quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Partilhar

Nas escolas hoje em dia
Os mestres ensinam os meninos
A partilhar com alegria
Com os amigos.
E quanto mais os meninos
Sabem da cartilha
Quanto mais falam
Em partilha
Mais parece que recrudesce
A falta de solidariedade
Na nossa sociedade,
Com a ausência real de bondade,
A incompreensão
O egoísmo
A desatenção
Embora se diga que não,
Que há mais altruísmo
No socialismo.
Mas tudo isso é fictício.
É hipocrisia,
É falsa humanidade,
De uma caridade
Como puro artifício,
Perfeita indignidade.
De facto, se há bancos da fome
Há também quem a espalhe,
Essa fome,
Num comportamento pouco decente,
Esquecida a partilha
Na cartilha.
Porque os amigos da infância cresceram
E não há partilha que valha.

Mas Esopo já tratava, com muita garra,
O tema da partilha, na sua fábula

«Os viajantes e o machado»

«Dois viajantes viajavam lado a lado,
Amigavelmente,
Quando um deles achou um machado
E dele se apoderou
Sofregamente.
“Nós achámos um machado!”
O outro exclamou, alegremente.
- «Não, não digas “nós achámos”,
Mas “tu achaste”,» - corrigiu asperamente,
E de má catadura,
O seu companheiro de aventura.
Alguns instantes depois,
Os que tinham perdido o machado
Lançaram-se sobre os dois.
O que tinha encontrado o machado,
Fugindo, esbaforido, lamentou:
“Estamos perdidos!”
O outro retorquiu:
- «Não, não digas: “estamos perdidos”
Diz antes: “estou perdido”.
Quando o machado achaste,
Comigo o não partilhaste,
Só para ti o quiseste.
Pois agora, que te preste,
Que eu por aqui me vou.»
E abalou.
A fábula mostra sabiamente
Que quem com os amigos não partilhar,
Na felicidade,
Com eles não deve contar
Na adversidade.”

E a fábula tem, de facto, actualidade.
Mas o que se passa na nossa sociedade
É que nós com o governo partilhamos,
Partilhamos,
E nunca mais paramos
De partilhar
Na felicidade,
Na adversidade,
Habituados que estamos,
De longa data,
A descontar
Para partilhar.
E não propriamente um machado
De adversidade,
Mas o ordenado
Do nosso suor
Para tentar evitar
O pesadelo do descalabro final,
Total,
Da pobre fragata
Em que navegamos,
Há séculos, há anos,
Sempre na dúvida,
Sempre na dívida,
Sempre à bolina,
Sempre à deriva.
Com terror também
Do que aí vem.

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