sábado, 27 de agosto de 2011

“Querido, mudei a casa”

Basílio Horta admirei
Quando parecia defender
Políticas que eu amei.
Mas Basílio Horta mudou,
E eu não consigo entender
O seu actual arreganho
De não querer
Ver o esforço tamanho
De um Governo de um Partido
A que ele já pertenceu.

Mas de facto,
Ao longo da minha vida
Pude admirar a perícia
Com que muitos sem malícia
E antes com devoção -
Outros dirão
Por comodismo ou esperteza -
Praticam a vileza
De mudar
De política posição
Conforme lhes venha à cabeça
A distinção
Entre o melhor e o pior
Para a sua própria defesa.
Já La Fontaine o informou,
Que também ele vibrou
Com desmandos tais
Dos mortais,
E por isso o descreveu
Nos seus animais:

«O morcego e as duas doninhas»
«Um morcego de cabeça abaixada
Foi dar
Ao ninho duma doninha;
Quando esta ali chegou e o viu,
Encolerizada,
Correu para o devorar
Com toda a gana que tinha.
“O quê? Você ousa – disse ela -
Aos meus olhos aparecer
Desse jeito
E sem mais aquela,
Quando a sua raça mais não tem feito
Do que me prejudicar!
Não é você um rato? Diga-o sem ficção!
Sim, é, ou não serei eu doninha!”
“ Perdoe-me, rogou o pobre,
Não é a minha profissão,
Por vida minha!
Rato, eu! Os vilões ter-me-ão
Descrito assim, ai de mim!
Graças ao autor do universo,
A quem rezo sempre o terço,
Sou um pássaro; veja as minhas asas:
Vivam os seres singulares
Que fendem os ares!”
Valeu o seu argumento
Como de muito tento,
E a liberdade lhe foi dada
Pela doninha amansada.
Dois dias depois, o nosso morcego
Estouvado,
Cegamente vai cair
Na casa doutra Doninha
Dos pássaros, inimiga.
Ei-lo novamente em perigo grado,
Porque a Dama,
“De focinho pontiagudo
Que fossa através de tudo
Num perpétuo movimento”,
De espanto,
Estava disposta a comê-lo,
Por de pássaro se tratar
Segundo o seu entendimento.
Mais uma vez ofendido,
O morcego protestou
Contra o ultraje imerecido:
“Eu? Passar por tal? Que bobagem!
O que define o pássaro? É a plumagem.
Eu sou um rato: Vivam os ratos!
Que Júpiter confunda os gatos!”
Com mais este hábil argumento
Duas vezes salvou a sua vida
O morcego bento!”

Vários se acham que, dando de barato
Mudar de texto,
Mudar de fato,
Aos perigos, tal como ele, fazem frente.
Diz o prudente, segundo o contexto:
Viva o Rei! Viva o Presidente!”

É esta a moralidade
Da fábula de La Fontaine,
Como da nossa realidade.
Nem é preciso explicar
Ou aprofundar.
O “Salve-se quem puder”
Tem sempre actualidade.
E assim vamos vivendo,
Admirando.

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