sexta-feira, 29 de abril de 2011

Perguntem a Mendes

Eu acabara de ver, no canal Memória, um filme da Agatha Christie, sobre mais um mistério criminal decifrado pela esperta Miss Marple, a quem a vida folgada de solteirona, na aldeia St. Mary Mead – e chamo a atenção para esse facto, a vida matrimonial geralmente de menor competência na questão do folguedo – mas também a sua inteligência e a sua curiosidade habituaram a descodificar os vários ângulos da humana natureza com que ajudou, por analogia comportamental, os detectives seus amigos encarregados dos crimes acontecidos, a descobrirem o criminoso.
Era meia noite, noite de sombria previsão da tempestade que, neste momento, assola o nosso litoral atlântico, com violentos coriscos e trovões.
No Canal TVI24 Marques Mendes apresentava, em fúria grande e sonorosa, a sua tese de que, contrariamente à explicação também sonorosa de José Sócrates sobre o poiso de Teixeira dos Santos no dia 25 de Abril a trabalhar com a troika para bem da nossa Nação, isso se tratava de inqualificável mentira – só mais uma – do PM, pois Teixeira dos Santos não trabalhara, de facto, no dia dos Cravos, fora visto, muito simplesmente e sem troika, na sua casa de Vila Nova de Cerveira, bem distante, lá no Minho. E explicava Marques Mendes, com figurada tuba canora e belicosa, que a razão por que o Ministro Teixeira não comemorara o 25 de Abril em Belém, com os demais barões assinalados, fora apenas por uma razão política, de incompatibilidade entre o Ministro do Estado e das Finanças e o próprio Engenheiro Sócrates.
E Marques Mendes depreendia com isso como Sócrates estava só, sem Teixeira, sugerindo que assim ia também, tal como o outro, emborcando a sua cicuta, mas mais devagarinho, para a vomitar depois sobre nós outros.
E a voz de Mendes alastrava, lembrando, ponderando, concluindo. Miss Marple sempre se insinuou discretamente, encaminhando o pensamento dos amigos que pediam ajuda à sua argúcia. Mendes impunha categoricamente.
Mendes sabe, Mendes impõe. Também com argúcia.
E assim nós, que vivemos em dúvidas perenes, para sabermos o que aconteceu realmente ao nosso Ministro das Finanças, como o que aconteceu mesmo a todo este nosso país, deveremos fazer a pergunta que fez um certo moribundo, acordando momentaneamente do seu desmaio, a um Bobby que o encontrou, no livro de Agatha Christie “Why didn’t they ask Evans? – “Porque não perguntaram a Evans? ”
Mendes tem as respostas todas, perguntemos a Mendes.
Porque não perguntamos nós a Mendes?

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Finuras, figuras, amarguras

Eu nunca conheci nenhum finlandês, a não ser esse que figura no tablado literário português, o oco diplomata Steinbroken, hirto respeitador dos convencionalismos aristocráticos, sem deslizes nem extravagâncias comprometedoras, segundo a pena de Eça, e que tão bem é parafraseado neste texto epistolar de Francisco Seixas da Costa, que me chegou por e-mail.
Texto revelador de um sentido crítico bem pertinente, acrescido do conhecimento histórico do nosso presente comprometido com, simultaneamente, uma capacidade de explorar, com humor, tipos humanos como esse, de perene universalidade, embora não sei se identificador da idiossincrasia diplomática desse país. Por outro lado, também permanece a dúvida sobre se tal universalidade atingiu o povo finlandês, ou se o romance queirosiano “Os Maias” é só para consumo interno de uma ínfima parte do povo português, que, afinal, também o não reconhece na sua totalidade, por escassez livresca.
Mas, excluindo os enfeites literários da sua epístola, o que conta, no caso presente, são os maquiavelismos finlandeses bem ilustrados por Seixas da Costa, aquando da entrada do país nórdico na União Europeia, em 1995, juntamente com a Suécia e a Áustria, segundo me informa a Internet.
Hoje a Finlândia prepara-se para boicotar o auxílio económico a Portugal, apesar de, segundo nos comunica o texto de Seixas da Costa, anos antes ter reconhecido o espírito de solidariedade portuguesa no seu apoio à sua própria entrada na U.E.
Leiamos, pois, a espirituosa carta deste “João da Ega” – não propriamente o iconoclasta da ficção queirosiana, mas um seu bom seguidor, na ironia e no “sentimentalismo romântico” que em si mesmo se reconhecerão, no epílogo da obra, os inseparáveis amigos Ega e Carlos:
Carta ao embaixador finlandês
"Caro Steinbroken
Por estes dias, recordo as noitadas em que nos cruzávamos nos salões dos Maias, no Ramalhete, às Janelas Verdes, nas tertúlias que o José Maria retratou no livro a que deu o nome daquela família.
Lembro-me da generosidade com que você, diplomata finlandês, era recebido naquele cenáculo, onde, com carinho lusitano mas cosmopolita, entre mesas de whist ou numa ronda de bilhar, ou ouvindo-o a si como "barítono plenipotenciário", procurávamos atenuar a sua nórdica solidão.
Muita água passou sob as pontes. Você regressou aos gelos da sua Finlândia, eu por aqui fiquei, com a escassa fortuna que Celorico me deixou.
Há uns anos, caro Steinbroken, você escreveu-me para Lisboa, dizendo do agrado com que vira Portugal apoiar, com entusiasmo, a entrada do seu país na União Europeia. Elogiou o facto de, ao contrário de outros, não termos achado que a "finlandização" havia sido um imperdoável pecado histórico de agnosticismo estratégico, um genérico triste da "realpolitik". E recordar-se-á de eu lhe ter respondido, na volta do correio, que, conhecendo-o a si, nunca o tivera por seguidor do "better red than dead".
Noutra ocasião, você veio bater-me epistolarmente à porta, pedindo que deixasse cair uma palavra nas Necessidades, com vista a evitar que Portugal cedesse a um compreensível egoísmo, por mor dos fundos estruturais, a ponto de poder criar obstáculos aos Estados bálticos, “primos” da Escandinávia, que queriam então aceder à NATO e à União Europeia. A resposta da nossa diplomacia foi, reconheça, soberba: embora o alargamento fosse um passo que tinha em Portugal um dos países mais prejudicados, adoptávamos uma visão solidária da Europa, pelo que entendíamos que um mínimo de respeito histórico nos obrigava a acolher aqueles Estados no nosso seio. Da caixa de vodka que você me mandou, com um cartão catita, a agradecer a diligência, ainda me resta uma botelha.
Pensava partilhá-la consigo, Steinbroken, numa sua próxima vinda a Portugal, à cata de sol e de olho nos corpos morenos, Chiado abaixo. Passaríamos pelo Grémio, jantaríamos no Tavares e iríamos degustar o resto dos álcoois no meu terraço, Tejo à vista. Eu contar-lhe-ia a poética aventura eleitoral do Alencar, a carreira como banqueiro da besta do Dâmaso, o folhetim da venda da “Corneta do Diabo” à Prisa, a colaboração do Cruges com os “Deolinda”, a agitação do Gouvarinho e de outros tantos, nas lides que levam às Cortes.
Mas, agora, o que me chega? Que você foi ouvido, num dos últimos dias, passeando sob as árvores onde o verde já brota, ali na Promenade, no centro de Helsínquia, recém-saído do spa do vizinho Kämp, de braço dado com um alemão, com tiradas muito pouco simpáticas sobre Portugal e os portugueses. E que dizia você? Que, afinal, o compromisso político que a Finlândia havia dado à estabilidade do euro, que servira para a Grécia e para a Irlanda, poderia já não valer para Portugal. Ao seu lado, o alemão ecoava coisas parecidas, quiçá esquecido que o meu país, como todos os outros parceiros europeus, andou anos a pagar elevadas taxas de juro, para liquidar a fatura da reunificação da Alemanha, que hoje é, como sempre foi, o grande beneficiário do mercado interno europeu.
É triste, caro Steinbroken, é muito triste que a frieza do vosso egoísmo lhes faça esquecer que a solidariedade é uma estrada de dois sentidos. Aqui, por Portugal, estamos a atravessar uma conjuntura difícil. Outras já tivemos, todas ultrapassámos. Mais recentemente, cometemos alguns erros, revelámos fragilidades que a crise sublinhou. Pensávamos poder contar com os amigos. Ao longo dos tempos, aprendemos a ser gratos a quem nos ajuda, a ser-lhes leais quando de nós necessitam. Não somos rancorosos, porque alimentar ressentimentos mesquinhos não está na nossa maneira de ser. E sabe porquê? Porque, na vida internacional, mantemos alguns sólidos valores, os mesmos que nos permitiram sobreviver nove séculos como país, um dos mais antigos do mundo, sabia?
A vossa atitude, a vossa quebra de solidariedade, porque revela o conceito instrumental que têm da Europa, para utilizar uma frase que você repetia, entre outras platitudes árticas, pelas noites do Ramalhete, “c’est très grave, c'est excessivement grave…”.
Receba um abraço, ainda amigo, orgulhosamente (quase) mediterrânico do
João da Ega
Postado por Francisco Seixas da Costa
Read more: http://duas-ou-tres.blogspot.com/2011/04/carta-um-diplomata-finlandes_19.html#ixzz1K4pkXkOr”

Não, Steinbroken não vai acatar as inconvenientes declarações de Ega/Costa, retrocedendo caminho, num apoio camarada a este país. Na realidade, ele passeia-se, actualmente, pelas ruas de uma Grécia também em apuros económicos, mas anteriores aos nossos próprios apuros, que nos fizeram estender a mão aos parceiros europeus, como já o fizera a Grécia, ainda em época da solidariedade finlandesa.
Seria, para ele, “excessivement grave”. Quanto a nós, povo português, já estamos habituados aos excessos graves.
De “décalage” entre as classes. A alta e a baixa, a média com tendência a desaparecer. No caos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

E o povo atira-se

Eu achava de bom tom debruçarmo-nos sobre os vários discursos dos vários presidentes democratas, ia mesmo disposta a explorar o epíteto “foleiro” atribuído a Cavaco Silva por um tal fulano Lello que também aparece caracterizado na Internet como “deputado e carregador de malas de José Sócrates”, mas a minha amiga não foi nisso, por não os ter ouvido, achando que nada acrescentariam ao status, e eu fiquei frustrada, porque achara que eles tinham sido bastante palavrosos, segundo o nosso costume palavreiro e que seriam escutados com unção pelos respectivos grupos de usufruintes da palavra, incluindo as respectivas esposas e familiares, e desisti, até de desdenhar da má criação do tal carregador, que tem forçosamente que ser entroncado, para poder carregar com todo o peso da bagagem socrática.
Realmente, a minha amiga hoje vinha cheia de pruridos anti-aristocráticos, que muito me custou ouvir, até porque se não fossem esses nobres que semearam beleza e palácios ao longo da história, graças ao seu poder económico aliado ao gosto do requinte, esta Terra não seria mais que um grosseiro espojar de alarvidades, de bestialidades, de espaços ligados à nossa materialidade, tais os sítios onde se come e bebe e onde se vende o que se come e o que se bebe e outras realidades mais consentâneas com a nossa natureza de instintos que Zola apelidou de “bête humaine”, expressão bem da nossa repugnância idealista.
Foi a propósito do casamento do príncipe William. Disse ela:
- É rei? É rainha? É princesa? E o povo atira-se ao chão. Aquilo é uma afronta danada. A gente vê e nem quer acreditar. Ali é que eu acredito que é perigoso vir para a rua. Mas as ruas vão estar apinhadas. Como é que o Menino Jesus encara a realeza, ele que foi tão pobrezinho? Porquê? Porquê? Que coisa mais extraordinária!
Falei noutros casos, dos que foram punidos, o pobre do Xá da Pérsia, o pobre do Ceausescu, mas considerei que o Menino Jesus não tivera nada a ver com o sucedido, ele que era mais dos nossos lados. A minha amiga, indiferente à interrupção, prosseguiu, violenta:
- Mas a Inglaterra também está com uma crise gravíssima. Não lhes ficava tão bem pôr limites? Tanto dinheiro que há para gastar com a realeza! Tanta ostentação como a destes! Acho que é demais chegar ao século XXI e o povo a arrastar-se, a esganar-se… E dizem que são civilizados!
Suspirei também, na ânsia íntima - que estas coisas não são para divulgarmos - que uma parte daqueles rios de dinheiro desviasse o seu curso sobre nós. Oh! Como nos esganaríamos para os sorver!
Sonhos.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Edelweiss

Por alturas do Natal, a TV Memória costuma presentear-nos com “Música no Coração”, desta vez foi também no domingo de Páscoa.
Creio que merecemos o programa em duplicado, precisados como estamos de um mundo de beleza, de amor autêntico, pese embora de enredo ficcional, mas respeitando valores, velhos valores que se nos colaram à alma, e que a filmografia actual tantas vezes repudia, explorando preferentemente os temas realistas da violência das relações humanas, ou dos barbarismos que a técnica permite, transformando a sociedade filmográfica em figuras monstruosas de carnalidade ou crueldade inimagináveis, de fundas repercussões sobre o comportamento social e sobretudo sobre a formação do mundo adolescente, cada vez mais transbordante de indisciplina moral, na permissividade consentida, sem regras.
Entre esses valores transmitidos pelo filme, sobressai o patriotismo, na não subordinação aos ditames de um nazismo invasor da Áustria, tão bem representado na simbólica canção “Edelweiss” que Christopher Plummer, ou outra voz pela sua, entoa na estratégia final de despedida – não para a aparente sujeição às ordens de Hitler, mas para a liberdade, a voz embargada de comoção, retomada pela bela voz de Julie Andrews, e levando o público oprimido, comovidamente, a aderir em peso, tal como já acontecera com “La Marseillaise” cantada por Victor Laszlo no filme “Casablanca”.
Cenas de grande emoção, que hoje em dia já não podemos ouvir sem lágrimas, revivendo cenas de tragédias passadas, que por nós passaram já também, embora na alegria de uma aparente libertação da maioria dos seus adeptos.
Não temos uma flor simbólica de um país como a Áustria, “bloom and grow forever”, a quem possamos pedir “bless my homeland forever”. Temos apenas o alecrim que nasce nos campos sem ser semeado ou o rosmaninho exclusivamente como flor do Zé Povinho e só durante a Semana Santa.
Os invasores no nosso país são os seus naturais, a nenhuns outros podemos pedir contas. Aqueles conseguiram o que pretendiam, manietar um país que, aliás, sempre viveu amordaçado no rebaixamento da sua sujeição às grandezas de quem propositadamente o sujeitou para melhor ser servido.
Sem visão nem estrutura mental nem moral para nos libertarmos, aceitamos a mordaça ou a má orientação dos que orientam, os que criticam ou condenam seguindo bem a trupe, o que lhes dá o estatuto intelectual confortável de progressistas e de opositores ao fascismo.
Que a flor do nosso espalhafato será unicamente essa, forever: “Abril sempre”, ou “Sempre Abril”, que, por razões opostas até já se chamou de “Abrilada”, pois, na confusão dos princípios reside o nosso apego pátrio.
Primaveril, forever.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O “fulgor baço da terra”

A minha amiga trouxe as informações da sua rebeldia. Chamo-lhe rebeldia porque é preciso acatar e ela não acata. Vejamos o que ela disse, com os olhos brilhantes e os gestos esfusiantes, de uma malícia indignada:
- Não é que eu soube ontem que o Centro de Saúde fechou ao meio dia de quinta-feira e só abre na terça-feira?
- Ai é?! Então e se a Troika tem um acidente para estes lados da linha? Quem os vai tratar?
- Eu penso é que os FMI que cá estão a trabalhar devem rir tanto, tanto, à gargalhada, perante o espectáculo… Digo eu: Isto é um espectáculo! É o país que tem mais dias santos, um país santificado, é a nossa sorte!
- E ainda não chegou o Santo António,
disse eu a provocar, sabendo do seu culto antonino.
- Mas este merece. Para este país está muito bem.
Logo vi que este não fazia parte da sua excomunhão, de uma heresia só não condenável porque estamos em democracia. Ou porque os nossos reis, com outros temas mais do seu agrado, desprezam estes dizeres. Como desprezam os Pessoas derrotistas, que põem “Nevoeiro” onde eles só acham dinheiro, mesmo alheio…
- E já viu o Eanes a defender o Sócrates? E eu que o considerava! Bem, o Soares também, que pandilha!
- Mas que temos nós tido por cá a não ser pandilha? Há quem lhes chame maçonaria, daí a força.
- E o Passos Coelho, numa retórica de Boas Festas , a dama ao lado, como é tão chique nos chefes do Estado!
- Também disse que a saúde era imprescindível. E desejou-nos saúde. Temos todos direito à saúde, disse ele, ao lado da esposa, que também desejou boa Páscoa aos portugueses, já em jeitos de primeira dama, sem desejar mais nada, em tímido comedimento. Ainda dá mais para rir do que o país parando em santidade.
Mostrei à minha amiga o texto recebido por email que vinha precedido do seguinte comentário:


“Texto tristemente fantástico”.
- Uma excelente síntese, admirou ela.
Ei-lo:

Se és um jovem português
Atravessa a fronteira do teu País E parte destemido Na procura de um futuro com Futuro.
Porque no teu País
A Educação é como uma licenciatura Tirada sem mérito e sem trabalho Arquitectada por amigos docentes E abençoada numa manhã dominical
Porque no teu País
É mais importante a estatística dos números Que a competência científica dos alunos O que interessa é encher as universidades Nem que seja de burros
Porque no teu País
A corrupção faz parte do jogo Onde os jogadores e os árbitros São carne do mesmo osso E partilham o mesmo tempero
Porque no teu País
A justiça é ela própria uma injustiça Porque serve quem é rico e influente Com leis democraticamente pobres
Porque no teu País
As prisões não são para os ladrões ricos Porque os ricos não são ladrões Já que um desvio é diferente de um roubo
Porque no teu País
A Saúde é uma doença crónica Onde quem pouco tem É sempre colocado na coluna da despesa
Porque no teu País
Se paga a quem nada faz E se taxa a quem pouco aufere
Porque no teu País
A incompetência política É definida como coragem patriótica
Porque no teu País
Um submarino é mais importante que tu E o mar apenas serve para tomar banho E pescar sardinhas
Porque no teu País
Um autarca condenado à prisão pela justiça Pode continuar em funções em liberdade Passeando e assobiando de mãos nos bolsos
Porque no teu País
Os manuais escolares são pagos Enquanto a frota automóvel dos políticos É topo de gama
Porque no teu País
Há reformas de duzentos euros E acumulação de reformas de milhares deles
Porque no teu País
A universidade pública deixou cair a exigência E as licenciaturas na privada Tiram-se ao ritmo das chorudas mensalidades
Porque no teu País
Os governantes, na sua esmagadora maioria, Apenas possuem experiência partidária Que os conduz pelas veredas do "sim ao chefe"
Porque no teu País
O que é falso, dito como verdade, Sob Palavra de Honra! São votos ganhos numa eleição
Porque no teu País
As falências são uma normalidade O desemprego é galopante A criminalidade assusta O limiar da pobreza é gritante E a venda de Porsches ... aumenta
Porque no teu País
Há esquadras da polícia em tal estado Que os agentes se servem da casa de banho Dos cafés mais próximos
Porque no teu País
Se oferecem computadores nas escolas Apenas para compor as estatísticas Do saber "faz de conta" em banda larga
Porque no teu País
Se os teus pais não forem ricos Por mais que faças e labutes Pouco vales sem um cartão partidário
Porque no teu País
Os governantes não taxam os bancos Porque, quando saírem do governo, Serão eles que os empregam
Porque no teu País
És apenas mais um número, Onde o Primeiro-Ministro se chama Alice, Que vive no País das Maravilhas Mesmo ao lado do teu.
Foge!
E não olhes para trás!"
Sim, Pessoa tinha razão: “É a Hora!”
Mas num contexto diferente, o nevoeiro, por cá, a adensar-se em treva, como faz prever o assustador email transcrito. É a Hora, ai de nós!

De fugir?





quinta-feira, 21 de abril de 2011

Alegoria na alegria!

Lembrei-me de traduzir
Mais uma fábula de Esopo
Como forma de explicar
O fabulário do nosso fadário
Ou o fadário do nosso fabulário
- Também apelidado de bestiário -
O qual transformaria
Um país que poderia ser
Saudável como outro qualquer
Num país de aspecto débil
Como este passaria a ser,
Apesar de ter
Um sol enternecedor
Que o devia fortalecer,
E não de se tornar a causa mor
Da nossa crónica doença
Que muitos acham deprimente
Mas que outros aceitam perfeitamente
- Da preguicite à malandrice à pesporrência, à verborreia ...
Vejamos se tenho razão ou não
Na questão da explicação
E da exemplificação:
É, pois, de Esopo a fábula
“O médico e o paciente”
Ou, já que é arbitrária
A ordem dos nomes copulados
Poderemos pôr,
De jeito lúdico,
E porque o escreveu Esopo,
“O paciente e o médico”:
“Um doente, cujo médico lhe perguntava
Como a sua saúde se achava,
Respondeu-lhe impaciente
Que de suores se queixava
Ao que o médico, indiferente,
Concluía que bem ia.
E quando à segunda vez
O mesmo lhe perguntara
E a resposta fora
Que tremores tivera
De maneira muito bera,
O médico concluira
Que a sua saúde era excelente.
E à vez terceira,
Em que falou de diarreia,
E que o médico garantia
Que a saúde do queixoso
Era de ferro,
Nunca mais este se atreveu
A soltar um simples berro
Nem que forte cefaleia
O atacasse,
Ou até mesmo dispneia
Excesso de ureia
Seborreia
E o mais que fosse

Que lhe aparecesse.
Por isso aos seus parentes
Que lhe perguntavam como passava,
O doente respondeu,
Com certa ironia,
Que tão bem ia
Que lhe parecia
Que explodia.
E Esopo conclui
Que com as pessoas o mesmo acontece:
Os nossos parentes
Amigos ou outras gentes
Que nas aparências exteriores se fiam
Por felizes nos julgam
Atabalhoadamente,
Sem mais ponderações,
Por coisas que intimamente
Nos causam muitas aflições."

Pois é bem o nosso caso:
Uns irónicos estrangeiros,
Ao verem as gentes que por Lisboa
Se passeiam
E que as esplanadas enchem,
E mais os carros que preenchem
De Lisboa a Cascais as estradas bem tratadas
E que as praias frequentam
Do litoral de Portugal,
Que nenhumas cabeças
De alfinetes ali cabem nem entram,
Concluíram,
Com tais indícios,
Que não parecia que o país precisasse
Nem aqui nem ali
Dos dinheiros europeus do FMI
Ou de quaisquer outros benefícios,
A encaminhar-nos para aterradores precipícios.
Mas o pobre Portugal,
Nação mais velha da Europa,
Sujo, triste, escalavrado,
Como mostram zonas da capital,
E aldeias de casebres insalubres
E campos desmantelados,
Etc. e tal,
É que sabe bem o que ele sente e pressente,
Tal como o referido paciente,
Sem esperança já de cumprir,
De tão doente,
À espera, sim, de aluir,
De ruir,
O nosso Portugal.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Os Mórmons

Ontem fui eu que larguei a notícia do Otelo, embora a minha amiga também a tivesse escutado, que ela não deixa os seus créditos pelos ouvidos alheios. Mas hoje eu, esgotada que estava por tanta informação televisiva sensaborona, a maior parte escutada distraidamente, nas andanças da domesticidade, dei-lhe a oportunidade de ser ela a largá-las e perguntei-lhe o que achava dos acontecimentos nacionais.
- Não digo nada que é para o Nosso Senhor não me chatear. Eu tinha que estar caladinha e portar-me como as meninas que eu conheço: “Esta é a minha carteira nova, e os meus sapatos e o meu cinto”…
Como lhe censurei os humores, decidiu alinhar e estendeu-se nos dados de estarrecer: Começou por falar no pai que baleou a filha médica de vinte e poucos anos, por motivo de um namorado não seu desejado, tornando-a inválida para sempre. Outros crimes nossos nomeou, considerando como temos evoluído nesse ponto e passou ao tema da violência que tem por base, segundo ela, entre outros, os jogos oferecidos na infância às crianças. Lembrei a propósito quanto o meu pai condenava a oferta de pistolas de brinquedo aos meninos, como tais preconceitos estavam arredados destes tempos que ainda são nossos, e logo a minha amiga disparou, na tristeza de uma revolta sem solução:
- Assim que eles crescem, normalmente começam a beber mais cedo. Têm que ter dinheiro. Os pais têm que dar. Droga é aos montes. Não é a tradicional. Há muitas que já não dão nas vistas. As notícias que estão a dar são de estarrecer, para quem se rala: bebem e drogam-se e gastam à grande. Se no nosso tempo posterior ao 25 de Abril já era grande problema, agora nem se fala. E as drogas são completamente disfarçadas. Podem-se meter na bebida, na boca, como se fossem aperitivos. Eu digo: Só quem não tem filhos é que pode dormir descansado. Os pais não se atrevam a proibir. Há direito que as discotecas comecem à meia-noite e acabem de manhã? E entretanto, fortunas engrossam, dos fabricantes de droga e dos fabricantes da destruição humana…
Comentei sobre uma juventude que assim se preparava para um dia tomar as rédeas da Nação, mas a minha amiga achou que os que governam agora já são fruto do mal-estar em que temos vivido afundados. Ressalvei:
- No mundo inteiro, aparentemente. Mas há quem se equilibre, quem mantenha ainda a consciência humana, quer aqui, quer, sobretudo, entre os povos mais superiormente educados.
Mas cheguei a casa deprimida.
A minha irmã mostrou-me no Diário de Notícias as figuras escorreitas de dois altos dignitários do FMI atravessando o piso da Praça do Comércio, que, por falta de motivação, com o findar do comércio, talvez volte a adquirir o nobre designativo de Terreiro do Paço, lembrando faustos e fastos perdidos no tempo, embora sem importância, de irrecuperáveis que são.
- Olha, parecem os Mórmons. Aos pares e de mala, figuras imponentes.
Concordei:
- Recolhidas, indiferentes. Sinistras, a difundir – ou a esconder - o seu credo. Ao menos as testemunhas de Jeová são prestáveis, dão panfletos e esperança no Reino de Deus.
Mas acrescentei, com unção, porque precisamos de todos:
- Mas temos que acreditar neles. Somos safados, mas safamo-nos melhor com ajuda. Precisamos das companhias competentes. Para podermos continuar na safadeza.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ele não sabia

