sábado, 9 de julho de 2011

O poço

A fábula seguinte
Da Raposa e o Bode
É de La Fontaine
Que, sempre actual,
Põe o dedo na ferida
Na questão nacional
Sem saída:
A do nosso endividamento estridente
Resultante
Do mergulho no poço
Em busca do caroço
Para satisfazermos
A sede de termos
Recursos, riquezas,
Poderes, vilezas,
E as muitas lérias
Das nossas misérias.
É assim a fábula:

«A raposa e o bode»

«Comadre Raposa ia de companhia
Com um seu amigo Bode dos mais encornados:
Este não via, pobre infeliz,
Mais que dois palmos à frente do nariz,
E dos mais diminutos;
O outro, em enganos e velhacaria,
Era mestre, dos mais esclarecidos.
A sede obrigou-os a descer a um poço:
Ali, cada um deles bebe até fartar.
Depois que ambos se dessedentaram
Diz a Raposa ao Bode
Como quem lhe acode:
“Compadre, que vamos fazer agora?
Não basta beber, é preciso
Sairmos daqui para fora.
Levanta os pés pelas paredes acima
E os cornos também, para que eu suba
Pela tua espinha primeiro, pelos teus cornos depois.
Com uma tal máquina, deste lugar sairei,
Depois por ti puxarei,
E sairemos os dois.
-“Pela minha barba, disse o outro, acho bem;
Eu sempre louvarei
Gentes espertas como tu
Que não enganam ninguém.
Eu por mim jamais teria
Achado tal solução.”
A Raposa sai do poço,
Num alvoroço,
E abandona o companheiro
Não sem primeiro
Lhe pregar belo sermão,
Exortando-o a ter paciência
Em abundância:
“Se te tivesse um Céu propício
Dado em benefício
Tanta inteligência
Como barba no queixo
Tu jamais terias ousado
Tão levianamente,
Descer ao poço. Aqui te deixo
Prudentemente.
Estou fora.
Adeus, que me vou embora
Urgentemente.
Trata de sair daí, como puderes.
Quanto a mim, tenho um assunto a tratar
Que me não permite parar.”
Em qualquer empreendimento que tomemos,
Antes de nos precipitarmos,
É preciso ter em atenção o fim,
Com discernimento.
Só assim
Nos safamos.»

Aqui está a fábula atrevida
Que põe o dedo na nossa ferida.
Nós somos o carneiro ramalhudo
E peco
Que mal aconselhado pela raposa ditosa
Semelhante a outra qualquer raposa manhosa
De dentro ou de fora,
Salta para o poço com rapidez
No seu deslumbramento e avidez,
Sem pensar nas consequências
De tais extravagâncias.
Lixou-se o carneiro,
No lixo do poço.
De lá não saiu,
Atolado
Até ao pescoço.

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