terça-feira, 5 de julho de 2011

As línguas. A Língua.

Éramos quatro no café a comentar com satisfação sobre a boa ordem, correcção, educação, serenidade, elegância, com que decorrera o primeiro dia do Parlamento, sob a égide do novo Governo. Todas ficáramos seduzidas com a clareza de Passos Coelho, com a lucidez e ponderação dos demais ministros, que se apresentavam como pessoas empenhadas e dispostas a dar no duro para tentar resolver aquilo que muitos consideram insolúvel.
Todas estávamos fartas das touradas parlamentares anteriores, com um Primeiro-Ministro useiro e vezeiro no contra-ataque, na omissão de respostas, nas desculpabilizações por conta da conjuntura internacional, e nacional devida ao governo anterior que Jorge Sampaio demitira – o de Santana Lopes – feito de muitas trapalhices, é certo, mas menos do que o de Sócrates que Sampaio apadrinhou, sem que ninguém o responsabilize hoje por este caos que o seu neófito criou. Fartas do discurso de Sócrates, simultaneamente enfático de realizações e promessas, em artimanhas linguísticas de que se verificava posteriormente a falsidade. Fartas da ocultação da verdade, da falta de resposta às acusações sobre as diversas fraudes, da oratória de convicção, semeando, sem pudor, falsa esperança, mesmo após a constatação progressiva do estado calamitoso das finanças nacionais.
As eleições provaram, contra as minhas expectativas, que a maioria dos portugueses se não deixara iludir. Apesar da rede socialista bem montada, com empregos e espórtulas para os familiares e amigos, com os poderosos impunes nos seus desmandos, que tanto contribuíram para o desabar do país.
Realmente, eu não contava que um povo, educado no servilismo e na grosseria do à-vontade familiar com que se dirigia ao leader ministerial, escolhesse outro, pessoa mais sóbria, ainda sem a rede poderosa que os continuadores de Sócrates, sérios e ameaçadores, prometem implicitamente manter, assim que os actuais percam o poiso. Porque o vão perder – os novos profetas da desgraça, que são os da rede poderosa, bem se esforçam por os fazer cair, em chufas e previsões sérias, que lhes dão as suas muitas leituras dos jornais e estudos estrangeiros, sobre os europeus periféricos, em vias de sair do euro.
Não, os novos profetas da desgraça não vão em dizeres como estes sensatos de um singrar por caminhos mais responsáveis, de escolhas por concurso e por mérito, independentemente de partidos, de mudanças num sentido de uma ponderação mais honrada, de promessas de trabalho e empenhamento.


Mas os outros, os que ainda acreditam na possibilidade de emenda, continuam a confiar, e a lembrar erros passados, no empenhamento do seu amor pátrio.
Vem isto a propósito do Acordo Ortográfico que deveria ser banido, como prioridade primeira, entre as muitas medidas primeiras de salvação nacional:

De um artigo do sociólogo Alberto Gonçalves, saído no Diário de Notícias, em 3 de Julho, extraio o seguinte passo:

«Ainda por cima, às vezes sai mais caro, em esforço e em dinheiro, aceitar as desgraças ditas inevitáveis do que impedi-las. Na questão do AO, por exemplo, parece-me menos complicado deixar as coisas como estão do que proceder à inutilização de toneladas de papel e à revisão de gigabytes de informação “virtual” em nome de um compromisso pateta e de enigmática serventia. Vasco Graça Moura, aqui no DN, já aludiu ao prejuízo material que o AO implica, ao tornar obsoletos manuais escolares, dicionários e livros em geral. Se o objectivo do Governo eleito fosse torrar fortunas em disparates a “implementação” do AO viria a calhar. Sucede que o momento é, ou assim nos garantem, de austeridade, por isso dói ver aumentos de impostos contrabalançados por desperdícios quantitativamente e simbolicamente desmesurados. Pior que tudo, além de tonto nos princípios e dispendioso nos meios, o AO é horroroso nos fins.”


Lembrei-me de um texto de Pedro Passos Coelho, publicado há pouco tempo, no blogue de Henrique Salles da Fonseca – “A Bem da Nação” – com a opinião de Passos Coelho sobre o mesmo AO, que julguei recente, e que por isso comentei com entusiasmo:

“Já tenho afirmado, em resposta a essa questão colocada por jornalistas, que o acordo que Portugal assinou há vários anos atrás (porque tal acordo já foi assinado) não representa nenhum benefício para a língua e cultura portuguesa, pelo que não traria qualquer prejuízo que não entrasse em vigor. De resto, não vejo qualquer problema em que o português escrito possa ter grafias um pouco diferentes conforme seja de origem portuguesa ou brasileira. Antes pelo contrário, ajuda a mostrar a diversidade das expressões e acentua os factores de diferenciação que nos distinguem realmente e que reforçam a nossa identidade. Aliás, considero míope a visão de que o mercado brasileiro de cultura passará a estar aberto aos autores portugueses em razão da homogeneidade da grafia, pois que o interesse desse mercado pela nossa produção só pode depender do real interesse pelas nossas especificidades e aí a suposta barreira do grafismo não chega a ser uma barreira, pode ser um factor de distinção que acentua o interesse pela diferença.
Pedro Passos Coelho”
Eis o meu comentário: (De Henrique Salles da Fonseca a 25 de Junho de 2011 às 16:48. Recebido por e-mail.):
Deus abençoe este homem que, com estes dizeres, semeou esperança nos corações daqueles que pensam exactamente o mesmo. Será que podemos manter a ilusão de que é possível o recuo num processo transformacional da nossa língua segundo um documento que muitos provaram que provém de idiotas para idiotas?
Berta Brás”

É de 2008, o texto de Passos Coelho. Será que pode manter as suas convicções? Será que pode fazer inverter um processo de esbulhamento primário à própria alma de um povo que tem uma língua antiga, língua mãe de outras línguas e que se deixa afundar na vileza de um AO subserviente e inútil, por imposição de factores económicos que aparentemente servem apenas para rebaixar, desprezando nexos ideológicos de parentescos antigos que os outros países de origem clássica altivamente mantêm?
Mas, sim, Deus abençoe estes novos governantes, num caminho iluminado.

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