segunda-feira, 11 de abril de 2011

A campanha alegre

Fernão Mendes Pinto, foi um aventureiro e escritor português do século XVI, que, em vinte e um anos a peregrinar, durante os quais foi “treze vezes cativo e dezassete vendido” no continente asiático, em condições, por vezes, de uma tão sensacional e esmagadora brutalidade que em nada difere dos exageros da epopeia antiga, pese embora a diferente natureza humana e física dos participantes e dos espaços da sua narrativa surpreendente.

Nos capítulos finais de Peregrinação, F. M. Pinto descreve-se como testemunha participante no episódio de oferta de uma espingarda a um príncipe japonês, a primeira espingarda que apareceu no Japão, oferecida pelo português Diogo Zeimoto ao nautaquim da ilha japonesa de Tanixumá, “com boa tenção e por boa amizade, e por lhe satisfazer parte das honras e mercês que tinha recebido dele”. O nautaquim afirmou estimar “ mais do que todos os tesouros da China”, esse objecto estranho e mortífero, e em breve os súbditos do príncipe fabricaram milhares.

De modo que “se encheu a terra delas em tanta quantidade, que não há já aldeia ou lugar, por pequeno que seja, donde não saiam de cento para cima, e nas cidades e vilas mais notáveis não se fala senão por muitos milhares delas. E por aqui se saberá que gente esta é e quão inclinada, por natureza, ao exercício militar, no qual se deleita mais que todas as outras nações que agora se sabem” (Cap. 134 de Peregrinação).

Também, nos séculos XIX e XX, Wenceslau de Moraes (1854-1929), que no Japão viveu 33 anos, descreveria várias facetas do povo japonês, entre as quais as «frontes amplas, de inteligentes ou de cismadores; olhar profundo por vezes de inspirados; e um sorriso fácil sempre em assomar, benévolo, cortês» (Traços do Extremo Oriente).

«O temperamento asiático, a piedade filial, a etiqueta do feudalismo, a moral budista e ainda outras circunstâncias imprimiram na alma japonesa essa feição de particular altruísmo, que tanto distingue o nipónico de todos os outros homens; o indivíduo é causa ínfima, não deve contar para nada diante do superior ou mesmo do igual. É na acção combinada de todos estes factores, transmitida por hereditariedade e pela educação desde remotas eras, que se deve ir buscar a causa primária do sorriso indígena.» (Cartas, III).

«Sentimento delicadíssimo é esta crença (o culto dos mortos), que unifica a alma da nação, que promete persistir, embora a corrente do cepticismo da época modifique e apague as outras crenças. O povo japonês poderá um dia descrer do sintoísmo e do budismo; o que será difícil de conceber é que ele perca o seu culto pelos mortos, transforme os seus cemitérios em campos de cultura ou em parques de recreio, destrua os altares familiares, cesse de reverenciar a memória dos ascendentes, de considerá-los membros, apenas ausentes, da família e protectores do lar, ainda a distância. É ao culto pelos mortos que a nação deve as suas qualidades mais brilhantes, incluindo o patriotismo, esse amor sagrado pelo torrão natal, que foi também torrão natal das gerações extintas.» (O Bom-Odori em Tokushima)

Tokushima! Foi este nome, tão badalado ultimamente, como o será para sempre Hiroshima, que trouxe a evocação desse livro “O Bom-Odori em Tokushima” que o meu pai tinha na sua estante e que mais tarde recuperei em parte, comprando uma edição sobre Wenceslau de Morais, de 1970, da Portugália Editora, contendo excertos de obras várias de Morais, com uma excelente introdução de Armando Martins Janeira sobre os méritos de um escritor e de uma obra cujos traços mais característicos são a ternura e a delicadeza com que descreve o povo japonês que admira. Tokushima onde morreu, onde ficaram sepultadas duas das mulheres que amou, Tokushima a terra do Bom-Odori, festa dos Mortos!

Tokushima foi referida no dia 11 de Março, como outras terras japonesas abaladas pelo sismo e o tsunami de Sendai, não varridas mas lavadas por um monstruoso tsunami, de águas poderosamente invadindo a terra e tudo empurrando na sua violência, causando seguidamente explosões na Central Nuclear de Fukushima, com riscos gravíssimos de que milhares sofreram as consequências. E as consequências do caos gerado por muito tempo se farão sentir.

Mas é um povo ordeiro, habituado a sofrer e a respeitar, um povo inteligente que do seu arquipélago fez das mais poderosas nações do mundo, e isso por razões de disciplina, trabalho e inteligência, detectadas já por dois escritores nossos, não tardará que se recomponham.

Não é o nosso caso, mau grado as gentes esforçadas que tivemos na nossa história. Como diz a minha amiga, neste seu dia de anos, referindo-se à festança do PS, nós embarcamos mais na “Campanha Alegre” da irresponsabilidade, o Governo PS é o tsunami natural do país que somos.

E que aceitamos. Não veneramos os mortos do nosso passado, como o povo japonês, preferimos ser subservientes aos vivos do nosso presente, mais semelhantes aos habitantes do continente africano, com quem aprendemos o batuque.

Mas a minha filha anda assustada. Ela vê, nestes ajuntamentos nacional-socialistas, uma escalada ao modo nazi. Eu fico-me pelo batuque.

E pelos parabéns à minha amiga "salerosa", a quem dedico este texto. Sem "salero".



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