tempo de guerra, Hitler,
Com ditadura e bestialidade,
Agora, em tempo de união aparente,
Merkel, tranquilamente,
Carregando o seu bolsão
Feito de usura e a mesma ferocidade,
Por muitos beijos que distribua
Angelicalmente
Pelos deputados da sua União.
Também Hitler tinha predilecção
Por um cão.

Ó onzena como és feia
E filha de maldição!”

Nenhum comentário: