segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Manipulações

Ouvi ontem, no “Eixo do Mal”, a discussão sobre a manipulação dos media pelo Governo. Ouvi os protestos dos que se afirmam isentos, dos que se acham eles próprios livres, dos que não aceitam que haja manipulação do PS, e não acreditei no que disseram.
Desde o 25 de Abril que há, de facto, manipulação de opinião. Sei-o por experiência própria porque tive a ingenuidade de acreditar que ideias opostas à tal de “democracia”, já bem badalada na altura, era de facto um facto, e até tentei alinhar em opiniões divergentes daquelas que significavam a destruição da pátria de então.
Foi-me imposto silêncio, contrariamente ao ideal democrático, no “Notícias” de Lourenço Marques, passei a escrever com afinco, depois de falar com o dono da Livraria Folques para que me publicasse “Pedras de Sal”. Renitente embora – o medo já estava instalado – acabou por o editar. Foi o único livro em que não desembolsei do meu dinheiro, exceptuando um estudo sobre “Os Maias”, que a “Plátano” publicou cá, mas graças ao empenhamento dum amigo.
A ânsia patriótica e a angústia do descalabro encontraram apoio, e as minhas “Pedras de Sal” puderam sair. Estou convencida de que o dono da Folques chegou a reembolsar-se da despesa feita com o meu pequeno livro, pois eu própria lhe comprei os vinte exemplares que trouxe para cá, e tive a grata emoção de ouvir uma colega de pé no seu carro descapotável, com a família, gritar-me - no ajuntamento junto ao Rádio Clube, em 8 de Setembro, que as tropas portuguesas de lá tinham ocupado para o defender das outras tropas mancomunadas com os terroristas, ajuntamento de milhares de pessoas, onde fui com a família, levar os restos da festa dos catorze anos de uma filha, e defender o Rádio Clube com a nossa presença – tive o espanto de ouvir a colega gritar-me que também deviam a mim aquela “festa”. Fora, pois, uma das que comprara o livro, outros talvez o fizessem também, para satisfação minha que não gostaria de dever ou prejudicar ninguém, e sobretudo o Sr. Folques, que foi um “bom companheiro”.
Aqui, continuei a escrever, a livraria Santelmo gabou-me o livro – "Cravos Roxos – Croniquetas verde-rubras" - mas tive que pagar a edição. Ninguém, neste país, ousaria publicar textos marcadamente reaccionários. Todavia, recebi, salvo erro no ano seguinte à publicação, nos anos 80, o pedido para enviar uma meia dúzia de "Cravos Roxos" a um júri dum concurso literário, o que fiz de bom grado. Mas prémio não tive, nem cheguei a saber quem me fez a proposta. Muito mais tarde, quase no fim do século, veio à baila o meu “Anuário – Memórias Soltas”, sem reflexos positivos, mas sem castigos também, a não ser o da falta de reembolso.
Como diria o Solnado, “esta é a história da minha vida...”, e uso-a para explicitar que houve sempre, neste arremedo de democracia, manipulação ideológica. Na imprensa, na rádio, na televisão.
Mas o PS mantém-se há muito no comando e, mesmo que se ataque o PS – muitos o fazem - o facto é que ninguém pode utilizar uma linguagem que lembre o passado. A não ser no “Portugalclub”, que até aceita todo o tipo de opiniões.
Vivemos actualmente uma época de falcatrua, não só as opiniões são manietadas, mas os dinheiros são manipulados e não convém avançar muito nas pesquisas. A TVI fazia-o, e a TVI desfez-se de pessoas incómodas. As falcatruas continuam singrando, a própria Justiça não funciona nem com a presteza devida, nem com a integridade que se pede, arrastados os casos infinitamente, caladas ou desfeiteadas as pessoas que se lembrem de aclarar as questões. Mas já não se fala de pátria, sensíveis ao povo, e isso todos o são. Para encobrir as sensibilidades mais de interesse pessoal.
E as pessoas que afirmam que são consciências incólumes e livres não falam verdade. Porque quando se apoia tão significativamente a figura do destruidor maior da nação, como o faz a figura feminina do Eixo do Mal - Clara Ferreira Alves - que troça do seu Presidente porque este não tem a sua cultura, mas que apoia Mário Soares a quem não quer reconhecer a mediocridade de um discurso de anedotário, para além do pormenor, para a maioria, aliás, insignificante, de ter sido vendilhão da pátria, essa pessoa não está a ser tão escrupulosamente isenta, mau grado algumas das suas opiniões que parecem de uma pessoa esclarecida, humana e justa.
Mas os espezinhadores da pátria nunca são pessoas justas.

