quinta-feira, 26 de maio de 2011

Tomatina

- Perde-se tanto tempo a discutir a economia! Agora estão mais ou menos quase todos de acordo para os defeitos da economia feita. Tudo desanca no Governo. Então podiam-se juntar e fazer uma salvação.
A minha amiga é especialista na arte da descodificação das expressões, daí que a tal Junta de Salvação tenha aparecido desfigurada pelo grotesco da sua perífrase. Mas continuou impávida:
- Mas não vejo. A única coisa que eles podem travar é o TGV.
Eu lembrei-lhe o Professor José Hermano Saraiva como um apaixonado pelo nosso país, patriota não dos quatro costados, de exaltação chauvinista, tendenciosa, bairrista e popularucha, mas de um patriotismo são, reflectido, que tanto revela os aspectos nacionais merecedores de elogio pela organização, trabalho ou competência por alguns demonstrados, como condena o desleixo, o abandono a que é votado tanto do que nos definiu e poderia definir ainda como pátria verdadeiramente com P maiúsculo. Vi-o num dos programas que o canal “Memória” tem exibido, numa objurgatória contra os que vão passar férias nas praias de sonho estrangeiras e deixam ao abandono sítios esplêndidos do nosso turismo actual, das casas recuperadas, com piscina, cadeiras e o sol, que, segundo a minha amiga, se devia vender ao grama, no nosso país.
Vários são os programas do professor, que mostram as iniciativas de tantos empresários, de recuperação desses espaços do Portugal velho, transformados em sítios esplêndidos para turismo. E entre esses, apresentou um quadro desolador pelo vazio, de um belo espaço desse turismo rural recuperado, com piscina contígua à casa, rodeada de cadeiras e mesas, um sol bendito, uma casa reconfortante, sem viv’alma a preenchê-lo.
- Podíamos, de facto, vender o sol ao grama, mas nós nem em turismo somos bons. Em 1990 estive numa terra de Las Palmas. Terra pequena, cheia de turistas, mas com uma praia com casino, restaurantes, hotéis de cinco estrelas. Como não tinham água, fizeram o transporte de água para aquele sítio. Nós nem turismo sabemos fazer. Hotéis, só no verão. Vila Moura, por exemplo, no inverno, é a maior pasmaceira.
Contrapus que não bastam o sol nem a areia para se fazer turismo. Por isso Londres, Paris, as grandes cidades da cultura, da arte, das livrarias, dos espaços da história, têm turistas aos milhões, com os seus atractivos enriquecedores do espírito. Não basta o sol. E as boas comidas que os nossos programas alardeiam, como as grandes formas da nossa cultura. E o folclore, os santos populares… quanta pasmaceira em tudo isso, e um povo que os jornalistas entrevistam para darem opiniões sobre os chefes dos partidos, ou sobre os enamoramentos dos casais dos velhos, sobre os casos da vida… como poderemos competir com povos intelectualmente mais desenvoltos, se não temos para lhes dar senão o tal sol e a boa sardinha algarvia? Porque tendo as paisagens tão belas como as mostram o professor Hermano Saraiva e a televisão que o acompanha, a nossa movimentação nos espaços da nossa terra é, geralmente, sem horizontes espirituais que não sejam os da religiosidade ou do fandango.
E a minha amiga insistiu:
- A Espanha faz turismo de Verão e de Inverno. Mas sabem fazer. Olha o Algarve! Sendo a zona com mais possibilidades turísticas, a auto-estrada para lá foi a última a fazer-se. Que raio de visão! E o Algarve, que é a terra do Cavaco, e não quis saber!
- Foi por modéstia, veio-lhe do Salazar, que muito poupou para juntar para o futuro, amachucando o presente na mediania em que nos educou, avesso a modernices, sobretudo do pensamento. Mas é porque era inteligente, sabia que o colapso viria com a liberdade, habituados que estávamos à sujeição.
- Mas o Cavaco fez muitas auto-estradas, ora essa! Não havia razão para deixar a do Algarve para o fim, como estrutura rentável imprescindível, com o sol e as praias fabulosas que o Algarve tem!
- Mas talvez o Algarve também falhe porque os empresários, querendo enriquecer depressa, exploram e abotoam-se com as massas ganhas na safra. Não há turismo – nem país, de resto, que resista a tanta desordem.
- Não, não somos povo para progredir em nada. Então não é que no sábado, em Braga, se destruíram toneladas de tomates? Então vai-se copiar isto dos espanhóis? Há 45 anos faz-se tomatina em Espanha. Este ano fez-se em Braga, ouvi a notícia. Estamos sem cheta e jogamos ao tomate.
- Mas nunca a crise limitou a diversão, vá lá vai! Até dá para se mostrar aos outros que não temos falta dessa fruta! São hábitos que nos vêm de Aljubarrota. Da padeira.

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