Fui para a nossa bica usual artilhada com aquela do Otelo dizer que, se soubesse no que ia dar a revolução de Abril, não tinha sido o cérebro dela, e a minha amiga logo pôs em destaque o tamanho do cérebro dele, que ela reduziu ao de um qualquer insecto, não o da “Metamorfose” do Kafka, que esse até tinha um tamanho gradativamente mais monstruoso, a lembrar simbólicos absurdos existenciais, donde a expressão tão sui generis de “insecto humano”, com que nos apelidamos actualmente, sobretudo os que sofremos desses problemas existenciais, não nós as duas, todavia, que doutros nos queixamos, mais à nossa medida visceral.


A minha amiga, sensível à fábula clássica, apoiada em bichos reais, escolheu o cérebro da pulga para paralelo oteliano (o do nosso, não o do outro), mas eu achei que outros cérebros havia ainda mais reduzidos, como o da pulga da hortaliça, que forma crosta, e a minha amiga complementou a questão biológica, para pôr fim à questão física de tamanho, com a observação redutoramente surrealista de que há muito cá quem pense com os pés, e eu concordei com o exemplo do actual nosso êxito no futebol, com provas cabais dadas, não só nos jogos da Liga, onde três clubes nossos persistem, para nossa glória, como no protagonismo universal de treinadores pedantes nossos a fazer fitas de um suspense muito bacoco, próprio de um povo castradamente e imemorialmente e vexatoriamente e definitivamente provinciano, e também de jogadores a dar nas vistas lá fora, mais as garraiadas em que se transformaram alguns campos de futebol cá dentro... Um fartote de cabeças nossas assentes nos nossos pés, como prova igualmente a política dos nossos condutores políticos.


Mas a minha amiga ficou de facto impressionada com a dor do Otelo – o nosso - e concluiu que ele estava mesmo arrependido.


Ora eu não sou trouxa, por muito que a minha amiga se esforce, às vezes, por me contrariar nesta autopromoção, imodesta no seu parecer reservado, e logo opus aos ditos da sua sensibilidade apurada, o meu ponto de vista objectivo de que, o que fazia Otelo – o nosso - arrepender-se (mas só de boca e para as grandes plateias ) - as plateias do outro eram inferiores em tamanho - eram sentimentos de frustração rancorosa contra os que lhe apanharam o terreno e o atiraram dele para fora, para serem eles a transformá-lo – o terreno, não o nosso Otelo - no pântano em que patinhamos agora, excepto esses mesmos e os que se lhes seguiram, que jamais patinharam, os quais, “deitando-o de si fora”, como se ele fora um qualquer “torpe Mauritano”, se alambazaram sozinhos, com pecadora ingratidão.


É só por isso que ele está arrependido, não por ter sido o cérebro da nossa última revolução que nos pontapeou a nós de lá para o lodaçal de cá.


Desta vez a minha amiga anuiu, mais conforme com os argumentos do meu discurso pleno de uma lógica muito comum a nós ambas, de um saber de experiência.


Ressabiada.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ainda por cima

A minha amiga estava incontrolável. E incontornável, que é vocábulo muito do nosso agrado meio sofismado. Também inconformável, para além, necessariamente, de inconfortável, que é como nós nos temos muito sentido ultimamente Era a respeito da entrada do FMI na ínclita terra portuguesa, de geração nem tanto. Disse ela:

- Ainda por cima temos um Presidente mudo.

Mas eu retorqui, confiante na palavra dele dada, ou na dada palavra dele, na dele dada palavra, na dada dele palavra, na dele palavra dada, na palavra dada dele, em suma, aquando da sua busca do apoio eleitoral:

- Mas ele prometeu falar. Vamos esperar.

- Não há tempo, respondeu. Que o FMI vai entrar e pedir contas. Está tudo escarrapachado na praça pública. Só não sabe quem não quer.

Ignorei a alfinetada, amarfanhada na dor das notícias calamitosas para a nossa sobrevivência presente e futura, futuro que é um presente em movimento contínuo e eternizável.

- Presente envenenado, futuro moribundo. Além disso as empresas existem, estão lá. O defeito não é de agora. Mas agora, quando entrar o FMI não vamos ficar com os cabelos em pé? O Jardim é o único que diz direito. A culpa é do Sócrates e do Santos, acusa ele.

- É muito verdade, mas nunca mais saímos da chateza das acusações.

- Veremos se os muitos milionários daqui, alguns de fortunas alcançadas por meios malsinados como de proveniência menos virtuosa, vão ser chamados a terreiro para participar no sacrifício colectivo do pagamento do défice…

- Que ideia peregrina! Para que servem então aqueles paraísos que estão na berra?

- Ainda por cima com um PR mudo e quedo, apesar das promessas de intervenção…

- Coitado, coitadinho, coitadíssimo… foi o Ega que o disse, a propósito do Salcede, o Damasozinho. As nossas figuras literárias são, de facto, imperecíveis. E muitas razões há para o serem, coitados de nós.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A campanha alegre

Fernão Mendes Pinto, foi um aventureiro e escritor português do século XVI, que, em vinte e um anos a peregrinar, durante os quais foi “treze vezes cativo e dezassete vendido” no continente asiático, em condições, por vezes, de uma tão sensacional e esmagadora brutalidade que em nada difere dos exageros da epopeia antiga, pese embora a diferente natureza humana e física dos participantes e dos espaços da sua narrativa surpreendente.

Nos capítulos finais de Peregrinação, F. M. Pinto descreve-se como testemunha participante no episódio de oferta de uma espingarda a um príncipe japonês, a primeira espingarda que apareceu no Japão, oferecida pelo português Diogo Zeimoto ao nautaquim da ilha japonesa de Tanixumá, “com boa tenção e por boa amizade, e por lhe satisfazer parte das honras e mercês que tinha recebido dele”. O nautaquim afirmou estimar “ mais do que todos os tesouros da China”, esse objecto estranho e mortífero, e em breve os súbditos do príncipe fabricaram milhares.

De modo que “se encheu a terra delas em tanta quantidade, que não há já aldeia ou lugar, por pequeno que seja, donde não saiam de cento para cima, e nas cidades e vilas mais notáveis não se fala senão por muitos milhares delas. E por aqui se saberá que gente esta é e quão inclinada, por natureza, ao exercício militar, no qual se deleita mais que todas as outras nações que agora se sabem” (Cap. 134 de Peregrinação).

Também, nos séculos XIX e XX, Wenceslau de Moraes (1854-1929), que no Japão viveu 33 anos, descreveria várias facetas do povo japonês, entre as quais as «frontes amplas, de inteligentes ou de cismadores; olhar profundo por vezes de inspirados; e um sorriso fácil sempre em assomar, benévolo, cortês» (Traços do Extremo Oriente).

«O temperamento asiático, a piedade filial, a etiqueta do feudalismo, a moral budista e ainda outras circunstâncias imprimiram na alma japonesa essa feição de particular altruísmo, que tanto distingue o nipónico de todos os outros homens; o indivíduo é causa ínfima, não deve contar para nada diante do superior ou mesmo do igual. É na acção combinada de todos estes factores, transmitida por hereditariedade e pela educação desde remotas eras, que se deve ir buscar a causa primária do sorriso indígena.» (Cartas, III).

«Sentimento delicadíssimo é esta crença (o culto dos mortos), que unifica a alma da nação, que promete persistir, embora a corrente do cepticismo da época modifique e apague as outras crenças. O povo japonês poderá um dia descrer do sintoísmo e do budismo; o que será difícil de conceber é que ele perca o seu culto pelos mortos, transforme os seus cemitérios em campos de cultura ou em parques de recreio, destrua os altares familiares, cesse de reverenciar a memória dos ascendentes, de considerá-los membros, apenas ausentes, da família e protectores do lar, ainda a distância. É ao culto pelos mortos que a nação deve as suas qualidades mais brilhantes, incluindo o patriotismo, esse amor sagrado pelo torrão natal, que foi também torrão natal das gerações extintas.» (O Bom-Odori em Tokushima)

Tokushima! Foi este nome, tão badalado ultimamente, como o será para sempre Hiroshima, que trouxe a evocação desse livro “O Bom-Odori em Tokushima” que o meu pai tinha na sua estante e que mais tarde recuperei em parte, comprando uma edição sobre Wenceslau de Morais, de 1970, da Portugália Editora, contendo excertos de obras várias de Morais, com uma excelente introdução de Armando Martins Janeira sobre os méritos de um escritor e de uma obra cujos traços mais característicos são a ternura e a delicadeza com que descreve o povo japonês que admira. Tokushima onde morreu, onde ficaram sepultadas duas das mulheres que amou, Tokushima a terra do Bom-Odori, festa dos Mortos!

Tokushima foi referida no dia 11 de Março, como outras terras japonesas abaladas pelo sismo e o tsunami de Sendai, não varridas mas lavadas por um monstruoso tsunami, de águas poderosamente invadindo a terra e tudo empurrando na sua violência, causando seguidamente explosões na Central Nuclear de Fukushima, com riscos gravíssimos de que milhares sofreram as consequências. E as consequências do caos gerado por muito tempo se farão sentir.

Mas é um povo ordeiro, habituado a sofrer e a respeitar, um povo inteligente que do seu arquipélago fez das mais poderosas nações do mundo, e isso por razões de disciplina, trabalho e inteligência, detectadas já por dois escritores nossos, não tardará que se recomponham.

Não é o nosso caso, mau grado as gentes esforçadas que tivemos na nossa história. Como diz a minha amiga, neste seu dia de anos, referindo-se à festança do PS, nós embarcamos mais na “Campanha Alegre” da irresponsabilidade, o Governo PS é o tsunami natural do país que somos.

E que aceitamos. Não veneramos os mortos do nosso passado, como o povo japonês, preferimos ser subservientes aos vivos do nosso presente, mais semelhantes aos habitantes do continente africano, com quem aprendemos o batuque.

Mas a minha filha anda assustada. Ela vê, nestes ajuntamentos nacional-socialistas, uma escalada ao modo nazi. Eu fico-me pelo batuque.

E pelos parabéns à minha amiga "salerosa", a quem dedico este texto. Sem "salero".



sábado, 9 de abril de 2011

Virou costume

Foi ao café das duas, no “Marisqueirinha”, depois de escutada a “Quadratura do Círculo”, que Morfeu não permitiu que escutasse à noite, que interroguei o meu marido sobre a seriedade de um homem que costumava admirar, quer na inteligência do seu discurso sinuoso, quer na sua aparente honorabilidade, cujo impacto no meu espírito tem vindo gradualmente a amortecer, nos últimos tempos: António Costa.

Hoje, não pela primeira vez, mas mais refinadamente, porque vi quanto batia cada vez mais no mesmo, defendendo a sua dama e contra-atacando com argumentos do seu amo PM, que eu julgava mais que ultrapassados, sobretudo pelas pessoas virtuosas, ou mais desprendidas. E nele não o foram, e exprimi a minha surpresa triste ao meu marido.

Foi então que o meu marido voltou a falar na malha, e na razão dos 33% das sondagens do país, e nos quase 100% dos partidários, a favor de um homem que há muito deu provas de que tem andado a engrolar, a ludibriar um país inteiro, sem que o país consiga dele obter as justificações que várias vezes lhe têm sido pedidas de actos condenáveis que favorecem o aprendizado nacional, com o entrelaçar e alargar da malha corrupta e bem paga.

E quando se prova a veracidade das falcatruas, os faltosos podem, é certo, ser exonerados, mas com satisfação pessoal evidente, porque libertos da justificação, e com indemnização compatível. Caso de Armando Varas, entre tantos.

Falámos também do caso que escutámos na televisão, de um tal Marcos Baptista, administrador dos CTT, para o qual ascendeu sem direito, por não ter concluído nenhum curso superior, mas justificou-se, observando que os largos anos de frequência universitária bastavam para se achar com direito a diploma, escudando-se, para tal, no processo de Bolonha, que achou favorável à sua promoção. Não sei se foi exonerado, nem isso interessa. É como o país se encontra, com exemplos dignos vindo do alto.

Mas hoje, dia seguinte, foi uma tal reunião do PS. Um estendal de discursos apologéticos de Sócrates e do governo PS. E houve lágrimas. E o PM chorou. E António Costa usou o seu tom mais tonitruante para repetir sobre as culpas do PSD nesta crise de desgoverno instalada, e vieram outros que também tonitruaram e o Ferro Rodrigues pôs o PM de olhos lacrimejantes.

Então, pensei comigo que os olhos lacrimejantes estão na moda, até mesmo entre os Brasileiros governantes que ganham doutoramentos de honra, como o nosso PM há-de um dia obter, que sabe lacrimejar. Tem o próximo governo garantido, que a nossa canção nacional é de lágrimas e todos nós a apreciamos, sensíveis que somos às lágrimas, e muitos de nós dignos comparsas da malha.

E o meu desconcerto inicial desvaneceu-se, por inútil.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

ANULAR O “ACORDO ORTOGRÁFICO”

Recebi hoje um email do elosclubedelisboa@sapo.pt contendo uma proposta de comparticipação numa iniciativa para abolir o Acordo Ortográfico. Enquanto espero que um dos meus familiares me faça o tdc, lembrei-me de apregoar tal iniciativa neste meu blogue, onde tanto escrevi contra aquele, horrorizada pela vileza dos cidadãos governantes que, indiferentes às razões de senso e de amor pátrio, se apressaram a servilmente baixar a cerviz às propostas ortográficas brasileiras, levianamente desfigurando a sua língua escrita, sem atender a outras razões que não fossem as do interesse económico rastejante, que, afinal, de pouco lhes serviu.

A luz de esperança que o texto provoca momentaneamente, embora com parca convicção de que ainda é possível voltar atrás na infâmia, me fez desejar divulgá-lo, em busca de gente igualmente empenhada, que tenha a mesma coragem e firmeza que o seu autor, de enviar a sua assinatura na petição contra o ACORDO ORTOGRÁFICO.

Eis o texto:

“É POSSÍVEL ANULAR O ACORDO ORTOGRÁFICO!

- Subscreva! Imprima, Assine, Digitalize, Envie Caixa de entrada X

Responder elosclubedelisboa@sapo.pt mostrar detalhes 09:24 (há 21 horas)

INICIATIVA LEGISLATIVA DE CIDADÃOS CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO

AINDA É POSSÍVEL ANULAR O ACORDO ORTOGRÁFICO!!!

POR FAVOR REENCAMINHE ESTE E-MAIL!!! (WEBSITE: http://www.portuguespt.com/)

São como eu CONTRA O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO???

SE SIM, fiquem a saber que EXISTE UMA FORMA DE TRAVAR O ACORDO A TEMPO! Tudo é possível. Só temos de fazer UMA COISA: DAR UMA ASSINATURA

INICIALMENTE APENAS PERMITIAM O ENVIO DE ORIGINAL POR CTT, MAS DESDE ONTEM, A DSATS (DIVISÃO DE APOIO AO PLENÁRIO) DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA INFORMOU QUE SÃO ADMISSÌVEIS DIGITALIZAÇÕES DO FORMULÁRIO DE SUBSCRIÇÃO DESTA ILC CONTRA O AO.

SEQUÊNCIA: 1. Descarregue o formulário de subscrição em http://ilcao.cedilha.net/docs/ilcassinaturaindivwordemail.doc

2. Preencha o mesmo, indicando as informações solicitadas (para saber o nº de eleitor vá a http://www.portaldoeleitor.pt/, introduzindo o Nº de Identificação e a Data de Nascimento)

3. Imprima o formulário.

4. Assine conforme o documento de identificação.

5. Digitalize para o seu computador

6. Envie o ficheiro de imagem ou PDF através de email para: ilcao_assinaturas@cedilha.net

(Caso queira imprimir e enviar por correio, poderá fazê-lo para a morada: APARTADO 53, 2776-901 CARCAVELOS)

TODAS AS INFORMAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO "INICIATIVA LEGISLATIVA DE CIDADÃOS CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO" ESTÃO DISPONÍVEIS EM: http://ilcao.cedilha.net/

Promova esta iniciativa, DANDO A SUA ASSINATURA, ESPALHANDO A MENSAGEM PELOS AMIGOS.

Mesmo que não assinem, ao menos REENCAMINHEM O E-MAIL, porque o segundo que perdem com o forward, poderá ajudar a nossa língua.

Espalhem por todos os que conheçam para contrariarmos a tempo esta agressão contra a nossa língua. A nossa Língua Materna Agradece!

Para quem acha que o Acordo é bom, ficam aqui algumas razões:

1. Este é apenas o 1º de outros acordos que se seguirão, diz-se até que este foi insignificante, se este prosseguir, os outros serão imparáveis. O que virá nos próximos? Se lá se fala "tu quer" (Gaúchos) ou "você quer" acho que iremos um dia falar igual. Entre outras coisas lol.

2. O "C" de Directo serve para algo. Para os Brasileiros é mudo porque eles acentuam todas as sílabas como os Espanhóis. Nós não, precisamos de ter o "C&qu ot; para nos dizer que "directo" é lido como "diréto", senão seria como coreto ("corêto"), cloreto ("clorêto"), luneta ("lunêta"), não dizemos "lunéta" nem "cloréto" nem "coréto" não é? Vamos ler "direto" como? "dirêto"? Enfim, o "C" serve para algo cá, no Brasil não, mas cá serve.

3. Vai ser bonito falarmos Egipto com o P e lermos Egito sem o P. E como as crianças aprendem o que é Egipto na escola e não em casa (não andamos a falar no Egipto a crianças de 3 ou 4 anos), irão aprender a falá-lo como "Egito" sem "P", mesmo que os pais falem com "P".

4. Vamos ensinar um Inglês como? Dizer-lhe «olhe, você aqui lê EGITO mas NESTE CASO específico, fale "EGIPTO" finja que existe lá um "P" imaginário, finja que é como o "EGYPT" do seu país, mas escreva só "EGITO" não tente perceber, o Português é assim! E olhe há egípcios, egiptólogos, tudo tem P mas no Egipto é EGITO, sem "C"!» - É isto que vamos dizer ao ensinar Português?

5. E que mal tem "pêlo" ter o acento? É mais bonito escrever: "agarrar o cão pelo pelo"?...

6. Não há qualquer desvantagem em existir Português-PT e Português-BR, como há Inglês diferente em UK e USA (doughnut e donut), como com o Espanhol onde "coche" na Espanha será "carro" na América do Sul, etc. Cá só há desvantagens e custos com o Acordo. Seremos o único ex-colonizador a escrever e falar como a colónia (por algum motivo obscuro). Não nos entendemos assim? Só pouparíamos dinheiro e neurónios.

7. Peçam a um Brasileiro para dizer "Peniche" e verão a palavra que sai de lá. Isto porque o Português-PT tem muito mais riqueza fonética e até linguística que o Português-BR. Aprendemos facilmente o Português-BR e eles não aprendem tão facilmente o Português-PT porque lhes falta essa prática no range maior de sons que a nossa língua contém, havendo até quem diga que somos os melhores a aprender línguas e sotaques devido à riqueza da nossa língua. Vamos aproximar-nos do Português-BR porquê?

8. Corretora Oanda, movimenta triliões por ano, é a maior corretora cambial do mundo, traduziu os seus manuais para Português-PT. Isso mesmo, nada de Acordo, nada de Português-BR. Português-PT. Porque vamos nós andar a alterar o Português e mostrar-lhes que afinal fizeram a escolha errada? Entre muitas outras empresas.

9. Querem que os livros escolares de 2012/13 sejam já com o novo acordo. As crianças serão ensinadas neste primeiro passo a lerem e escreverem de forma diferente. Não é assim opcional a mudança como nos querem fazer querer. A mudança é obrigatória, é imposta nas escolas, já está nos media, etc. Não podemos escolher continuar como estamos porque daqui a uns anos será mesmo errado. Os Brasileiros cortam "C" e "P" e podem ler da mesma forma, nós não! Esqueçam a dupla grafia...

10. O que é que o povo mandou? Inquéritos em que umas 65% das pessoas rejeitaram o acordo, umas 30% não saberem o que é e o resto diz que sim? E que salvoerro umas 28 em 30 universidades e editoras consultadas disseram que não? Além de muitos linguístas? Porque é que é aprovado o acordo contra a vontade do próprio povo? Mesmo uma petição com 120.000 assinaturas foi apresentada a 50 deputados dos quais 49 faltaram e uma apareceu e ignorou. Para ir mesmo à Assembleia, só com uma ILC!

11. Os Portugueses devem estar mesmo no fundo. A falar do glorioso povo do passado e ninguém quer saber da língua. Os Espanhóis nunca aceitariam um acordo destes para os obrigar a falar como os Argentinos! Os Bascos, são apenas uns 100.000 ou 200.000 a falar Basco, nunca desistiram até ao fim e agora têm até a língua Basca como oficial no seu pequeno "país". Só o Português é que deixa andar e desleixa a língua e deixa que outros façam o que querem dela...

12. Estamos nós a defender letras como "C" em Directo que realmente não são inúteis, têm a sua função, e lá fora há línguas que mantêm letras desnecessárias, como "Dupond" ou "Dupont" em Francês que nunca apagaram nem apagarão o T só porque não é lido!! Vamos apagar porquê? Somos burrinhos e é difícil para nós percebermos para que servem?

13. Há mais falantes nativos de Inglês mais Espanhol juntos (Espanhol mais ainda que Inglês), que pas sam de um bilião de nativos, e mais de 2 biliões de falantes não nativos das mesmas, do que os 200 milhões de Brasileiros. Estarmos a afastar a língua de 2 biliões de pessoas para ficarmos mais próximos do Brasil é disparate. Mais uma vez, para facilitar a vida aos Brasileiros, vamos dificultar a vida a quem quer aprender Português lá fora e tornar a língua inconcisa como visto acima. Vejam: "Actor" aqui, "Actor" no Latim, "Acteur" no Francês, "Actor" no Espanhol, "Actor" no Inglês, "Akteur" no Alemão, tudo com o "C" ou "K", e depois vêm os Brasileiros com o seu novo: "Ator" (devem ser Influências dos milhões de Italianos que foram para o Brasil e falam "attore" lol). Algumas outras: Factor, Reactor, Sector, Protector, Selecção, Exacto, Baptismo, Excepção, Óptimo, Excepto, etc, "P", "C", etc. Estamos a fugir das origens, do mundo, para ir atrás dos Brasileiros. Quanto amor não?

14. Alguém quis saber do resto das colónias que não falam da mesma forma que os Brasileiros? Só o Brasil é que interessou ao Acordo (já que Portugal foi o que cedeu).

15. O Galego-Português da Galiza, o da variante da AGLP, é mais parecido com o Português de Portugal neste momento que o próprio Português-BR. Os Brasileiros têm alterado a língua sem se preocupar com o resto do mundo, porque é que temos de ser nós a pagar pelos seus erros e prepotência?

16. ODEIO instalar um software e ver que vem tudo em Português do Acordo, e fóruns também, em que uma votação é uma "ENQUETE" (sei lá como foram inventar isto), em que um utilizador é um usuário, em que "apagar" é "DELETAR" (do "Delete" Inglês, por incrível que pareça nos seus dicionários), ou Printar, ou etc. Por vezes sou obrigado a utilizar softwares em Inglês para aguentar... Como haverá agora Português-PT e -BR ao gosto de cada um, se só existirá um "Português"? Eu quero sites e softwares que eu entenda e na minha língua e isso SÓ É POSSÍVEL mantendo o -PT e o -BR separados! Senão será tudo misturado para sempre! E depois lá vamos nós "enquetar" (votar) e coisas assim...

17. A prova do ponto 16, é que o próprio Google Translator já só tem o "Português" e tudo o que escreverem ficará no Português-BR, e até "facto" que ainda não mudará já aparece lá como "fato", é bom que nos habituemos pois será o que virá nos próximos acordos, bem como "oje", "abitação", etc.

18. No Brasil mesmo não sofrendo as alterações que temos, há milhões contra o acordo também por coisas tão insignificantes como o acabarem com o "trema"!!! Vejam na net!! E nós com alterações tão brutais, ainda estamos contentes e sem fazer nada!!!

19. Existirão sempre pseudo-intelectuais em todas as línguas que irão dar a vida pelo acordo (sem querer ofender ninguém), achando que é o ideal, e que salvará o país e que dará emprego ao país, e até que sem isto a língua Portuguesa morre e haverá um "Brasileiro". A variante Português-BR nunca poderia ser uma língua independente como "Brasileiro" só pelas alterações que fazem, não há esse perigo, teria de ser radicalmente mudada (nunca acontecerá) de propósito para o efeito. Não inventemos. A variante Português-BR nunca poderia ser considerada outra língua. E não deixem que pseudo-intelectuais nos tratem como burros só porque defendemos a língua. Tudo o que é chicos espertos e pessoal com manias irá para a defesa do acordo (existirão também pessoas decentes a defendê-lo é certo).

20. Nada impede que haja uma espécie de concordância mais simples em que digam apenas que incluímos palavras deles e nossas num dicionário universal mas SEM IMPOR regras a ninguém, e que no futuro cada um dos países só alterará a SUA PRÓPRIA variante com acordo dos outros, sem impingir aos outros essas mudanças, apenas para evitar que as mudanças no Brasil possam ir ainda mais longe e arruinar ainda mais o Português. Nada impede isso.

21. Com o Português unido, qual ficará a bandeira oficial? Já vejo por todo o lado a bandeira do Brasil no Português, mas se tivesse Brasil para Português-BR e a Portuguesa para Português-PT, ainda era aceitável, apesar de sabermos que só há uma bandeira oficial que é a Portuguesa, mas é difícil impedir o patriotismo Brasileiro, mas com tudo unido, haverá a tendência das empresas para adoptarem a bandeira do país que tem mais população, o Brasil, mais valia termos variantes.

22. Cada vez que me lembro que lá já escrevem quase todos "mais" em vez de "mas" porque falam no fundo "mais" com o sotaque e eles têm a tendência de passar para a escrita a forma como falam, no futuro não será de admirar que nós sejamos em futuros acordos obrigados a escrever também: "eu fui lá MAIS não vi ninguém"...

23. EXISTEM FORMAS DE TRAVAR ESTE ACORDO! Petições ou clicarmos num LIKE no Facebook não faz nada. Há uma ILC em movimento que será entregue em breve, prazo final para impedir esta desgraça. É chato porque temos de imprimir um miserável papel e enviá-lo, porque é entregue na Assembleia, mas quem é que diz ser contra e fica sem agir? Se 20 pessoas assinarem, fica a 2 cêntimos cada o envio dessas assinaturas para o correio. É só colocar num marco de correio! Houve uma ILC antes, e entrou na Assembleia, e anulou uma lei de Arquitectura. As ILC's podem ter esse poder. É uma forma do POVO LEGISLAR. Do povo criar leis, e acabar com leis. O governo fez isto sem apoio de ninguém e nós podemos tentar fazer algo para corrigir.

24. Há mil outras razões para dizer não ao acordo, mas... para quê? Estas não chegam?

25. Para terminar fica uma frase de Edmund Burke: "Tudo o que é necessário fazer para que o mal triunfe, é que os homens bons nada façam." Neste caso, tudo o que é necessário fazer para que o Acordo triunfe, é que NÓS continuemos à sombra da bananeira, e deixar o tempo passar.

Porque o Acordo foi aprovado e se ninguém lutar contra ele, ele já cá anda. Se estas razões forem suficientes para vocês, ou se pura e simplesmente querem um Acordo mais bem feito, então vamos agir. Basta uma assinatura e as instruções estão no site acima.

Nada é garantido à partida mas vamos ficar-nos sem darmos luta? Se não quiserem assinar, por favor enviem aos vossos contactos.

SOMOS PORTUGUESES E TEMOS DIREITO A MANTER A NOSSA LÍNGUA ------ ----- Finalizar mensagem encaminhada ----

- Responder Encaminhar

Não acredito muito que seja ainda possível salvar o nosso País do ACORDO ORTOGRÁFICO. Como não será já possível salvar este País "tout court" onde tantos se esfregaram nos mesmos princípios de salvação da pele para tão levianamente acederem à baixeza cometida, desmaiadas as faces, onde a vergonha não consegue mais acudir.

Mas é com determinação que subscrevo tal iniciativa, com gratidão por quem a tomou.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um Torga bem-amado

Trata-se de uma palestra sobre Torga de uma colega de curso dos meus tempos de Coimbra – a Maria da Conceição Morais Sarmento - que mo enviou em manifestação daquele apreço e amizade antigos, feitos de mútuo reconhecimento de idênticas qualidades de seriedade intelectual, não isentas do desprendimento e humor brincalhão das raparigas que fomos.

Uma palestra proferida em Abril de 2001, aquando da morte de Torga, no Instituto Superior de Estudos Teológicos de Coimbra e publicada pela respectiva Revista em 2001.

Uma bela apologia de um escritor por ela amado desde que, aos dez anos, leu o conto “Jesus” de “Bichos” e sempre consolidado numa admiração de quem lhe seguiu os passos nas tiragens dos seus livros, que uma feliz vizinhança transformaria gradualmente em laços de grande amizade, solidificada quer pela defesa empenhada da candidatura ao Prémio Nobel de 1961 por um irmão da minha colega, que naturalmente seria grata ao espírito do escritor, quer pela intervenção eficaz do médico Adolfo Rocha junto do avô amado da minha colega, e finalmente todo um progressivo estreitamento afectivo, com a participação desta como revisora de provas na publicação de obras do escritor, e como participante nas suas caminhadas de viajante transmontano…

São belas páginas de que não resisto a transcrever alguns passos, em homenagem simultânea à minha amiga, como pessoa inteira, na nobreza simples do seu “testemunho de convívio” e na lucidez das suas observações interpretativas da personalidade literária e humana de Torga, como igualmente na admiração pelo escritor, que compartilho. Uma palestra de uma serena mensagem, fruto de estudo, reflexão e funda admiração pelo escritor que na sua obra revela uma sensibilidade tão simultaneamente abrangendo o mundo espiritual, o mundo terreno, e o mundo de um estranho ego, perspicaz e de uma sensibilidade de tormento e rebeldia, estratificados no seu verbo mágico, de tanta dimensão e clareza.

Vejamos o seu intróito, síntese tão abrangente, que logo nos orienta para a riqueza e complexidade do mundo torguiano:

«Falar de Miguel Torga como Homem e Poeta não é fácil. A sua personalidade rica e complexa é multifacetada e os diferentes aspectos que a caracterizam imbricam-se tão intensamente uns nos outros que, ao falarmos do Homem, logo nos lembra o amigo, o cidadão, o rural, o médico, o viajante, o caçador, o prosador, o poeta. Ele é, bem ao contrário de Fernando Pessoa, personalidade desdobrada em várias outras, um ser reconhecidamente monolítico, sem que este adjectivo tenha qualquer conotação de fechamento e de isolamento do mundo. Bem pelo contrário. Pessoa era predominantemente um cerebral. Torga viveu a vida em toda a plenitude, a ela se doou por inteiro e sempre o que mais o preocupou foi o conhecimento de si próprio, do seu “mundo de contrastes, lírico e atormentado, de ascensões e quedas, onde a esperança, apesar de sucessivamente desiludida, deu sempre um ar da sua graça”, como afirma no prefácio ao livro “Criação do Mundo”, e também o conhecimento dos outros em íntima comunhão com a natureza que tanto amava e na qual procurava a paz depois do esforço hercúleo da composição de uma obra. Natureza que tantas vezes foi motivo de reflexão sobre o grande mistério da criação ou fonte de imagens poéticas cheias de beleza e significado que frequentemente traduziam traços relevantes da sua própria personalidade, como se pode verificar através de muitos dos seus poemas. Havia uma espécie de osmose entre o Poeta e a Mãe Terra.»

E a análise vai seguindo, segundo a perspectiva de alguém que o conheceu e amou em toda a sua sensibilidade e grandeza:

«O conjunto da obra é constituído por várias dezenas de volumes, mas publicava cada um com a mesma inquietação de quem publica o primeiro. O agudo sentido crítico, o pudor e a humildade envolveram sempre a obra criadora do escritor que cumpria a sua missão como um acto sagrado em que era preciso seguir o preceito evangélico: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.”

«A exposição na montra das livrarias de um novo volume era como a violação da sua mais profunda intimidade. Já nos últimos anos da vida afirma: “Expus-me sempre nas montras timidamente, como um culpado contrito, quase a pedir desculpas aos ocasionais leitores pelo meu atrevimento” (Diário XVI). Por isso fugia para os montes à procura da paz perdida. Amava a natureza, não com a emotividade lírica dos românticos, mas como componente da força cósmica na qual cada um de nós se integra e onde se desenrola o nosso percurso pela vida.» …

«Tive o privilégio de, na primeira vez que fui ver o Douro do cimo do grande penhasco quartzítico, Torga me ter feito ir a pé: foram 20 Km para lá chegar, a corta-mato, a subir e descer montes. Mas creio que foi a melhor maneira de merecer e sentir em pleno o deslumbramento experimentado pela força e grandiosidade da paisagem. Actualmente, S. Leonardo (de Galafura),à proa de um navio de penedos, a navegar num doce mar de mosto” é ponto obrigatório no roteiro torguiano recentemente organizado.»

«O apego à Terra, os Contos e Novos Contos da Montanha, a peça de teatro Terra Firme, numerosas notas do Diário fizeram com que o adjectivo “telúrico” fosse reiteradamente atribuído ao escritor.

O Poeta já não suportava este qualificativo. Também a Carlos Reis no artigo “A Arte do Conto” (Jornal das Letras), o epíteto parece cada vez mais redutor.

A temática do conjunto da obra do escritor é muito mais vasta e variada…»

«É esta riqueza e variedade, cimentadas por um forte amor a Portugal, e a profundidade do seu humanismo que constituem a base sólida onde radica a obra torguiana. A leitura dos seus textos nunca nos confina. É sempre um caminho aberto: “o que importa é partir não é chegar” diz num poema. E cada nova leitura é partida para uma aventura do espírito que se realiza com deleite e admiração. Por vezes, também com inquietação… creio poder acrescentar.

Torga exerceu sobre a minha geração, a geração dos anos 50 e 60, uma grande influência. Era para nós um símbolo de liberdade, alguém que, sem medo, dizia frontalmente o que devia dizer, custasse o que custasse.»

Muito mais poderia transcrever deste excelente texto de Maria da Conceição de Morais Sarmento de homenagem a Miguel Torga, no seu percurso pela obra e pela vida do escritor que a minha amiga em parte compartilhou, como relata, da forma criteriosa que foi sempre traço característico da sua honestidade intelectual, segundo recordo.

Finalizo, com a transcrição de um passo sobre Torga, que eu própria escrevi, ainda em vida do Poeta, como demonstração de que compartilho integralmente a sua admiração pelo escritor, na sua genialidade literária: “Um Torga admirável e sempre admirado, na sua prosa e nos seus versos, rasgando os horizontes de um humanismo lúcido e desencantado, no seu rigor implacável. O maior vulto presente das letras pátrias, sem dúvida. Sincero, agreste como as suas fragas, livre, altivo e acutilante como as águias que nelas poisam, novo Orfeu, tornando estático o mundo, ante a essência divina do seu lirismo fluido e rico.” (“Anuário”, 1999).

sábado, 2 de abril de 2011

Aquela coisa

- Devia pôr-se em destaque o governante que roubou menos desde o 25 de Abril. Merecia galardão. A SIC às vezes descreve aquilo que tem sido roubado. Eu devia ter apontado. Tenho que passar a tomar nota. O Estado cria empresas com montanhas de directores, subdirectores, secretários, subsecretários, um espanto, para não chamar outra coisa. Ali metem a malta toda. Há quem diga que os outros também fazem…

Eu não pude deixar de acompanhar a minha amiga na sua diatribe:

- Pois é! O rotativismo tem raízes. É por isso que as pessoas estão todas muito descrentes, muito pessimistas. Mas não se fala noutra coisa, parece que vai ser assim durante a crise. Que não vai parar.

- Governar um país de trafulhas não é fácil.

Comentei sobre o exagero de tal generalidade, ofendida na parte que me tocava, embora compreendesse que só o desespero poderia estar na base de observação tão drástica. A minha amiga interroga:

- Onde é que estava aquela coisa, para assim esbanjarem?

E esfregou o polegar pelos dois dedos seguintes da mão direita a subentender o “rico bago” de que falava o exaltado e sempre nas lonas Ega, ao seu amigo Carlos da Maia.

E continuou:

- Ou são doidos ou é como se estivessem a falar para uma cambada de burros.

- Isso é - digo. E não somos?

Mas a minha amiga não gostou da generalidade das inclusões e no dia seguinte trouxe-me a Revista “SÁBADO” que postou triunfalmente na mesa da bica, diante dos meus olhos deslumbrados:

- Veja.

Vi a capa, em letras de peso muito coloridas, que percorri docilmente: OS EMPREGOS DE LUXO DOS BOYS DO PS, Ex-qualquer coisa: Ex-Ministro, (529.000 E), Ex-Secretários de Estado (desde 184.000 E a 285.384 E), Ex-Chefe de Gabinete de José Sócrates (83.170 E)…

Com explicação na página 10.

Na página 32, mais notícias, o título MILHÕES DE SUBSÍDIO encimado pela foto de Silva Pereira e a legenda: O ministério de Silva Pereira distribuiu milhões de euros.

Mais adiante, na página 49, mais explicações com o grande José Sócrates, nas páginas seguintes, com a foto deste e dos compadres em seu redor, com os seus vencimentos de luxo de fazer inveja.

Revi Maria de Lurdes Rodrigues em alta, muitos nomes conhecidos nadando em poder, alguns jovens ainda, Sócrates fora-o também e assim gratificara quem o apoiara…

Um flash de impotência, do nosso espanto de donas de casa poupadinhas, tentando seguir as pisadas do nosso PR, embora sem poupanças.

Mas, de repente, reparei que a Revista era de Outubro do ano passado e foi a minha vez de censurar:

- Ora! Isso já passou. É uma revista antiga.

A minha amiga explicou que a revista lhe fora emprestada por uma vizinha amiga, não reparara na data.

Mas sossegámos, e dissemos virtuosamente que nunca nos devíamos precipitar nos julgamentos alheios sem primeiro ver a data das notícias. Porque as coisas mudam.

A esperança, essa não muda.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ainda a “Fedra”

Caro “Anónimo” da Escola Ibne Mucane

Se quiseres informar-te melhor sobre a tragédia clássica, podes pedir na tua escola a tragédia “Castro” de António Ferreira, escritor renascentista que dramatizou na sua tragédia a história de Inês de Castro, amada de D. Pedro, que Camões no Canto III de “Os Lusíadas” transformaria em episódio lírico, já na sequência das “Trovas à morte de Inês de Castro” de Garcia de Resende, (Cancioneiro Geral), que não sei se estudaste no teu programa, mas que se lêem bem.

No caso da “Castro” de A. Ferreira, verás que a protagonista D. Inês tem a sua confidente – a Ama – e D. Pedro o seu Secretário, personagens secundárias que servirão como réplicas mais ou menos moderadoras dos amos – papel reservado ao coro na tragédia grega – como figuras preocupadas, dentro dum clima de ansiedade e fatalismo.

Na tragédia “Fedra” de Racine, são confidentes Enone, ama e confidente de Fedra, Teramène, aio de Hipólito, Isménia, confidente de Aricia que estabelecem elos de ligação no evoluir da trama, permitindo a retrospectiva e tendo parte na acção. (Esse papel está reservado a Telmo Pais no “Frei Luís de Sousa”, permitindo a reconstituição do passado e a previsão do futuro, em precipitação dramática – (Cena II do I Acto, Cena I do II Acto) - num adensar do fatalismo, que equipara, por esse e outros aspectos, o drama de Garrett à tragédia clássica (V. “Édipo Rei” de Sófocles).

Com efeito, Enone, preocupada pelo estado de desespero incompreensível de Fedra vai-o definindo, junto de Hipólito, levando-o a tomar decisões – que estão indicadas no resumo; é ela que aconselha Fedra, após ter tido conhecimento do equívoco da morte de Teseu, a declarar o seu amor a Hipólito; é ela que acusa Hipólito junto de Teseu, através de outro equívoco, fatal para Hipólito, condenado à morte por um pai enfurecido e posteriormente esclarecido e arrependido, virando a sua cólera contra Fedra.

Fedra é a grande protagonista da tragédia, personagem de contrição, amando intensamente mas interiorizando o seu sentimento que ela sabe pecaminoso. O equívoco da morte do marido fá-la-á ceder às instâncias de Enone, declarando o seu amor a Hipólito, de forma descontrolada – liberta do pesadelo do pecado e simultaneamente na expressão de uma paixão intensa, para vergonha e horror de Hipólito, não só porque ama Aricia, mas por nobreza de alma, não aceitando uma traição ao pai.

O regresso de Teseu, desfazendo o boato, assusta Fedra, que se deixa convencer por Enone a falsear a verdade, permitindo-lhe que acusasse Hipólito de paixão por ela, Fedra, em grande traição à honra de seu pai, o enfurecido Teseu.

Arrependida, desejando redimir-se e salvar Hipólito da ira de Teseu, é por este informada da paixão de Hipólito por Aricia, e o ciúme a contém, em nova explosão de dor, raiva e vergonha, por se ter deixado convencer por Enone a declarar o seu amor a quem amava outra.

Finalmente, Fedra repõe nobremente a verdade junto do desolado pai, que em vão deseja salvar o filho.

Joguete da violência de uma paixão incontrolada, incapaz de resistir a tal amálgama de sentimentos de paixão, ciúme, vergonha por si própria, Fedra recorre ao suicídio, como fizera Jocasta no “Édipo-Rei”, o Rei Édipo preferindo prolongar o seu sofrimento, arrastando a sua dor pelo mundo, depois de se autoflagelar, furando os olhos.

Fedra é uma heroína de tragédia, mais próxima da modernidade, pela extraordinária densidade psicológica que traduz, no seu protagonismo. Hipólito é uma figura de grande nobreza, tal como Aricia, Teseu deixa-se dominar pela cólera contra o filho, de que inutilmente se arrependerá.

A grande protagonista é Fedra, nesta tragédia psicológica, onde os sentimentos manipularam os acontecimentos.