domingo, 29 de novembro de 2009

Loisas e coisas

A minha amiga estava escandalizada. Foi a respeito do jogo Sporting-Benfica:
- Eu estava a ver aquilo e fiquei pasma. Sabe quantos polícias ali estavam? 500! Quinhentos! Vai tudo para a guerra. Lisboa fica despovoada. Foi preciso criar um espaço entre as duas claques! E ainda rebentaram um petardo! E lançaram garrafas e pedras!
- A nossa entifada!
Ignorou.
- Isto diz tudo! E é futebol! Ou melhor, é por ser futebol! É preciso a polícia armada para afastar os fulanos. Porque estes odeiam aqueles e aqueles odeiam estes.
- Vê? Tal como os palestinianos e os israelitas. À pedrada.
- Ora nós, com tantos problemas para resolver! Foi preciso criar uma barreira, uma clareira para os selvagens não se aproximarem. E eu pensei assim: “Aquilo é a juventude deste país, cá da gente!” Incrível! Incrível!
- Pois eu mudei de canal, enojada com tal saloiada nossa. Passei à TVI 24. Estava a dar uma reportagem sobre as tropas americanas no Afeganistão. As tropas americanas que estão ali para defender algum do povo afegão contra os talibãs, em condições miseráveis, alojados numa escola esburacada pelo tiroteio dos talibãs, dormindo no chão, num calor insuportável, falando com o timorato povo afegão, que obedece a ordens dos talibãs, sob pena de serem executados... Mas protegidos pelos rapazes americanos, que prometiam continuar a defendê-los, apesar das condições incríveis. Mostraram a barragem e os canais de irrigação construídos pelos americanos, para fertilizarem aqueles espaços de terra seca, e que serviam também para os talibãs ganharem fortunas no cultivo da papoila e no alastramento da droga. Que mundo de non-sens! A nossa rapaziada curte o futebol, não pensa sequer em se ilustrar. Atira pedras aos do clube rival.
- Tenho pena dos polícias, em todo o caso. É uma profissão de risco.
- Se é! Com tanta loucura à solta!
Mas mudámos para um tema mais prazenteiro. A minha amiga contou:
- Veja como os nossos serviços funcionam bem! Quando se morre avisam-se os serviços todos. Mas alguns serviços continuam a enviar cartas e reclamações. Uma vizinha minha viu-se grega para conseguir que os serviços parassem de mandar avisos, ainda muito depois de o marido ter morrido. No ano passado, depois de a minha ex-empregada doméstica Gabriela ter morrido, foram avisados os serviços do facto, a C.G.D. em primeiro lugar. Pois a C.G.D. continuou a enviar correio para a Gabriela. Um dia, escrevi no envelope da carta que devolvi: “Morri”. Mas agora, ao receber nova carta de advogados, respondi: “Exmos Srs. Doutores: Infelizmente morri no dia 10 /11/ 2008 e a v/ constituinte PT Comunicações foi informada.”
Terminou assim na galhofa a nossa bica de hoje. Mas em casa, enquanto fazia o pudim caramelo da marca "Pingo Doce" – porque hoje é domingo – ouvi uma reportagem sobre crianças deficientes, tratadas com doçura num hospital da capital. E perante tal injustiça da vida sobre crianças inocentes e a dor permanente dos seus pais, sentida segundo a segundo, heroicamente, a vida inteira, disfarçada no momento para brincar com os filhitos, toda a revolta perante o nosso nacional estado de sítio incontornável se desvaneceu, numa dor maior de impotência.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Textos da saudade, textos de evasão

Lembrou bem, Salles da Fonseca, o poema simples de Manuel BandeiraVou-me embora pra Pasárgada”, lembrou bem o belo poema de Baudelaire L’Invitation au Voyage”. No seu texto de “A Bem da Nação”, sobre o significado da Diáspora, que expandiu a lusofonia por estradas várias do mundo, num formigueiro de inquietação que desde longa data nos fizeram assentar arraiais longe do lar, para voltar sempre a ele, em saudoso retorno, bem à maneira do “Regresso ao Lar” de “Os Simples” de Guerra Junqueiro, na romântica amargura dos seus roteiros de desilusão:

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu ditoso saudoso lar!...
Foi há vinte?... há trinta? Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas, para me eu lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...

