quarta-feira, 7 de julho de 2010

Encomium Moriae, 15 – “Os dez mais”

Mostrando, no capítulo XXXIV, que o mundo animal é igualmente prova da sua tese da racionalidade contrária à felicidade, apresenta a Loucura, entre outros, o exemplo das abelhas, arquitectas por instinto, apenas devendo à natureza os seus dons de plena felicidade, ao contrário dos cavalos morrendo na batalha com o dono, além dos sofrimentos do seu cativeiro.
E o capítulo XXXV, depois dos exemplos míticos, em que sobressai o sempre “gemebundo” Ulisses, segundo epíteto de Homero, conquanto “hábil e artificioso”, que “nada fazia sem o conselho de Palas”, e a quem “a sabedoria excessiva desviava absolutamente do conselho da Natureza”, conclui que também “os vivos que obedecem à Sabedoria são em muito os menos felizes”:

XXXV-Por uma dupla demência, esquecendo que nasceram homens, querem elevar-se ao estado de Deuses soberanos e, a exemplo dos Gigantes, munidos das armas da ciência, declaram a guerra à Natureza. Inversamente, os menos infelizes são os que se aproximam mais da animalidade e da estupidez, os loucos ...
E vem a demonstração:
Estas gentes não receiam a morte, e por Júpiter! Não é pouco isso!... Nada, em suma, os atormenta das mil preocupações de que é feita a vida. Eles ignoram a vergonha, o medo, a ambição, a inveja, o amor, e mesmo, se atingem a inconsciência do bruto animal os teólogos asseguram que são sem pecado.”

Tínhamos, assim, chegado à conclusão de que felicidade está na razão directa da pequenez de espírito e por isso ficámos contentíssimas por não estarmos incluídas nas dez mais, isto é, não sermos uma das nações mais felizes do mundo, segundo a lista apresentada pela notícia que lemos hoje no Diário de Notícias, lista que a Dinamarca lidera entre sete países europeus - Finlândia (2º), Noruega (3º), Holanda (4º), Suíça (7º), Suécia (9º), Áustria (10º), e, já fora da Europa, o Canadá em 6ª posição, a Nova Zelândia em 8ª, a Costa Rica em 5ª.
Concluímos, na esteira de Erasmo de Roterdão e da sua Loucura, que aquelas tais nações, tão felizes assim, se encontravam no ínfimo escalão da inteligência humana, e, se sentimos pena por elas, que não desejamos o mal de ninguém, logo nos regozijámos por não estarmos incluídos na lista, nós, portugueses, que usamos e abusamos dos lamentos, prova incontestável da nossa racionalidade, segundo a tese de Erasmo que até era holandês, coitado, e assim está entre os felizes, os sem pecado, segundo os teólogos, próximos mesmo dos irracionais, sem pensamento que preste.
Como a Injustiça rege este mundo, não é só a Loucura, não! Pois assim se escapa de nós, portugueses, a felicidade, só por sermos tão racionais, tão pensadores e tão com pecado!

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