terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Corridas da memória, corridas da história…

Meu Pai faria hoje 110 anos.
Mas morreu com 78.
Lembrei-me de o festejar
Com a fábula de uma corrida -
- Coisa, aliás, em que ele nunca quis entrar,
A não ser na corrida da vida,
- E foi heróica a sua vida,
De esforço constante, a lembrar
A tartaruga estóica,
Embora não
No seu vaidoso alardear final,
Troçando da lebre, esperta
Mas negligente.
Vida de amor, somente,
Sim,
De dedicação,
Que se mantém, como recordação,
Numa constante evocação
Até ao fim.

"A Tartaruga e a lebre"
De nada serve correr; o que é necessário
É partir no propício momento
Para o evento:
A Lebre e a Tartaruga testemunham esse princípio.
- (Mas, é claro,
Não é só o fabulário
A comprová-lo.
Aliás, o fabulário,
Serve apenas, de lição,
Como já disse La Fontaine,
Aos homens, cujo comportamento ele anota
Na sua semelhança com o mundo animal.
Donde, a lição de moral.) -
“Aposto, diz a tartaruga
Na dita fábula de La Fontaine,
- (Que ele transpôs
De Esopo fabulista,
Com mais pormenor visualista
Contudo, do que este) -
Que vós não atingireis
Mais depressa do que eu, aquela meta”.
-“O quê? Vós? Mais depressa do que eu?
Não estareis vós pateta?”
- Troçou o animal mais ligeiro,
Com certo despeito
Se não mesmo com falta de respeito:
“Comadre, precisais de quatro grãos
De heléboro para vos purgardes
De um disparate de tal arte.”
- “Pois eu continuo a apostar,
Por muito imprudente que pareça ser.”
Assim se fez; e perto da meta
Foi colocado o dinheiro
Da aposta.
Nada disso para a lebre
Foi problema,
Nem o foi, o juiz contratado.
- (Já então, ao que parece,
Qualquer juiz merece
Desconfiado cuidado.
Não é só de agora,
Já o era outrora.)
Mas à nossa lebre
Bastavam quatro passadas para lá chegar,
Embora tivesse que se afastar
Duns cães, às calendas os enviar,
Para que a fossem pela charneca farejar,
Sobrando-lhe tempo ainda para roer,
Para dormir e para escutar
De que lado o vento ia soprar

Para, enfim, até à meta correr.
A tartaruga parte, esforça-se
Apressa-se com passo lento
Mas forte.
A lebre, pelo contrário,
Despreza essa vitória.
Nenhuma glória atribui a tal aposta

Pouco honesta.
Considera uma desonra partir cedo.
Come, repousa,
Diverte-se com outra coisa,
Não com a aposta
Que a desgosta.
Por fim, quando vê
Que a outra estava a chegar ao fim
Da corrida,
Dispara em brasa,
Em direcção à meta.
Mas esta, para si, está perdida,
Que a tartaruga chegou primeiro.
- Pois bem – gritou esta – eu não tinha razão?
Para que vos serve tanta velocidade?
Eu ultrapassei tal qualidade,
Com a minha persistência
A minha vontade,
Digamos, inteligência.
Que seria de vós, então,
Se no dorso, tal como eu,
Transportásseis uma casa
Que com seu peso me arrasa?”

Não, meu pai não se gabaria,
Como a tartaruga valente.
Até porque jamais teve,
Às costas, casa que preste.
Mas também sabia
Que mais valia ser persistente
Para se chegar
A um qualquer lugar
Que desejemos obter.
Pelo menos era o que ele via
Do lado de cá onde vivia,
No lado de lá, na galeria
Dos que sabiam correr
Para melhor viver.
Ainda hoje é assim,
Ainda hoje se corre,
No afã de lá chegar,
À meta, e até mesmo ultrapassar
Qualquer lebre mais capaz,
Mas de ambição pouco sagaz.
Aliás,
Se uns provérbios dizem o mesmo,
Outros focam o contrário:
Fia-te na Virgem e não corras”
Aponta para a necessidade
De trabalhar para conseguir;
Nada deixar
Ao acaso
De uma devoção de cumplicidade.
“Não é por muito madrugar
Que amanhece mais cedo”,
Pelo contrário,
Mostra a inutilidade
De qualquer esforço para a meta atingir.

Teremos que recorrer,
Para o aprender,
À experiência de quem nos está a gerir.

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