segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Se calhar já não é problema

Falámos há dias no caso de uma amiga da minha amiga que deixou de falar com a filha porque esta resolveu engravidar por meio da inseminação artificial. Discutimos o caso, a minha amiga contou que a sua amiga andava desfeita.
Perguntou-me que atitude tomaria eu no caso de isso acontecer com uma filha minha e eu respondi que não sabia. Que achava hediondo o caso, um dos muitos casos hediondos em que mulheres ou homens resolvem ter filhos de pais ou mães incógnitos. Não por causa dessas mulheres ou homens, seres adultos responsáveis pelos seus actos, mas das crianças que eles criariam, sem preocupação pela sensibilidade daquelas.
Porque as crianças inicialmente aceitarão a sua mãe ou o seu pai exclusivos, mas um dia, ao despertarem para a vida, desejarão conhecer o outro elemento responsável pelo seu ser e sentir-se-ão marginalizadas na sua escola, complexadas na sua vida, seres castrados, amputados de um conhecimento indispensável ao seu equilíbrio afectivo, social e moral.
E como avó que seria de uma criança nessas condições, castrada psiquicamente, castrada socialmente, desfalcada de um progenitor, como de um órgão doente do seu corpo, eu viveria infeliz para sempre, tal como a criança sem culpa, fruto dos egoísmos materno ou paterno, que criminosamente utilizaram os poderes da ciência e das governações sem moral, para satisfazerem os seus apetites de entretenimento com uma criança viva, sem preocupação pela sensibilidade daquela, tal como na infância haviam brincado com os seus bonecos.
Mas num jornal grátis - colhido na minha caixa do correio – Folha de Portugal – creio que por obra e graça do Espírito Santo, pois que provém da IURD, Centro de Ajuda Espiritual, que não cobra, segundo informa, do que nem a minha amiga nem eu temos a certeza, pois que geralmente este tipo de espiritualidades sobrevive à custa de muitas cobranças – leio em título: Famílias no Singular, seguido de umas alíneas em subtítulo sensacionalista: “Número de famílias monoparentais aumenta em Portugal. Casais com filhos são cada vez menos. Há mais mulheres sozinhas com filhos do que homens. Alteração familiar segue tendência europeia”, e a minha amiga aproveitou para, à minha preocupação pelo futuro da sociedade, contrapor, calmamente, que “se calhar já não é problema”.
Senti-me, pois, relegada para o grupo do conservadorismo e atraso bota-de-elástico, ao ver a minha amiga tão indiferente, lembrando crimes mais antigos, como a "roda", dos tempos passados, máquina de despejos de crianças enjeitadas, frutos de pecados a ocultar, ou o abandono dos filhos ordenado pelas convenções sociais, manipuladoras das reputações das donzelas, ou, mais contemporaneamente, ter o estigma de “pai incógnito” no registo da criança filha de qualquer macho irresponsável, abandonando a fêmea que se descuidara no seu papel de simplesmente fornecedora de prazeres libidinosos…
Era verdade, muitas Fantines sofreram então, na vida real como na literatura, muitos filhos enjeitados teriam a sua parte de dores, que a sensibilidade de escritores como Camilo, focaria de modo inflamado, numa Josefa da Laje sacrificada, numa Maria Moisés redentora.
Hoje, todavia, a mulher deu um piparote nas convenções, que a modernidade desinibida e trocista, indiferente ao bom senso, e sem grandes escrúpulos, condena na sua hipocrisia, encomendando o filho que a ciência lhe proporcionou, e o Estado lhe permitiu, sem dar cavaco a ninguém. O mesmo fazem os casais homossexuais, com direito às suas afectividades, sem preocupações morais nem respeito pelo ser que vão perfilhar ou criar.
Temos que aceitar a evolução como se apresenta, nos seus benefícios, nos seus malefícios, na radicalidade das mudanças.
A minha amiga tem razão: A sensibilidade das crianças se calhar já não é problema dentro de alguns anos. Ou meses, quem sabe?

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