sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Knopfli

Admira-me a pouca importância que se tem dado a um poeta como Rui Knopfli. Límpido, sarcástico, directo, contido, e simultaneamente eloquente no esbanjamento imagístico, que colheu nos modernos escritores a orgia vocabular e o conceito dessacralizador do modelo artístico clássico, os temas variados, segundo os ideais humanísticos defensores de liberdade e críticos da exploração, ou apenas cônscios do mundo íntimo do homem, entregue ao sentido do absurdo existencial...
Não resisto a transcrever-lhe o poema “Amor das Palavras”, contido em “O País dos Outros”, como exemplo a seguir nas novas pedagogias escolares, que há muito perderam o sentido daquilo que valoriza o homem – o estudo, o gosto pelo conhecimento, a “filo sofia” que apregoavam os povos gregos:
Amo todas as palavras, mesmo as mais difíceis / que só vêm no dicionário. / O dicionário ensinou-me mais um atributo / para o sabor dos teus lábios: / São doces como sericaia. / Faz-me pensar ainda se a tua beleza não será / comparável à das huris prometidas. / No dicionário aprendi que o meu verso é / por vezes fabordão e sesquipedal. / Nele existe o meu retrato moral (que / não confesso) e o de meus inimigos, / rasteiros como seramelas sepícolas/ e intragáveis como hidragogos destinados à comua. / O dicionário, as palavras, irritam muita gente. / Eu gosto das palavras com ternura / e sinto carinho pelo dicionário, / maciço e baixo e pelo seu casaco, azul / desbotado, de modesto erudito”.
Sim, o gosto pelo saber não deu a Rui Knopfli a capacidade de se safar na vida, apesar do dom extraordinário que possuía. Assumiu a sua liberdade de se destruir, e ninguém lhe valeu, talvez por culpa dele. A Pátria é refractária a quem não sabe rastejar e a quem não valoriza o sacrossanto dinheiro. E muito menos hoje.
Mas continuo a pensar que os versos acima deviam permanecer como intróito em cada manual escolar de português, como estímulo para as novas gerações que quase perderam a capacidade de consultar um dicionário.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A idade da inocência

Já duvido que chegue a existir. Embora nos ensinem os provérbios noções bonitas, que parecem revelar a boa formação moral de quem os criou. Mas quem os criou devia intimamente rir-se do que estava a criar, como frases muito moralistas, mas só para os falhados que nelas acreditavam. Algumas famílias – já não acredito que fosse a maioria – orientavam dantes os seus filhos dentro desses valores idealistas, que a Igreja também alimentava, segundo conceitos duais formadores, do Bem e do Mal, do Paraíso e do Inferno, com o Purgatório para os que precisassem de se purgar dos pecados.
E assim se criaram os provérbios sobre a ociosidade como mãe de todos os vícios e o trabalho como fornecedor de saúde, o dinheiro impeditivo da felicidade, e até sobre o não adiamento dos trabalhos que podem ser feitos no próprio momento... Tudo muito correcto, leal, honrado, escrupuloso. Para os simplórios como o “Topaze” do Marcel Pagnol.
Era o Topaze um professor primário, competente e crédulo, de uma pureza de topázio que acreditava nos tais provérbios que o Sr. Muche, digno director do colégio Muche, fazia pendurar nas paredes das salas de aula. Mas descobriu que Muche era um explorador perverso e biltre, e que o novo patrão, que a expulsão do colégio, por ser escrupuloso e honesto, o fizera ocasionalmente encontrar, não passava de outro prevaricador de alto gabarito, que dele fez seu “testa-de-ferro”, para se não comprometer nas suas miseráveis negociatas. E assim Topaze descobre o poder do dinheiro que o faz obter as palmas académicas nunca alcançadas pelo professor dedicado que fora. De testa-de-ferro passa a dono do negócio, em jogada inteligente de quem perdeu a inocência, sinónima de idiotia.
Ao ouvir estas notícias de que Portugal é dos países mais bem cotados na abundância de processos de cobrança coerciva de impostos, fico pensando que aqui poucos acreditam nos provérbios, e que somos todos amantes do capital, por muito ilícita que seja a forma de o obter.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Knocks ... há muitos (Cont.)

Não devem exceder os 2000 caracteres, os textos que se pretende publicitados na coluna dos leitores, e mesmo aqueles são sujeitos a cortes, do jeito dos que têm em mãos o ofício de os podar ou até de os repelir, em caso de menor valia. Esta introdução serve para justificar a continuidade do texto anterior e já lá vão quase 400 caracteres neste.
Naquele usámos a alegoria do “Doutor Knock” para justificar de que forma se amordaça toda uma população, não já pelo medo, porque a actual democracia nos permite tratarmos tu cá tu lá os que detêm o mando, atidos ao preceito da tal igualdade entre os homens, (o que se sabe ser despicienda mentira), mas pela desesperança de conseguirmos ultrapassar a crise em que estamos mergulhados, crise em todos os sentidos, nos valores humanistas, nos valores financeiros, nos valores éticos.
Como uma lepra que progride e contagia, o Dr. Knock consegue transformar uma população anteriormente sadia e livre do pânico da morte, numa população debilitada e amorfa, graças ao empenhamento com que missiona a sua aventura de conversão ao estatuto de doentes os que dantes apreciavam a vida nos seus prazeres.
Embora nós nunca nos pudéssemos gabar de muito sãos, vivendo em sucessivos governos que não facultaram a saúde a uma população trabalhadora, mas desde sempre destituída dos direitos de valorização pela educação, só acessível aos eleitos, em todo o caso nunca, como hoje, se viveu tão manietado, pelo menos pela desesperança. E cada dia se avoluma o horror em que mergulhamos, com as paragens das empresas, e os consequentes despedimentos, o aumento do desemprego, e a desresponsabilização dos que contribuiram para isso e a quem se não exigem devoluções, porque muitos são, como estigma de um pobre país miserável e sem rumo.
E é por isso que, sem esperança em ninguém, se diz que, mal por mal, que fique o nosso Knock com as suas pseudo-tentativas de conserto, reveladoras do mesmo empenhamento e espírito de missão do outro.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

“Knocks” ... há muitos

É de Jules Romains a comédia satírica “Knock ou Le Triomphe de la Médecine” que apresenta as façanhas lucrativas de um pseudo-médico, sucessor do Dr. Parpalaid, não só com a aquisição da sua viatura desconjuntada, como da sua clientela quase nula. Parpalaid era um médico desleixado, sem jeito para descobrir mazelas nos seus raros consulentes e por isso desprezado pelos habitantes do seu cantão, que gozavam de excelente saúde, quer por apego ao dinheiro, quer por falta de orientação técnica.
Knock apercebe-se da intrujice de que é alvo da parte do bota-de-elástico finório que lhe vende o carro e a clínica – que ele, aliás, não pagará - mas suavemente e polidamente o refere, bem ciente da sua competência negocial para angariar a equipa adjuvante na engrenagem transformadora de um cantão livre de mazelas num cantão fervilhando de sucessivamente mais doentes dóceis aos clisteres, aos jejuns, aos mecanismos profilácticos, às visitas “médicas” constantes, ao deslumbramento do aparato sanitário agora estabelecido, e da melíflua propagação dos conselhos médicos precedidos de sinuosas e ameaçadoras sugestões de fim próximo, em caso de desobediência ou menor docilidade aos tratamentos.
Uma comédia terrífica, bem diferente das engraçadas farsas clássicas sobre a ignorância palavrosa dos médicos.
E alegórica, sugerindo universos concentracionários proibitivos de rebeldias ou de independências que o não são mais, apesar da deseducação generalizada que revelam os protestos ou as críticas das pessoas que se julgam livres.
Mas se, na chamada “longa noite fascista” um homem foi ditador para melhor defender a sua pátria, e não por questões de armazenamento económico pessoal, os homens seguintes, sob a aparência de amor ao próximo, vão esburgando, no seu próprio interesse, haveres que o primeiro ditador preservou. Ou outros. É o que por aí mais se tem visto. E continua, como enxurrada desafiadora de todo o senso.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Ignorâncias humilhantes

Tenho um amigo na Alemanha – o Hilton – que diz que lê os meus posts e que algumas referências lhe escapam.
Admirei-me muito ao saber disso, porque sempre supus que fôssemos mais conhecidos lá fora, quanto mais não fosse pelo caso qimonda que os Alemães tiraram daqui e levaram para lá, embora Manuel Pinho, nosso ministro da Economia, tenha explicado que fizera tudo o que estivera ao seu alcance para resolver a questão em nosso proveito, no que saiu frustrado, coitado, tal como já antes tinha saído José Sócrates, nosso Primeiro Ministro, referindo as suas lutas e dando as suas esperanças de manter cá a qimonda. Mas goradas. Não compreendo, pois, a ignorância do Hilton em relação a isto cá, já que a empresa qimonda foi para lá e os jornais saxões, para empregar um expressivo vocábulo usado pelo nosso Manuel Pinho, devem ter dado o devido relevo a esse factor.
Além disso, com o relevo também dos nossos “magalhães”, e dos nossos “professorzecos”, segundo designação de um elemento apoiante da nossa ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e com o encerramento de muitas das nossas escolas – apesar de já Confúcio ter apoiado a sua doutrinação milenária sobre a educação – mas também o recente dinamismo dado nas escolas à educação sexual, acho que merecíamos mais cotação exterior.
E cada dia vêm mais notícias que nos valorizam - ontem os fatos do nosso Primeiro Ministro, e a questão do Freeport sujeita a julgamentos, ainda que fictícios, hoje os casamentos dos homossexuais, para lhes elevar o moral, mas também como medida adequada para a subida na percentagem dos votos nas próximas legislativas...
Não, não compreendo tanto desconhecimento do Hilton. É certo que a notícia sobre a imposição iraniana de desarmamento ao nível global assusta mais, pelo que implica de ameaça a quem não cumprir a ordem. Mas lá está o Presidente Obama para resolver a questão. Acho o nosso caso qimonda de uma dimensão mais temível, que o meu amigo Hilton não devia ignorar.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Têm receio as pessoas

De parecer pouco evoluídas se expenderem opiniões do senso comum. Os intelectuais, sobretudo de esquerda, gostam de parecer bem formados, amantes da humanidade desvalida, dos escravos, dos negros sem direitos, das mulheres que reclamaram e os foram obtendo, das prostitutas que também quiseram sindicato.
Tratou-se do casamento dos homossexuais, no debate do “Prós e Contras”.
Numa época em que rareiam os casamentos ou em que estes são de duração fugaz, acho os homossexuais corajosos em quererem legalizar as suas relações amorosas.
Houve em tempos uma lei da Concordata que proibia casamentos aos divorciados. E isso era muito desprimoroso. Mas as pessoas realmente livres arrostavam com as convenções e uniam-se ao novo parceiro, pesasse embora a marginalização que sofriam, vivendo em concubinato. Se as funcionárias tinham filhos da nova união, era sem direito ao mês de licença de parto. Ficavam em casa um mês de licença “por doença”. As hipocrisias sempre existiram, e as pessoas sem mácula – as mais críticas – também.
Não, não creio nos traumas dos homossexuais marginalizados. Não será o casamento impeditivo da marginalização ou favorecedor da aceitação. Pelo contrário, eles sentem-se bem, acompanhados por exemplos ilustres, desde o Satyricon do Petrónio, e isso os faz superiores, acima dos burgueses conservadores que eles desprezam. Viu-se no programa da Fátima F.. Podem doar aos seus parceiros, se quiserem legitimar heranças.
Penso, sim, nas crianças que pretendem adoptar, sensíveis ao sofrimento dos abandonados. Uma criança sabe, ou saberá um dia, que nasceu de um pai e de uma mãe e não de um par de pessoas do mesmo sexo. Penso na sensibilidade delas, ao crescerem, na estranheza e marginalização que sentirão nas escolas, sem culpa própria.
O Eng. Sócrates vai galgando sobre estruturas morais e outras, sem ter esse direito. Não devíamos consentir. A sociedade não está tão pervertida assim. Gostei de ouvir os defensores da família, no programa da Fátima.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Um excerto de “OS GATOS” de Fialho

De resto, é um contra-senso exigir que os costumes políticos sejam melhores que os particulares. O parlamentarismo não falhou entre nós, por mau regímen, mas porque não há fórmulas eficazes para nacionalidades caducas como a nossa.
Conclui-se disto a deliquescência da vida portuguesa, nos seus duplos aspectos da consciência e da moral. Lá começa primeiro uma separação completa e desdenhosa entre os interesses da grossa massa da população, e os da matilha que reparte entre si os dinheiros das rendas públicas, e se crapuliza na porfia escandalosa do poder. Vê-se em seguida a indiferença pública crescer em matéria política, os jornais serem lidos só por passatempo, os actos do governo serem mencionados só como uma variante de anedotas obscenas, a política armar em profissão sem hombridade, em impune chantagem, e jornalistas e homens de estado enfileirarem, no conceito geral, logo em seguida aos ratoneiros e aos assassinos”.
Mas esses deslizes vêm enunciados, entre nós, de longa data, já desde o trovador informando “vej’eu ir melhor ao mentireiro / que ao que diz verdade ao seu amigo”, passando pelos tipos sociais da sátira vicentina, pelos lamentos de Camões sobre a “gente surda e endurecida” e a “Pátria metida no gosto da cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza” e continuando na ironia amarga de D. Francisco Manuel de Melo, preso, numa “casinha desprezível mal forrada”, onde a “pulga por picar faz matadura” e o “grilhão vos assusta eternamente”... E ao lado desses pesares elevam-se os bons palácios dos bem cotados, mais do que boas estruturas físicas e espirituais para a sobrevivência desse tal povo que se pretendeu resignado e medíocre.
É por isso que não creio nas doutrinas evolucionistas. Cá por mim, a história bíblica do homem saído do barro é mais convincente do que a do macaco. Porque já o casal edénico mostrou defeitos, assim como os filhos.
Os mesmos, tão poderosos como os de agora. E, afinal, de sempre.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Os Fidalgos Aprendizes

Era D. Gil Cogominho um pobre fidalgo matarruano que se quis pôr “à for da corte” e se tramou. Com a mania das grandezas, apesar da escassez económica, gritava por criados imaginários e só Afonso Mendes lhe respondia, indignado pelos cargos de aio e lacaio e ameaça de "Pacheco”, um dos matadores da "linda Inês". Contratou mestres vários, mas sem qualidade nos instrumentos que usava, para esgrimir, dançar ou trovar. Acreditou na Brites como amada e na mãe da Brites, mas estas vá de o tramar, juntamente com o falso amigo D. Beltrão, e o tal criado disfarçado. E o pobre Dom Gil desmoralizou, concluindo tristemente, após a mofina experiência:
Dom Gil tornou-se carvão!... / Homens que vos enxeris / na corte, como em bigorna, / vede bem no que se torna / qualquer “Fidalgo Aprendiz”!”
Também a nossa corte actual apresenta vários espécimes dos ditos matarruanos, que se “afidalgaram” graças aos instrumentos necessários para esse efeito. São Ministros, Secretários do Estado, há até da DREN...
Neste momento, só me refiro aos que se pronunciaram contra os professores, em linguagem que deve traduzir origens pouco civilizadas, de um mundo que se desengonçou, com a tal democracia a martelo. Uma “admite que perdeu os professores mas ganhou a opinião pública”. Outro fala em “socialistas a dar ouvidos a esses professorzecos”. Outro admite “recrutar professores no Brasil, em caso de debandada dos nossos” e informa que “o rato a quem se deu a bolacha pede a seguir um copo de leite”. Finalmente a da DREN chama aos professores “arruaceiros, covardes, comparáveis ao esparguete que depois de esticado parte, e só valentes em grupo”.
Chegou-me a notícia via Internet.
O comentário é de absoluto assombro ante o panorama social de uma governação de expressão inqualificável, admitida por um governo sem qualificação, que permite tal desvergonha, de expressão como de comportamento. E estão-se rindo, os Dons Giles de hoje. Os tristes somos nós que os aceitamos e até apoiamos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A importância de se ser adulador

É o que diz a raposa ao corvo, ao aparar-lhe o queijo que este deixa cair, para provar que a sua voz em nada fica a dever ao esplendor da sua plumagem. Já o vendedor Guillaume, perdera, para o Maître Pathelin, advogado sem clientes e sem roupa, uma peça de fazenda que a voz melíflua deste a gabar-lhe a família, consegue usurpar e defender com bons truques, apoiado na sua farsa pela esposa Guillemette.
É jeito universal, já conhecido dos clássicos das civilizações primeiras e a própria Bíblia nos ensina, que o diga Judas, que não se coibiu de trair, “escovando” os chefes da Roma antiga, na Palestina.
O Dr. P. Passos Coelho também é conhecedor e praticante, embora com a circunspecção específica dos nossos tempos de preocupação generalizada, devido à eminência da tanga, pois Pathelin, valha a verdade, ainda conseguiu fazenda.
De facto, nas eleições para a substituição de L. F. Meneses, na gerência do PSD, P. P. Coelho (e até S. Lopes) tiveram bastos votos de par com M. F. Leite, mas não me assustei, porque o ouvi afirmar a sua lealdade e respeito para com esta, elogiando-a nos parâmetros que todos lhe reconheciam, de elegância, dignidade, e na firmeza discreta mas certeira das suas mensagens. Estávamos todos – os que amam o país – sedentos de elegância, dignidade e orientação firme nos meandros da política. Todos, menos alguns – do PSD, pelo menos – que continuavam a lutar pela sua saliência, indiferentes à derrocada desse país que esses divisionismos favorecem.
Isso deve ter contribuído para o desgaste físico e psicológico de M. F. Leite, que acabou por se deixar ir na onda, propondo um pobre vaidoso para a Câmara de Lisboa, mostrando menos fôlego combativo contra a política de arruinamento nacional, perpetrada pelo governo gerente.
E P. P. Coelho e a trupe apoiante aproveitam as falhas da mulher que inicialmente aquele elogiou, prometendo apoiar, para ele próprio “se lançar”, e assim desorganizar, indiferente ao país, na mira do posto.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

“Sofistas que me ensinaram / maus caminhos por direitos” – Camões, “Sobelos rios”

Foi Strepsíades que, crivado de dívidas, decide recorrer à escola dos sofistas orientada por Sócrates – o outro – para aprender a arte de se livrar dos credores sem pagar, tudo isso por meio de argumentos igualmente comprovativos do justo e do injusto, sem preconceitos morais, segundo consta na peça de Aristófanes, “As Nuvens”. Tão bem se saiu, que trouxe para casa a arte de argumentar sobre valores opostos, e com a vitória da tese fraca - a da Injustiça - convenceu seu filho Fidipides, antes calaceiro e refilão, a ir para a mesma escola de Sócrates, contra o qual Aristófanes lançava um espinho caricatural desfigurador. De regresso, Fidipides após arrazoado comprovativo da sua justeza, deu uma tosa ao pai, prometendo, de caminho, desancar igualmente a mãe. Strepsíades, indignado, deita fogo à escola e desta feita se denuncia a tese de Aristófanes, punidora do filósofo ateniense.
Em Portugal também nós vivemos crivados de dívidas, que o nosso Sócrates bem se esforça por remediar. Não, de modo nenhum ele vai nessa conversa dos sofistas e do Strepsíades, querendo provar que os calotes podem ser pagos ou não. Vê-se que não seguiu a tão falsa escola e faz os possíveis por pagar e ajudar, digam lá o que disserem. O mal é que vêm os outros que o atacam por todos os meios. Deixam, porém, na manga, é certo, uma carta de favor - com sofisma - por via de alianças futuras.
Entre estes conta-se o Dr. Louçã, que expele os seus argumentos, rectos, justiceiros, mastigados em voz vibrante e altiva, qual Júpiter no “Consílio glorioso”, em jeito enérgico, de inteligência espraiando-se a fim de captar aliados para a sua aliança com aqueles contra quem declama agora. E a verdade é que o povo - o nosso - se mostra impressionado, como as sondagens comprovam.
Mas já tantos foram, após a nossa Revolução, como o Dr. Louçã, ricos em promessas de intenções morais que depois não cumpriram, que nem sei o que fazer.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Falar à séria ... só para rir

Andar à tona, aos bordos, à bolina, à babugem, aos caídos, à roda; mandar / ir à fava, ou à ... (isso que se diz em caso de crise), ir aos arames, ou à faca ou às sortes; atirar / lançar / mandar às malvas ou às urtigas; viajar à borla, navegar à vela, viver à custa de, morrer à míngua de, chegar à fala, chegar – ou não - aos calcanhares, à altura; ir / vir à boleia, ficar à mercê, à escuta, andar às aranhas, à nora...
E muitas mais expressões, formadas, a sério, por verbo seguido de complemento circunstancial ou nome predicativo do sujeito, constituído por artigo definido contracto por meio de crase com a preposição a e por substantivo abstracto ou concreto.
Mas hoje em dia prolifera oralmente ou por escrito o aborto à séria, formado não por substantivo, mas por um adjectivo feminino no singular, (talvez por analogia com os correctos plurais femininos "às claras", às escuras" ), chegado à pressa e às escâncaras dos confins da inércia educativa resultante dos maus princípios escolares que aboliram técnicas fundamentais para o ensino da língua - a gramática a sério, o ditado a sério, com as velhas estratégias da repetição vocabular escrita e da memorização em cantilena colectiva ou individual.
Poupemos carinhosamente os meninos e meninas, que não precisam de fixar tabuadas, porque as contas fazem-se nos computadores, nem de distinguir o adjectivo do substantivo ou do verbo, deixemos este navegar pelos faze-mos que assim curti-mos a vida sem preocupação pelo correcto, repetindo à exaustão o tu dissestes ou mandastes, ou o hadem e o hades e o houveram e o diz a ela porque o pronome lhe se eclipsou, e o por aí fora dos dislates sem nome com que a própria televisão nos “favorece” a cada passo, em traduções descuidadas, ou até na oralidade precipitada daqueles cuja promoção nos cargos foi favorecida, talvez, não por concursos “a sério”, mas por processos sem seriedade, muito nossos.
Mas temos tanto já com que nos preocupar, na crise em que mergulhamos, que os “pontapés” na gramática portuguesa são bem de pouca monta. Sobretudo se comparados com os pontapés do Ronaldo na bola. Que estes, sim, é que dão dinheiro “à séria”.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

“O Maior Português de Sempre”

Houve há tempos um programa televisivo – “O maior Português de Sempre” - que mereceu o meu entusiasmo. Ocorreu-me o nome de António José Saraiva como figura de extraordinário relevo pátrio, e desejei lançar o seu nome na ribalta dos maiores. Porque ao seu valor intelectual, de que o país disfrutara ao longo de várias décadas, aliava um comportamento moral superior, de seriedade, que não se deixou corromper pelos condicionalismos das suas próprias ideologias. Se fora comunista, soubera reconhecer, após verificação, quanto o comunismo continha de monstruosidades no papel dos seus leaders soviéticos. Se fora adepto de uma mudança no Portugal de Salazar, soubera reconhecer quanto a mudança favorecera a libertinagem, o desregramento, a desorientação no trabalho, do povo, a par do esbanjamento de uma bondade - real ou fictícia - pelos deserdados, já na literatura, já nas canções, já nos meios de comunicação. Além de que a “glória de mandar” se mantinha, afinal, imutável, nos novos dirigentes. Apesar da democracia.
Mas ao nome de António José Saraiva e ao respeito pela sua figura, aliava-se a admiração e ternura pelo irmão – José Hermano Saraiva – que tendo seguido o modelo político tradicional sem a rebeldia do irmão, se adaptou ao novo modelo político, não, suponho, por ambição ou volte-face oportunista, mas para impor um travão no tal desbragamento a que a democracia “sem luzes” conduzira o povo português. Foi ministro, mas foi também, além de historiógrafo, autor de programas televisivos maravilhosos, onde, a par do seu amor pelas coisas e homens da história e da geografia portuguesas, o seu dom da palavra oral se impôs, em argumentação e sequência de pensamento entusiásticos, aliados ao sentido crítico pelos governos indiferentes ao património nacional.
Dois irmãos inseparáveis, quais Dioscuros, ambos corajosos na reivindicação e análise dos valores humanos e pátrios que vamos esquecendo. Daí a minha opção por ambos, no programa citado.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

António José Saraiva, um filho não de Saturno, mas do evo

Presto homenagem ao Dr. António José Saraiva, que há longos anos desejo prestar-lhe. Pela sua qualidade intelectual na expressão das ideias, onde a razão, sem cegueira, é ponto-charneira de um estilo claro, lúcido, objectivo, rico de conteúdo e de expressão linguística sem artifício.
A ele devemos, entre tantos vários estudos, a “História da Literatura Portuguesa”, conjuntamente feita com Óscar Lopes, livro que permanece sem substituto, “filho de Saturno”, talvez, mas com tendência a ultrapassar esse condicionalismo de efemeridade, para a região da Imortalidade, antes como “Fénix”, se formos menos cépticos do que ele e o próprio Álvaro de Campos, tão conscientes desse devorar do tempo que rege o mundo físico.
É deste extraordinário volume “Filhos de Saturno”, que transcrevo, sem fé, é certo, o lúcido excerto escrito em 1979 – “O 25 de Abril e a História” – tão actual neste fevereiro de 2009, quais Fénix que viverão “ad aeternum”, renascendo das suas cinzas - texto e povo a que aquele se reporta:
“... Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regime, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os mesmos não substituíram os mesmos; a um regime monopartidário substituiu-se um regime pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: “a longa noite fascista”.
Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto, e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes....”
Seguem-se os exemplos.
Recomendo a leitura deste “Imortal”, embora o seu efeito conscientificador obtenha resultados idênticos aos dos professores de todos os tempos: só atinge os alunos interessados.