quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Afinal havia outra

Tratou-se de uma tecla mais, que não existia dantes, nos pagamentos do seu TMN. A minha amiga tentou em várias caixas e não conseguiu carregar o seu telemóvel. Felizmente eu apareci e com a minha serenidade, não ofuscada por partis pris pouco galantes, notei que faltava carregar ainda numa tecla, para o pagamento se efectuar, e que a minha amiga afirmou nunca ter usado.
E logo ela:
- Afinal havia outra. O simplex complicou tudo. Nós éramos muito complicadinhos da Silva, mas ele, Sócrates, quis simplificar, e tudo se complicou ainda mais. Não telefone, vá. Ou fale pela Internet, talvez. Ainda há pouco ouvi o Marques Mendes e as suas dez sugestões para melhorar o país. Toda a gente concorda. Agora, vá lá pôr em prática! Reformas na Justiça, na Saúde, no Ensino… Ainda ontem comprei batatas de França…
- E eu um melão da Espanha. Intragável.
- E nós o que temos para exportar? Um bocado de cortiça, vinho do Porto… E os pastéis de Belém, vá lá…
- Mas são sobretudo para gasto interno, gulosos que somos…
- E a parada das presidenciais…
- E as discussões sobre as economias que estão na ordem do dia…
- E a corrupção, que já perdeu acuidade anterior…
- Já. É a desistência, após o reconhecimento da sua cada vez maior proliferação.
- Sim. Que agora fala-se mais em bondade no combate à crise.
- E a generosidade e espírito de solidariedade dos que se referem aos que sofrem…
- De velhice, de desemprego, de abandono, de miséria…
- Dispostos a pagar mais, porque podem pagar mais…
-“Mandado de despejo aos mandarins da Europa”…
- Releia-se o “Ultimato de Álvaro de Campos”…
- Rodopio inútil de raivas e frustrações inúteis…

Que a minha amiga entre com o pé direito no ano 2011.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ano Novo, vida velha

Se Esopo nos serviu,
Como se viu,
Para anunciar o Natal,
La Fontaine também nos servirá,
Julgo eu,
Bem ou mal,
Para findarmos o velho ano
E festejarmos o ano novo
Com o habitual tralalá,
Embora ele se não apresente
Em perspectiva clemente.
Mas isso são factos consumados
A que já estamos habituados,
Valha-nos Nossa Senhora
Que, por ser tão sapiente,
É a nossa Mãe protectora,
Sem melhorar que preste,
Embora,
O nosso ambiente inclemente.
A fábula que se segue,
De La Fontaine,
De grande tamanho,
Por desgraça minha
E de quem a ler,
Que poderá sempre
Deixar de o fazer,
É sobre a bolota e a abóbora
E o ponto de vista crítico de um aldeão
Sobre os defeituosos desígnios do Senhor,
E que mudou de opinião
Assim que a experiência lhe mostrou
A sem-razão da sua observação.
Mas La Fontaine di-lo-á
Melhor do que eu
Como se verá,
Na sua fábula bem conhecida:
“A bolota e a abóbora:”
“Deus faz bem tudo o que faz,
É a minha conclusão.
Sem a prova procurar
No universo inteiro,
Às abóboras me vou restringir
Como prova suficiente
Da minha justificação:
Um aldeão, considerando
Quanto este fruto é grosso
Sendo o seu caule
Mais fino do que um osso:
“- Em que pensava - disse ele -
O autor de tudo isto?
Ele colocou esta abóbora bem mal!
Na realidade, mais valera
Pendurá-la, como eu o teria feito,
A um dos carvalhos deste carvalhal;
Teria outro jeito
A proporção
Entre um fruto tão tamanhão
E a árvore de forte porte.
É pena, Garô, que tu não tenhas pertencido
Ao conselho d’ Aquele pelo teu cura pregado:
Tudo seria muito melhor
De facto;
Porque será que a bolota, não maior
Que o meu dedo mindinho
Não cresce neste lugar mais enfezadinho?
Deus, bem que se enganou.”
Quanto mais contempla os frutos assim trocados
Mais parece a Garô
Que Deus fez um quiproquó.”
Esta reflexão o nosso homem embaraçou,
Que continuou:
“Não se consegue dormir, realmente,
Com tanto espírito da nossa mente.”
Mas logo, à sombra de um carvalho se deitou
E adormeceu
Triunfalmente.
Uma bolota caiu,
O seu nariz sofreu,
Ele acordou. E levando ao rosto a mão
A bolota encontrou
Presa aos pêlos do queixo.
O nariz achacado
Fê-lo mudar de linguagem:
“- Oh! Oh! – disse ele – estou a sangrar!
E como seria se uma massa mais pesada
Tivesse caído da árvore?
Deus não o permitiu; sem dúvida teve razão.
A causa, reconheço-a agora,
Por esta minha ensanguentada imagem.”
E louvando Deus por tudo o que Ele fez,
Garô voltou para a habitação.”

É por isso que eu também penso
Que devemos considerar,
Antes de contestar
Os desígnios superiores
Quando ditados pelos nossos maiores,
Mesmo que nos pareçam inferiores,
Pois existe sempre a possibilidade
De que uma abóbora nos caia no nariz
Com grande crueldade,
Em vez da bolota caída habitualmente
Sobre a nossa cerviz
Impotente.
Por isso, a bolota devemos aceitar
Não venha a abóbora esborrachar
Definitivamente
Isto que já foi país
No tempo dos nossos pais,
E se prepara para deixar
De o ser, cada vez mais.
Pois dia virá
Que a abóbora se imporá,
Volumosa, pesada, gloriosa
Lançada por mão voluntariosa
E caprichosa
Que sempre se olhará
Como um novo Deus que achará
Que tudo o que faz bem feito está.
E que não se importará
De as nossas cabeças esmagar
Com abóboras fenomenais,
Em vez das bolotas habituais,
É certo que cada vez mais
Brutais
Em atropelo e tamanho.
Bolotas do tamanho de abóboras
São as perspectivas
Do Ano Novo,
Delas cheio que nem ovo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Uma história de Natal

E digo de Natal
Porque é sentimental.
Dá bons conselhos
A novos e velhos.
Diz-nos que, se há os que comem mais,
É porque a isso foram destinados,
Pelos bons fados,
E porque são leais
Aos mais pequenos,
Os que comem menos.
Assim disse Esopo
Na sua fábula singela

“O burro e a mula”:
«Um burro ia
De companhia
Com uma mula.
Constatando que o fardo dela,
Por injustiça do céu
Era igual ao seu,
Queixou-se o burro de que a mula,
Por receber dupla ração,
Não fosse contemplada,
Com justa razão,
Com uma carga mais pesada
Do que a sua, no longo estirão.
Mas tendo percorrido
Um extenso caminho,
Achando o almocreve
Que o burro ia
Quase esvaído,
Dele pena teve
E passou
Parte da sua carga
Para o dorso da mula farta.
Mais adiante, verificou
O esgotamento
Do burro lazarento
E mais o libertou
Da onerosa carga,
Que colocou
No dorso resistente
Da mula competente.
Até que finalmente
Tudo lançou
Para cima dela
Inclusivamente

O próprio burro quase inerte.
A mula imediatamente
Perguntou:
“- Não achas então
Que eu tenho todo o direito
A uma dupla ração?”
Nós igualmente
Não devemos julgar
Das prerrogativas de cada um
Como princípio, mas sim
Segundo o seu fim.»

É o que nos diz Esopo
Temos que o admirar.
Porque a sua história serve
Para aconselhar
Os que entre nós costumamos
Invejar
E atacar
Os que ganham mais e comem mais
Do que nós, pobres comensais.
Se eles o fazem é porque têm
A obrigação
De nos levar no dorso, com precaução.
Desejosos sempre
De bem conduzir
A sua nação
Assim,
Até ao fim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O estilista manda

Tratou-se de mulheres. Das nossas mulheres. Falei no programa último da Paula Moura Pinheiro, sobre um maestro de um belíssimo grupo coral de Lisboa, admirei as vozes, a harmonia, o maestro, as entrevistas, a entrevistadora, Paula de Moura Pinheiro. Apesar dos seus sorrisos, em trejeitos maviosos, não tão precisos assim. Porque se pode ser competente e bonito sem precisar de tanto brilho sedutor. A competência não requer palco, requer seriedade. Mesmo numa mulher bonita.
Mas a minha amiga não ligou à qualidade intelectual da Paula, porque atalhou imediatamente:
- Elas rebolam-se, como numa arena os toureiros, nas suas faenas. Mesmo a Moura Pinheiro é uma vaidozona. A maior parte esmifra-se para atrair os olhares. Não são capazes de ser naturais. A Júlia Pinheiro é a única natural.
- A Tânia é naturalmente simpática, acho.
- Mas o que vale é que elas têm uns maridos fabulosos. Num programa da Catarina Furtado os homens só deviam estar atentos à perna da Catarina sobressaindo na racha lateral enorme, do vestido. Eu pensei assim: Tens um marido fabuloso. É preciso aquilo! Minha nossa! Ela é giríssima. Mas para quê aquilo? Porque o marido deixa. O estilista é que manda. Eu só penso que aquelas têm uma sorte danada com os maridos.
A minha amiga hoje está decididamente com os azeites. Atribuo isso aos tempos difíceis que atravessamos. Mas ela conclui, mais calma:
- Outros dirão: Vocês têm é dor de cotovelo, por não serem assim jeitosas.
E eu concordei. Mas a minha amiga ainda acrescentou:
- Agora a Bárbara toda extrovertida na apresentação da festa do Natal… E o marido aceita bem, que é democrata.
Mas falou de outras mulheres nossas:
- Se há mulheres que estão dentro da política, que se juntem aos homens. Talvez governem com mais acerto. Eu vi há dias a Maria de Belém e a Teresa Caeiro a falarem sobre o Ali Babá e os quarenta ladrões.
- Tão poucos?
– Espantei-me.
- A Teresa Caeiro é tesa, a dizer que não se pode deixar que o Governo vá contribuir com mais dinheiro, para o BPN. É um escândalo.
- Pois é. Mas temos também as mulheres das cantigas que a minha mãe canta, em versos que nunca lhe tinha ouvido. Ora veja, segundo a canção “Margarida vai à fonte” de João Vasconcelos e Sá:
Ó Margarida moleira
(bis)
Dá-me da tua farinha,
Que eu vou-te picar as mós
(bis)
Se prometeres ser minha.

Margarida a tua vida
(bis)
Não a contes a ninguém.
Se uma amiga tem amigas
(bis)
Outra amiga amigas tem.

O sete-estrelo vai alto
(bis)
Mais alto vai o luar
Mais alta vai a ventura
(bis)
Que Deus tem para nos dar.

Ó estrelinha do Norte
(bis)
Espera por mim que eu já vou!
Que me hás-de alumiar
(bis)
Já que o luar me enganou.

E passámos a referir as proezas – desta vez da memória - de mais uma mulher. Centenária.
Que o seja, por muitos anos mais, são os votos especiais do meu Natal.

Notícias do meu país

Eu bem quis falar na grande surpresa decepcionada que tive há dias ao ouvir o professor José Hermano Saraiva afirmar, num programa dos anos 4 deste século que fora ele, quando era ministro da Educação, (anos 68 a 72 do século derradeiro, segundo informa a wikipédia da rápida consulta), que impusera a substituição da História Universal nos cursos secundários por uma História portuguesa local, abordando as fofocas nacionais para enriquecimento intelectual dos nossos alunos, cada um posto em sossego de pesquisa dos heróis ou das pedras megalíticas e com isso diferenciando os exames finais que, de nacionais e por consequência comuns a todos, se transformariam em regionais, com as especificidades propícias às regionalidades.
Lembro-me desses tempos longínquos causa de furores sagrados de professora que, quando aluna até gostara de aprender as coisas da História e da Geografia universais, mesmo os cabos, como pontas importantes de viragens e avanços, e lamentava que os jovens não pudessem sentir os mesmos prazeres de penetração no mundo que eu sentira ao decorá-los no mapa.
Foi por isso também que me irritei com uma afirmação do Carlos Pinto Coelho, em entrevista recente, na sua casa do Alentejo, condenando a aprendizagem dos rios portugueses e citando-os, a ele, estudante em África. Também eu os aprendera e mais os afluentes, assim como aprendera os rios de Moçambique e das outras terras da conquista portuguesa. Sem revolta. E os nomes esquisitos da mineralogia, sem os pôr em causa. O Dr. Rosa Pinto era o nosso professor de mineralogia/geologia e exigia tudo bem sabidinho. E os prazeres da descoberta da língua grega no seu alfabeto que ainda hoje recupero com saudade e que esquecíamos tão facilmente como aprendíamos! À quoi bon? Pois tudo serviu para nos ir fortalecendo no amor pelas coisas sagradas do saber, embora precário e limitado, mas fonte de alegrias de descoberta gradual do nosso mundo, conhecido através da memória, reconhecido pela experiência de viagens ou outros meios, se a vida o proporcionasse.
Por isso não gostei de ouvir que José Hermano Saraiva, que tanto admiro, na correcção do seu discurso finalizando sempre de modo apoteótico ou moralizador, e no seu profundo amor pelas coisas nacionais e no desassombro das suas críticas ao nosso desmazelo, que tivesse sido ele, quando ministro da Educação, a propor tal mudança estapafúrdia na programação escolar, a História Universal substituída pela regional.
Felizmente não lhe deram atenção, embora eu julgue que, com o 25 de Abril, a História deixou de ter o relevo que tinha, tal como o francês e as coisas da cultura, substituídos pelos trabalhos de projecto, posta a memória em sossego, a juventude colhendo o fruto dos seus anos, nos seus enganos de corpo e alma que a Fortuna não deixa durar muito, todos deviam saber disso.
Mas a minha amiga preferiu as presidenciais, nos discursos vazios a que ninguém liga.
- Mas o Cavaco elogia os compadres. São todos bons. Gosta muito dos quatro. Será assim? Coitados, não têm nada para dizer! O povo não lhes liga a mínima, o Alegre “pondo lixo na ventoinha”, segundo li num artigo.
- Então é porque o vento já lhe respondeu. Deve sentir-se feliz agora.

domingo, 19 de dezembro de 2010

E o mundo deixa

Hoje ouvi um programa sobre os trabalhadores do Dubai, gente das Índias a trabalhar nas condições mais degradantes, que facilmente equiparam o trabalhador a qualquer bicho da selva, com vantagem para este, pelo menos no que concerne os requisitos de higiene pessoal, absolutamente descurados entre aqueles homens de bairros invisíveis, rodeados por tapumes, para não haver devassas sobre um esmagador edifício de riqueza e originalidade arquitectónicas que pusessem um dedo acusador sobre a obscenidade de tal edifício obtido na exploração e no desprezo humano, com a aprovação do mundo embasbacado.
Mas a minha amiga informou que no Dubai foi inaugurada a árvore mais rica do mundo, com jóias, por dentro, e ficámos satisfeitas com os prenúncios de bem-estar que tais prodigalidades deixam transparecer, esquecendo nós a sorte dos miseráveis que ajudam à construção das belezas arquitecturais do Dubai. Lembrámos até o peso em ouro e mais tarde em diamantes que a colónia indiana moçambicana oferecera ao Aga Khan nos nossos tempos de moças, alvitrando que talvez na árvore do Dubai se encontrassem ainda vestígios dessas oferendas, que, segundo os costumes bíblicos, já tinham sido prodigalizadas pela rainha do Sabá ao próprio Rei Salomão, que aliás as merecia por ser tão sábio. E do rei Salomão, desprezando os reis faraónicos, também bastamente exploradores, passámos ao próprio Menino Jesus, ele próprio com reis magos a levar-lhe ricos presentes, de que bem precisava, coitadinho, ali aquecido em palhas.
Não, o melhor mesmo é transcrever mais uns versos, creio que um tanto empanados, a condizer, que a minha Mãe vai desenterrando do seu passado, expressivos das dores do Homem que morreu na cruz, não as alegrias do nascimento que festejamos. Eles são mais de acordo com o sofrimento dos explorados do Dubai, dos explorados do mundo inteiro. Que o mundo inteiro deixa explorar, embora colaborando, submissamente, nos cabazes de Natal:

No dia em que Jesus jazeu
Muita nuvem se descobriu,
Já canta a Humanidade:
Oh! Quantos golpes sofreu!
Muita alma se converteu
Para ganhar a Salvação.
Sexta feira de Endoenças,
Sábado de Aleluia,
Domingo de Ressurreição.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Acontece

A grande novidade hoje foi a morte de Carlos Pinto Coelho.
Ambas lamentámos, como já lamentáramos o desaparecimento do “Acontece”. Às vezes trocávamos impressões sobre uma figura que marcou positivamente os anos em que durou esse seu programa, de entrevistas, leituras, revelações, feito com garra, numa actuação vibrante e apaixonada, a que não faltava, por vezes, a contundência do discurso crítico.
Eu costumava comparar o jeito de Carlos Pinto Coelho ao de Bernard Pivot, jornalista e apresentador de programas culturais franceses, que conheci através do seu “Bouillon de Culture” e dos seus ditados em língua francesa, faseados segundo as várias idades e dirigido não só aos nacionais mas a todos os povos francófonos e amantes da língua francesa, lamentando que aqui se não instaurasse idêntico processo de difundir o amor e o brio pela nossa língua e cultura, embora tal proposta não tivesse hoje mais sentido, é certo.
Mas Carlos Pinto Coelho, que tinha a voz, o empenhamento e mesmo, creio, os conhecimentos necessários para arcar com uma responsabilidade dessas, se a isso se propusesse, nem sequer foi respeitado como protagonista de um programa indispensável para nos acordar do marasmo dos nossos programas de modinhas e de problemas cívicos e governativos da nossa facúndia palreira.
Carlos Pinto Coelho morreu. Na flor da vida. Uma injustiça dos céus, a somar a outras injustiças que por cá sofreu, como sofrem, muitas vezes, os que se distinguem por qualquer atributo de valor, como a história tantas vezes documenta.
Afirmou um dia, Carlos Pinto Coelho, que o seu livro preferido era “Aparição”, de Vergílio Ferreira. Pelos valores humanos que foca, da angustiante busca do eu, e a assumpção da plena responsabilidade dos actos individuais, isentos de um Deus como princípio determinante.
Penso que Carlos Pinto Coelho teve sorte, no seu final breve, em plena euforia de um próximo trabalho. Sem se dar conta. Sem questionação. Sem luta.
Deixando saudade. E pena.
E a engraçada caricatura que dele fez Herman José.
Aconteceu.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

As cruzes do nosso saber

A e i o u, ai eu ui ia, fui, tia, voar …
E às vogais juntando-se consoantes, formando sílabas, formando palavras com sentido, de uma dificuldade gradualmente acrescida, a inteligência da palavra ou da frase fazendo-se por soletração…
E as crianças faziam cópias, cópias de dificuldade crescente, e ditados, e correcções de erros, repetidamente, trabalhando a memória, trabalhando as mãos, aprendendo a escrever, a ler, a contar, a reproduzir, a manipular os instrumentos da sua escrita … Era assim com a Cartilha Maternal e seus substitutos, assim foi no meu tempo, creio que com mais imagens de apoio, mas respeitando a lógica da aprendizagem do simples para o complexo, por junção de letras em sílabas e palavras.
O método global associou a palavra à imagem e à frase, partindo do complexo para a letra. A criança associa a palavra à imagem e lá vai progredindo, aprendendo as letras dedutivamente. Sempre ouvi dizer que aquilo é que era bom, eu nunca entendi porquê. Partir da frase ou da palavra para o alfabeto, ainda que acompanhadas das imagens, achava um desperdício de tempo, um desrespeito pela lógica, um brinquedo de mau gosto, fantasioso e falso, já que inúmeras palavras não têm o correspondente objecto figurativo, a começar na asneira e a acabar na esperança.
Tais macacadas não resultaram, creio, mas hoje vejo pelos livros do primeiro e do segundo anos que o lúdico se impõe na aprendizagem, que às imagens se associa a leitura melódica, pois que a maioria dos textos é em verso, suponho que para a professora ler e bem assim as propostas de exercícios – rodear as letras, colorir objectos que contenham tais letras, completar palavras com essas letras, procurar palavras pela associação de sílabas, as sílabas de cada palavra pintadas com o mesma figura geométrica, fazer palavras cruzadas a partir dos desenhos… Divertido, sim, sobretudo para quem domine já a leitura. Mas a criança com maior dificuldade de compreensão, sozinha, não vence facilmente tais dificuldades. Porque lhe faltou o progressivo domínio linguístico quer ao nível oral, quer ao nível escrito, pela leitura e cópia exaustivas.
O livro “Pirilampo” do 2º ano, segue idêntica linha de rumo, muito divertido, à base da compreensão dos textos, das imagens, dos jogos, das sopas de letras para encontrar palavras, da organização de não frases em frases… Mas muitos dos textos são em verso, brinquedo que deixa os meninos perplexos, com os desvios retóricos ou lamechas, e não desenvolve grandemente o raciocínio lógico, que se deveria ter como objectivo primacial, na idade da razão que começa pelos sete ou oito anos. O desejo de divertir leva à criação de neologismos idiotas, inspirados em Mia Couto: é o caso de “espantente” seguido da explicação entre parênteses (“espantado e contente ao mesmo tempo”). Com tanta proposta de exercício, para cada texto, não sobra muito tempo para o repisar de leitura e escrita, com cópias, ditados e correcções indispensáveis à manipulação oral e escrita.
O mesmo se dirá da matemática, com apelo ao raciocínio, através de jogos interessantes, mas preterindo o domínio das tabuadas, sem o qual, não há problema ou jogo de decomposição de números que seja compreensível.
Os alunos acompanhados pela família ou o explicador terão mais probabilidade de êxito. Mas penso nas crianças cujas famílias os não acompanham quer por indisponibilidade de tempo ou de conhecimento.
É bom jogar, mas o tempo para interiorizar, adquirir estruturas, é imprescindível.
Infelizmente, até na instrução pretendemos pôr o carro à frente dos bois. Sem aprendermos a bem ler, escrever e contar, dificilmente o aluno interpretará, sozinho, as questões de diversão que requerem inteligência para a sua interpretação.
E as deficiências progredirão ao longo do ensino, nos domínios da construção frásica e da ortografia.
Da matemática.
Mas podemos sempre substituir o pensamento elaborado pelas cruzes das respostas múltiplas. Ou do verdadeiro ou falso.
A solução está nas cruzes.

