segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ele não sabia

Fui para a nossa bica usual artilhada com aquela do Otelo dizer que, se soubesse no que ia dar a revolução de Abril, não tinha sido o cérebro dela, e a minha amiga logo pôs em destaque o tamanho do cérebro dele, que ela reduziu ao de um qualquer insecto, não o da “Metamorfose” do Kafka, que esse até tinha um tamanho gradativamente mais monstruoso, a lembrar simbólicos absurdos existenciais, donde a expressão tão sui generis de “insecto humano”, com que nos apelidamos actualmente, sobretudo os que sofremos desses problemas existenciais, não nós as duas, todavia, que doutros nos queixamos, mais à nossa medida visceral.


A minha amiga, sensível à fábula clássica, apoiada em bichos reais, escolheu o cérebro da pulga para paralelo oteliano (o do nosso, não o do outro), mas eu achei que outros cérebros havia ainda mais reduzidos, como o da pulga da hortaliça, que forma crosta, e a minha amiga complementou a questão biológica, para pôr fim à questão física de tamanho, com a observação redutoramente surrealista de que há muito cá quem pense com os pés, e eu concordei com o exemplo do actual nosso êxito no futebol, com provas cabais dadas, não só nos jogos da Liga, onde três clubes nossos persistem, para nossa glória, como no protagonismo universal de treinadores pedantes nossos a fazer fitas de um suspense muito bacoco, próprio de um povo castradamente e imemorialmente e vexatoriamente e definitivamente provinciano, e também de jogadores a dar nas vistas lá fora, mais as garraiadas em que se transformaram alguns campos de futebol cá dentro... Um fartote de cabeças nossas assentes nos nossos pés, como prova igualmente a política dos nossos condutores políticos.


Mas a minha amiga ficou de facto impressionada com a dor do Otelo – o nosso - e concluiu que ele estava mesmo arrependido.


Ora eu não sou trouxa, por muito que a minha amiga se esforce, às vezes, por me contrariar nesta autopromoção, imodesta no seu parecer reservado, e logo opus aos ditos da sua sensibilidade apurada, o meu ponto de vista objectivo de que, o que fazia Otelo – o nosso - arrepender-se (mas só de boca e para as grandes plateias ) - as plateias do outro eram inferiores em tamanho - eram sentimentos de frustração rancorosa contra os que lhe apanharam o terreno e o atiraram dele para fora, para serem eles a transformá-lo – o terreno, não o nosso Otelo - no pântano em que patinhamos agora, excepto esses mesmos e os que se lhes seguiram, que jamais patinharam, os quais, “deitando-o de si fora”, como se ele fora um qualquer “torpe Mauritano”, se alambazaram sozinhos, com pecadora ingratidão.


É só por isso que ele está arrependido, não por ter sido o cérebro da nossa última revolução que nos pontapeou a nós de lá para o lodaçal de cá.


Desta vez a minha amiga anuiu, mais conforme com os argumentos do meu discurso pleno de uma lógica muito comum a nós ambas, de um saber de experiência.


Ressabiada.

Nenhum comentário: