quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quem dera!

O medo é uma característica
Da humana natureza
E mesmo do resto da fauna.
Mas não sei bem
Se não tem medo também
O pó da estrada pisado
Pelos pobres e até
Pelo burro do moleiro
Do nosso Alberto Caeiro
Que em tudo via
Sinais de quem sentia
Quer ele fosse um ser
Animado ou inanimado.
Mas medo sentia a lebre
Na fábula de La Fontaine
Das Rãs e da Lebre:

«Na sua toca uma lebre pensava
(Porque, numa toca,
Que outra coisa
Se pode fazer
A não ser pensar?),
Em profundo aborrecimento ela se amarfanhava:
Este animal é triste e o medo o roía.
“As gentes de natural poltrão
Como eu,
São,
- Ela dizia -
Bem infelizes.
Nunca poderão
Comer comida que lhes preste;
Nunca um prazer puro as faz gozar,
Com medo de sofrer
Assaltos diversos
Dos outros seres.
Eis como eu vivo: este maldito medo
Impede-me de dormir,
E, ainda assim,
Só de olhos abertos
Pobre de mim!
“Corrija-se”, dir-me-á
Alguma sábia cabeça
Mesmo sem que eu lho peça.
“E o medo corrige-se assim?
Julgo mesmo que, à fé de sandeu,
Os homens têm tanto medo como eu.”
Assim a nossa lebre ponderava
E simultaneamente estava
De atalaia,
Sempre em sobressalto, inquieta:
Um sopro, uma sombra, um nada
Tudo a atarantava.
O melancólico animal
Cogitando em matéria
Tão transcendental,
Ouve um ligeiro ruído: vá de correr
Para o seu covil.
Por um charco passou,
E as rãs logo sobre as profundas grutas
Do canal
Se precipitaram
Que se desunharam.
“Oh! – estranhou a lebre - afinal
Eu posso causar tanto mal
E provocar tanto medo
Como outros a mim me provocaram!
A minha presença
Faz medo a muita gente!
Eu causo alarme igualmente
Por esse acampamento descontente.
E donde me vem tal valentia?
Como?! Há animais que me receiam?
Sou então um valentão
Assustador?
Já vejo que não há na Terra,
Ainda hoje,
Nenhum poltrão que não ache
Outro, ainda mais poltrão do que ele.”

As fanfarradas da lebre
Poderão ter actualidade.
Mas, na verdade,
Tal conclusão
Aplica-se a outros males
E mesmo bens
Da humana geração.
Não acredito, evidentemente,
Que o pó da estrada
Pelos pobres pisado
Seja sensível
Como os vivos seres.
Mas não é só a cobardia
Que existe em toda a gente.
Há sempre quem
Nos seja superior
Ou inferior
Em virtudes ou defeitos
Variados.
Todavia,
As notícias de hoje em dia,
Na questão da cobardia,
Dão-nos razão para a termos,
Por temermos
Os males que podem surgir.
Porque eles caem,
Sem mais,
De todos os pontos cardeais,
Intermédios e colaterais,
Na esfera em que vivemos,
Sem que tenhamos
Possibilidade de os afastarmos,
De nos escondermos
Mesmo que nos apliquemos
Em procurar
Para a nossa vida vazia
Uma mais-valia.
E os que a acham ganham
Rapidamente
As brancas cãs da preocupação,
Do medo de que não tenha duração
A mais-valia que alcançou
A sua ambição.
Mas depende isso muito do povo
Que deseja mesmo um mundo novo.
Porque há sempre quem seja mais poltrão,
Há sempre os mais corajosos
Entre o povo.
Entre os povos.

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