Uso e abuso

Cavaco Silva anda embrenhado nos clássicos fatalistas. Ouvi-o ontem, mas creio que ele já o tinha dito antes, afirmar que os lugares do Governo são efémeros. Creio que descobriu isso agora para nos convencer a nós de que qualquer dia sairá do seu, e que os cinco anos mais a que vai concorrer passam num ai, não vale a pena os que o não suportam afligirem-se com isso, porque mais dia menos dia ele deixa a pasta, embora não se lhe desse, cuido eu, que o seu efémero se pudesse prolongar até cair da cadeira, mas isso, por enquanto, só o Dr. Jardim é que tem o privilégio de fazer concorrência ao da queda, na sua ilha autónoma, embora o nosso PM possa sempre instaurar uma lei de prolongamento governativo “sine die” para os que se acham imprescindíveis, como ele próprio também, mesmo que seja num trabalho de construção destrutiva, na afirmação rancorosa da minha amiga que só vê as fábricas a fecharem, os despedimentos a entrarem, as frutas a serem importadas, as ourivesarias a serem assaltadas, etc., etc., além de que também se incomodou, a respeito dos “lugares comuns em barda” do PR, ditos de uma forma triste e suave, eu diria mesmo tartufiana, pura megalomania minha, reconheço.
- Diz coisas de que a gente nunca se tinha lembrado. Lugares efémeros! Foi preciso que ele dissesse, que nunca isso nos passara pela cabeça. Mas as coisas que ele diz que a gente não quer acreditar que ele seja presidente deste pedaço! E afinal o esbanjamento começou no tempo dele, como ministro principal.
Aí, discordei:
- Eu acho que o esbanjamento começou antes, logo com a reviravolta abrilina. Mas com a entrada na Europa, os dinheiros de lá escorridos possibilitaram todos os maquiavelismos do deslumbramento para os pobres que éramos, e a trafulhice aliou-se naturalmente aos empreendimentos.
- Um país pobre a viver como um país rico! Lá que um labrego se convença… Mas estes economistas só agora é que deram o braço a torcer, a dizer que o dinheiro não chega e que têm de prestar contas!
- Ai, mas nós vamos prestá-las, pode crer. Nunca deixámos de prestar. Estamos a prestar já. Só não presta quem pode. E só paga quem pode, a isso forçado. Nós, os forçados, podemos. Estamos habituados. E cara alegre, a Marina Mota ensina, na sua versão da “Música no Coração”, que ouvi hoje:
“Gosto de andar
De saia e blusa
Mesmo que digam
Que já não se usa.”
Entre nós o uso é para manter.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

“Já temos um tornado, coisa que a gente não tinha”

- Afinal somos p’rà frentex, somos iguais aos outros - disse a minha amiga, a optimizar perspectivas radiosas para nós, para contrapor ao tom depreciativo das suas expansões habituais. – Já temos um tornado, coisa que a gente não tinha.
Censurei a troça, reivindiquei mesmo, não digo um tornado, mas os nossos ciclones, lembrando um, dos meus tempos de criança, na aldeia onde vivia, que destelhou o telhado da nossa casa e obrigou a minha mãe a pôr vasilhas no chão para não termos que boiar no chão da cozinha. Mas concordei que tornados de fazer andar tudo num virote diabólico, só mesmo lá pelas Américas, por enquanto. Nós estamos ainda no paleolítico, não nos devemos precipitar em paralelos modernistas.
Não, nunca chegaremos aos calcanhares de ninguém, nem mesmo nos tornados.
E contei de um programa francês que ouvi há dias, antes do “Questions pour un Champion”, programa de entrevistas que, nesse dia, coube a um jovem português responder. Talvez fosse seminarista, talvez fosse frade, ouvi-o tarde, não captei a apresentação. Mas fiquei engasgada com a linguagem doce, de jovem que deseja manter a ingenuidade do menino, que não larga a casa dos pais, que fala em bondade e nada mais, que não se afirma como ser responsável, mas se serve de uma linguagem banal, sem objectivos reais, um discurso vazio, repetitivo, de um lirismo torpe, sem uma ideia, sem um conhecimento feito de leitura, de reflexão, de evolução no raciocínio, discurso babado, discurso abjecto. A idiotia sem tréguas, como resultado da educação que tem sido a nossa.
- O quê? Já? – foi o meu comentário agoniado na constatação de uma realidade pegada à nossa pobre crosta nacional.
Mas a minha amiga, confiante nos tornados que já cá temos, insiste em que os nossos Magalhães vão ajudar à reflexão da nossa juventude.
Não posso, pois, precipitar-me nos meus complexos humilhados, no paralelo com outros jovens de outros sóis diferentes. Felizmente ainda temos jovens autênticos, responsáveis. Que não chegam, é bem verdade, para limpar da crosta.
- O autor do programa francês foi muito pouco simpático – concluí com rancor - ao escolher tal exemplar para a imagem da nossa juventude. É por isso que a nossa auto-estima se vai esboroando, mesmo sem tornado que preste.
E ambas largámos os tornados, para desancar, patrioticamente, a vileza xenófoba do autor do programa francês, que sabia bem quanto nos expunha ao ridículo, com aquela figura flácida e alva, largando inépcias, buraco negro do nada.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Mudanças de estado

Esopo dizia claramente
Na fábula de Zeus e da raposa
Que qualquer vilão,
Ainda que mude de condição,
Não muda facilmente
O seu comportamento
Segundo o primeiro talento
Obtido no nascimento.
Serviu-se, julgo eu,
Para a sua demonstração,
Das leis da física -
Embora essa disciplina não existisse ainda
Nas escolas da Grécia Antiga -
Mas que ele devia conhecer
Por experiência
E pelo saber da sua inteligência:
Usou, assim,
O exemplo da água
Que, seja pura ou impura,
Muda de estado, sem qualquer desmazelo,
Conforme a temperatura:
Em ebulição, torna-se vapor
Em solidificação ficando gelo,
Podendo, entretanto, regressar,
Sem nenhuma espécie de tacanhez,
Ao primitivo estado de liquidez.
Basta, para tal, o arrefecimento
Do calor,
Ou o aquecimento
Do gelo,
E tudo desaba em água,
O que pode causar uma certa mágoa
Por conta das secas ou das friagens
Das nossas terrestres derrapagens.
Eis o que Esopo afirmou
Na sua fábula

“Zeus e a raposa”:
«Por tanto admirar
Da raposa a inteligência
E a ondeante subtileza
Da sua esperteza
Zeus dela fez, uma certa vez,
Rei dos animais.
Todavia,
Sem benevolência,
Desejou verificar
Se, ao abandonar
A sua vida primeira,
A raposa matreira
Se despojaria
Da sua sórdida avidez,
Um dos pecados capitais.
Como a raposa passasse em liteira
Zeus um zângão enviou
Sob os olhos dela e viu
Que a raposa não se reprimiu,
Pois enquanto o zângão pulava
E esvoaçava
Em torno da liteira,
À volta dele ela saltava,
Todo o decoro desprezando
Saltando, pulando, regougando
Bem à sua primitiva maneira,
Esquecida a liteira
E o sentido dela

De distinção fagueira.
Indignado contra ela,
Zeus repô-la
Na sua posição primeira
De simples raposa matreira
Sem eira nem beira.
A fábula mostra bem
Que os medíocres
Mesmo que se expandam em riqueza,
Não mudam de natureza.»

Todavia,
Eu o mesmo não diria:
Discordo deste conceito
De Esopo fabulista
Porque sigo outra pista
Sobre as mudanças de estado,
Não as físicas da matéria,
Mas as sociais
Comportamentais.
Muito pelo contrário,
Tais mudanças de estado
Trazem tantas vantagens
Ao seu usufrutuário,
Que forçosamente
Quem mudou de estado e de ambiente
Melhorou
Com extrema magnitude
- De cara, de feição, de atitude,
Por vezes até de virtude
Para sempre.
Basta, para tal,
Uma forte sorte
E muito norte,
Sem que tal seja por mal.
A mudança traz constante evolução.
E uma nova posição
Social
Provoca necessariamente
Maior concentração
Por via da obtenção
Não só da geral admiração
Mas da particular autopromoção.
E por isso não há que recear
Uma realeza, escolhida na surpresa
Da repentina afeição
Parcial,
A descambar
Para o primitivo estado de vilão.
Não.
A mudança, em Portugal,
Não corre qualquer risco de baixar,
Tenho a certeza.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

“Agora tem o diploma na mão e continua no balcão”

Mostrei à minha amiga um excerto de um livro antigo – “Os Grandes Processos da História” de Henri Robert (1º volume) – sobre o “Processo de Nicolau Foucquet”, superintendente das finanças do jovem Luís XIV, condenado por peculato numa administração que o tornaria um ricaço feito mecenas numa vida de ostentação, por abuso dos seus poderes de superintendente, durante a menoridade daquele rei.
Num discurso claro e de amplo conceito sobre as molas que regem os comportamentos humanos, Henri Robert vai analisando, com o rigor da investigação histórica e a sensibilidade do intérprete humanista, os labirintos em que se movem as ambições que fizeram despenhar esplendores na perversidade cruel de castigos nem sempre regidos por uma justiça de impecabilidade.
Entretanto, nesse descritivo biográfico sobre Nicolau Foucquet, uns excertos existem que me pareceram do nosso conhecimento, tanto antigo como recente, e por isso os mostrei à minha amiga, com o prazer de uma descoberta, não só de parelelismo de actuação abonatória do nosso tão geralmente acusado antigo Presidente do Conselho de Ministros, como ilibatória dos nossos desmandos governativos de trinta e pico anos a esta parte.
Eis o excerto abonatório, que a minha amiga imediatamente equiparou a quem de direito:
“Estava-se longe dos tempos felizes em que o bom rei Henrique IV e o seu ministro Sully administravam as Finanças da França com tanta sabedoria e economia que, com um orçamento anual de menos de oitenta milhões, achavam ainda meios de fazer anualmente, em média, setecentos mil francos de economia, e de constituir assim um fundo de reserva de mais de cinco milhões.”
Eis o excerto ilibatório da governação dos últimos anos de “gaspillage”, em denominação erudita, e ilibatório porque nos revela antecedentes ilustres das nossas sensaborias esbanjadoras, a que falta o esplendor das gaulesas:
“Havia muito tempo, infelizmente, que esse fundo de reserva fora dissipado.
Já não se vivia senão de expedientes, da mão para a boca, e a desorganização das finanças facilitava todos os abusos.
Mazarino, hábil político, não era, rigorosamente, um ministro económico.
Não se preocupava com questões de dinheiro, mas precisava dele constantemente.
Era um sorvedouro, cujas imperiosas exigências nem toda a actividade do superintendente Foucquet bastava para satisfazer, conquanto este já tivesse tido que lançar mão adiantadamente dos anos vindouros.
Os impostos, naquela época, eram geralmente arrendados, isto é, cobrados por arrendatários que obtinham esse direito em concorrência pública, mediante uma prestação anual que se comprometiam a pagar ao Estado.
Quanto aos empréstimos, não se faziam, como hoje, sob a forma de subscrições públicas; eram, embora às vezes consideráveis, concedidos ao rei ou ao superintendente pelos financistas opulentos da época, por prazo mais ou menos longo, e a taxas de juros em geral bastante elevadas.
O superintendente encarregado das receitas estava, pois, em constante contacto com os capitalistas ….”
Concordámos nas analogias, informei que o processo em que Foucquet esteve implicado, devido à sanha de Luís XIV manobrada subtil e sinistramente pela de Richelieu, durara três anos e acabara com condenação, ao contrário dos nossos processos que são prolongados sine die, sem condenação nos casos mais poderosos, embora, muitas vezes, com meios igualmente ilícitos de os solucionar.
Mas a minha amiga passou aos nossos tempos de agora, no que concerne uma juventude que frequenta cursos superiores e sai com diploma e se emprega no que aparecer, numa escalada de procura de emprego facilitada pelos meios informáticos, é certo, mas perfeitamente anedótica no que estabelece como desvalorização humana e dos próprios cursos superiores ou mesmo intermédios.
- Realmente – concordei – no nosso tempo os cursos superiores eram em menor número mas convincentes, e agora ninguém sabe muito bem com o que contar, traduzindo-se tudo isso numa baralhação de propostas de cursos que pouco terão de verdadeiramente científicos, com estágios pelo meio, talvez úteis, mas proporcionando aos estudantes poucas horas de um estudo autêntico, que um curso superior forçosamente deve implicar. Mas sabia-se, ao concluir um curso superior, que mais cedo ou mais tarde, ele nos catapultaria aos empregos adequados a cada formação e hoje em dia tal não sucede.
E a minha amiga concluiu:
- Mas os próprios jovens já dizem que antes isto, de conseguirem um empregozito reles mais ou menos explorado pelos patrões capitalistas, do que andarem por aí à deriva. Não sei como estes jovens podem encarar isto. Saem das universidades quantidades enormes de jovens formados. Mas mercado de trabalho não existe, não há emprego para ninguém.
E a minha amiga concluiu, na tristeza do dia chuvoso:
- Agora o formado tem o diploma na mão e continua ao balcão.
- Sim, é o resultado das más políticas. Os franceses sempre se ergueram dos descalabros, assim como todos esses povos que apostaram na formação. Mas a nossa formação com as novas oportunidades e quejandos soa muitas vezes, actualmente, a fraude. Não, não podemos “crer em nós”. “Seremos sempre os que tínhamos qualidades, os que esperámos que nos abrissem a porta junto de uma parede sem porta”… “Seremos para sempre os da mansarda...”

sábado, 4 de dezembro de 2010

“O mundo está viradinho do avesso”

Foi a respeito da Cimeira da NATO, já passadas as suas referências corrosivas aos blindados, que, por não terem chegado, mau grado o empenhamento do nosso Governo em defender o Presidente Obama de possíveis agressões dos nossos terroristas, tal facto causou nela um mal-estar de humilhação, sensível como é às desconsiderações externas com base nas nossas penúrias internas. Sendo essa uma característica muito nossa, como já tenho explicado, a de não admitirmos desconsiderações a ninguém, tal o Damasozinho Salcede.
A minha amiga desejou, contudo, ultrapassar o baixo astral - ou astrau se partirmos de um princípio de acordo linguístico brasilófono - concordando com a eficácia das cimeiras, embora num ricto de enfastiada aceitação:
- Mas é claro que são boas as cimeiras. Há um compromisso, mas os compromissos vão todos ao ar. Excepto o do Sócrates do TGV, com o seu amigo Zapatero. Sim, as cimeiras são boas, mas não conseguem travar. Os países têm esses potenciais - explicou a minha amiga à minha dica preocupada sobre o ataque da Coreia do Norte à do Sul, já depois da cimeira. – Um dia servem-se desses potenciais e pronto. Aí vai o mundo pelos ares.
- Ainda bem que tivemos uma Cimeira a impor colaboração dos países atlânticos, com a Rússia alinhada, agora. Nós também mandamos tropas para ensinar as artes bélicas no Afeganistão, a fim de se defenderem melhor quando forem independentes, isto é, libertos do auxílio americano, em 2014, segundo Obama.
- Sim, mas esta cimeira era sobretudo para prevenir. Travar os lançamentos de mísseis. Mas o mundo está viradinho do avesso. E tudo é um escândalo, pelo menos na parte que nos toca. Um país em que a sua Justiça não está de saúde, o que pode acontecer? São os que trabalham lá que o dizem, que falam em compadrios. Mas temos que ser justos. Não são os de agora que têm culpa. Já vem muito detrás.
- Uma revolução injusta só podia fundar-se em propostas injustas. É um ver se te avias de ilegalidades -
insisto, em velhos rancores inesquecidos, largamente apodados de fascistas, naqueles tempos do início.
- O ser humano é mal formado. E sobretudo todos os que têm o poder na mão. E então quem pode fazer leis!
- E o que me diz da promessa do presidente socialista do governo açoriano de cobrir os cortes salariais de uns tantos funcionários públicos? Onde é que ele vai buscar o dinheiro para executar a promessa? Aos funcionários do continente? O meu marido falou em manobras pré-eleitorais…
- Mas quem lhe permite esse poder? Realmente, já não sabemos quem governa. E o que me diz a 22000 restaurantes que fecharam? E às casas de Lisboa a ruir? Vá à Internet e veja o número de casas a precisarem de restauração em Lisboa. É uma vergonha para quem governa aquela área do país que foi escolhida para capital. Aqueles assessores que a Câmara escolheu – tudo aos molhos – ninguém trata? Caiu mais uma e ardeu mais outra e não morreu ninguém. Claro que as pessoas ficam desfalcadas. Mas não morre ninguém. Quem lhes vale é o Santo António. Santo António é de Lisboa, é quem lhes vale, não são os assessores.
Uma conversa variada, a nossa, hoje. Merece que a complemente com uma metáfora botânica da minha mãe, a falar da necessidade de nos alimentarmos, a propósito das dietas que fazem as pessoas que cuidam muito da sua elegância:
- “Olha que o corpo não tem outra raiz”.
Mas a minha mãe não está a par da falta de raízes para os corpos que já tanto se faz sentir por aí. E, encantada com o efeito da sua graça, disse outra a seguir, evocando a malícia do seu pai, em versão profética contemporânea do próprio Rasputine :
- O que é que o meu pai dizia? “Diabos te levem a cabeça, fora os piolhos”.
Será, talvez, o que de nós restará, levada a cabeça pelo diabo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mesmo sem hino

A minha amiga reproduziu a voz do nosso distinto Engenheiro :
- “Metam isto na cabeça, portugueses. Nós não precisamos de ajuda.” Ai, mas a lata daquele gajo!
Concordei. Porque ouço outros, que aparentam ser versados em Economia, a agoirar a entrada breve do auxílio externo para longo pesadelo interno. Só não concordei com aquela do apelativo “portugueses”, mais escutado num general carismático, como fora o general Eanes. A minha amiga continuou:
- Mas há muitas vergonhas apontadas aqui: Esta do aeroporto de Beja, onde já se gastaram muitos milhões e agora vai parar porque faltam muitos mais… Os milionários que já só são multimilionários e têm tudo nos off shores… Se foi dinheiro roubado, nunca se vai saber, porque ninguém tem poderes para saber da história completa. Porque fica pelo caminho. As leis foram feitas por uma metade séria e a outra que faz as leis a favor deles.
Discordei dos quantitativos, o quantitativo da parte séria nem por sombras chegando aos calcanhares do quantitativo da parte não séria, e apressei-me a justificar as minhas asserções recorrendo a figuras com muito mais calibre histórico do que as nossas, e que assim lançaram vetusto lastro de irregularidades penais, exemplificando com a rainha Isabel I da Inglaterra que lixou Maria Stuart ao criar leis para a poder mandar decapitar dentro das normas legais, ainda que recentes.
E foi aqui que, inocentada a nossa Justiça, por via destes meus oportunos conhecimentos históricos, nos lançámos a evocar o hino da Restauração que aprendemos na nossa instrução primária, de par com a respectiva história, e assim homenagearmos aqueles homens sem os quais hoje não poderíamos evocar as figuras sagradas dos cultivadores da língua nacional e outros de idêntico calibre, que nos fazem ainda manter a chama do amor pátrio.
A minha amiga também se lembrava do hino, e assim o cantámos em surdina, na discrição da esplanada deserta, por via do frio que fez hoje, 1º de Dezembro, logo pela manhã arrefecido com uma queda brusca de saraiva, a fazer recear outras quedas bruscas.
Um hino patriótico, tentando manter a chama da exaltação pátria. Mas conviemos que muitos são hoje os prontos a liquidá-la, à chama, mesmo a coberto de boas intenções, de que, dizem os experientes, o Inferno está cheio:
«Hino da Restauração
Lusitanos, é chegado
O dia da redenção
Caem do pulso as algemas
Ressurge livre a Nação.
O Deus de Afonso em Ourique
Dos livres nos deu a lei;
Nossos braços a sustentem
Pela pátria, pelo Rei.
Às armas, às armas,
O ferro empunhar.
A pátria nos chama
Convida a lidar.
Lá lá lá lá lá lá lá
A lidar.»
É urgente uma restauração. Mesmo sem hino.

Escândalos (Continuação inconclusa)

- Mas isto dos blindados é uma ofensa à população. Como se aqui houvesse gente do género dos do morro! – continuou a minha amiga verdadeiramente indignada.
- Há umas tentativas de aproximação, não somos menos que os outros! Temos espalhados alguns redutos na criação e fabrico de drogas com algum alcance, ora essa! E até com armas, à maneira! Mesmo sem morros que se vejam.
- Mas enfim, só chegou um blindado, que é o que foi para o futebol, para ser usado nos futebóis, lugar de eleição para as nossas batalhas campais.
- Esquece as parlamentares. Verbais.
Mas estou condenada a falar para os botões. Próprios, não os alheios. Continuou, sem dar atenção, plena de recursos cognitivos:
- Nos bairros onde há problema cá, blindado não passa. A menos que reduzam a largura do blindado, ou aumentem a das vielas.
- Então que sirva para os futebóis, para encher de brios na marcação dos golos, como disse que um jornalista escreveu.
Falámos de outros escândalos:
O Cavaco que chora para ficar, numa auto-avaliação toda positiva, sobre a verdade da sua honradez e da sua competência e experiência apelativas do voto da plebe, quando a plebe está mais que farta dos seus ares simultaneamente tristes e tranquilizadores sobre um futuro financeiro que diz não ser tão mau assim, o que se vai provando ser fastidiosamente falso, de tal maneira que não há estômago que lhe aguente os dizeres, mas que lhe dá o voto, por saber que os dizeres e os fazeres dos outros concorrentes também não valem a pena, triste país que somos, sem rei nem lei e sem cheta, genericamente falando. Particularmente, ainda há bastantes com.
O caso do hospital novo de Cascais, que levou anos a construir-se e que já não chega para as encomendas, aonde falta tudo, e as camas e os carrinhos e as visitas se amontoam nos corredores, fazendo lembrar “uma feira de Marrocos” na expressão desesperada da minha amiga, mandando-se os doentes muito graves para casa, com um subentendido “vai morrer longe” aterrador. Porque o quarto deles está a ser preciso para os do corredor.
E a minha amiga conhecia casos. Uma senhora sua amiga a quem iam dar alta, porque já não havia nada a fazer. Falámos disso anteontem. Não havia clínicas na linha que a recebessem. Felizmente morreu ontem.