domingo, 31 de julho de 2011

Pequena casa lusitana

José Hermano Saraiva é alguém a quem os portugueses devem muito estimar, pela paixão que põe nas suas histórias sobre as terras e as gentes portuguesas, complementadas com um pensamento são e claro que os seus gestos comedidamente oratórios vão pontuando. Um pensamento que não se perde, no seu à-vontade discursivo, enquanto vai revelando os segredos e as maravilhas das terras do seu país, ou chamando a atenção para a incúria a que vão sendo votados tantos marcos históricos que nos deveriam ser sagrados, elogiando iniciativas daqueles que amam o trabalho e reconstroem do que a incúria estragou, ou puramente constroem, apegados ao seu país soalheiro.
Já António José Saraiva, seu irmão, fora outro alguém de quem eu igualmente pensava que a pátria lhe deveria ser especialmente reconhecida, pelos estudos que sobre os seus homens e a sua história sobretudo literária e política praticou, com uma argúcia de interpretação e clareza e riqueza de estilo e de dados que revolucionaram os nossos estudos literários, em novas pistas de uma interpretação corajosamente desassombrada.
Dois homens, dois marcos, que apontam caminhos e nos revelam quanto temos de nos orgulhar do pequeno país que somos, que, tão maltratado tantas vezes, por nós próprios, que gostaríamos de o ver mentalmente superior, não deixamos de nos abismar sempre, perante o descomunal que representou a epopeia marítima portuguesa, que Camões sintetiza nesses maravilhosos versos do Canto VII d’Os Lusíadas:
Não faltarão cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa lusitana:
De África tem marítimos assentos,
É na Ásia mais que todas soberana,
Na quarta parte nova os campos ara
E se mais mundo houvera, lá chegara.”



Por isso, quando vamos calcorreando um pouco do nosso país com a RTP e José Hermano Saraiva, em quadros histórico-geográficos e etnográficos, que nos seduzem, revelando-nos facetas de um povo que, apesar de pequeno e tantas vezes troçado, nas suas discrepâncias sociais e culturais, construiu este seu mundo alegre e vistoso, de gente simpática, agora reduzido ao seu rectângulo e às suas ínsulas, lamentamos que a visão, que delas nos dão a RTP e José Hermano Saraiva, não se possa dilatar às terras que os portugueses construíram, "na África, na Ásia, na quarta parte nova”, mau grado as contingências da sua pequenez.
Talvez que esse conhecimento mais amplo do passado nos fizesse reponderar sobre o valor duma pátria, cujo passado temos a obrigação de respeitar, pelo que nos deu, cujo futuro temos a obrigação de precaver. Para os nossos filhos.
Porque o sentimento pátrio não pode nunca ser um valor ultrapassado, mesmo quando não tivesse existido um Camões a lembrar, tão entusiasticamente, desse seu povo, que “se mais mundo houvera, lá chegara.”

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