Não foi verdade, em todo o caso, que fossem só de desilusão os roteiros a que se refere Junqueiro, creio que figurativamente. Não foi por terras dos descobrimentos que andou perdido, penso que se refere às saudades da infância, tema que Pessoa retomará com maior originalidade, nos paradoxos da sua angústia existencial:

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem, que não sei,
Vista através da vidraça
Do lar que nunca terei.

Aprendemos na história que o sonho do Império, para além da expansão da fé, repousava sobretudo na ambição material, por roteiros marítimos, livres da fiscalidade e perseguição a que a rota pelo Levante era sujeita. Mas a evasão e o sonho também estiveram na origem dessa epopeia, que Salles da Fonseca ilustra com os dois poemas primeiro citados:
Assim, de Manuel Bandeira, na simplicidade da linguagem corrente, as ambições dos prazeres comezinhos, libertadores das malhas duras da vida:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei.

......
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura...

....Vou-me embora pra Pasárgada.

De Charles Baudelaire, o poema de doçura e evasão, Invitation au voyage, em três momentos do sonho “d’aller là-bas”– o convite, o descritivo do espaço interior imaginário de requinte oriental, o descritivo do espaço exterior, igualmente imaginário, de luz e doçura, visto da janela:

Mon enfant, ma soeur,
Pense à la douceur,
D’aller là-bas, vivre ensemble….

Là, tout n’est qu’ordre et beauté
Luxe, calme et volupté.
….

Salles da Fonseca considera que o sonho da aventura, que veio trazendo os povos europeus desde a sua origem levantina, firmando-os gradualmente nos territórios respectivos, mais ordeiramente os do centro, ou empurrando os mais rebeldes para ocidente, na mira do desconhecido, já dando provas dessa rebeldia no tempo dos romanos, após a epopeia marítima estão confinados ao terreno donde partiram para ela. Na desordem. Sem Pasárgada. E sobretudo sem rei.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A questão do machismo


A minha amiga leu o texto da “mulher barbuda”, ou seja, do provérbio popular que a minha mãe desenterrou há dias dos arcanos da sua memória e logo, deslumbrada pela coincidência, relembrou uma entrevista de ontem, feita pela televisão, que mostrara uma mulher de grande bigodaça, a deixar-nos ainda mais abatidas relativamente à Maitê Proença, moça muito sensível aos pêlos do nosso atraso. A minha amiga acrescentou mesmo: “Espero que a brasileira não tenha visto”, o que eu me apressei a corroborar, em expressão humilde de um complexo que tem a ver com as berças ancestrais, por onde não passaram os artifícios estéticos responsáveis pelas irreverências das desdenhosas maitês.
- Mas a que propósito apareceu a mulher de bigode?
Fora na questão do padre que fugira para casar com uma paroquiana, optando pelo amor terreno em desabono do divino. O povo entrevistado, no meio do qual a mulher com bigode, concordou com a decisão do padre, já bem distanciado da sociedade beata dos tempos do padre Amaro, o qual se viu obrigado a esconder os seus amores com a Ameliazinha, prendada e recatada filha da Sanjoaneira. Tomou-a às escusas, após os serões de iniciação na paixão em casa da mãe daquela e a bênção do cónego Dias, amante desta, e mais a conivência enternecida das beatas de Leiria, amigas da Sanjoaneira. Dela teve um filho que mandaria para os anjinhos à nascença – o crime do padre Amaro - para continuar a sua impecável carreira eclesiástica, já por Lisboa, liberto da presença comprometedora da Ameliazinha que tivera o bom senso de morrer, deixando-o livre para outras afeições menos tenebrosas, na amplidão menos coscuvilheira dos espaços alfacinhas.
O povo entrevistado, incluindo a velha do bigode, já democratizados, a léguas das beatas do século XIX, desculpavam o padre de Carvalhas, freguesia de Celorico de Basto, achando que ele tinha todo o direito de resolver a sua vida em liberdade, já que a nossa igreja ainda não se modernizou o suficiente para liberalizar o matrimónio sacerdotal.
E veio novamente à baila o tema do machismo que, ao contrário do que afirmei ontem, está bem contido na designação “dono” da sentença: “Mulher barbuda, cabra cornuda, vaca embiguda, seu dono ajuda”, e que, por artifício linguístico propositado para atingir uma tese de apoio à mulher – a uma mulher que admiro, Manuela Ferreira Leite – entendi não reconhecer tal machismo. Sinuosidades discursivas também patentes nas actuais políticas de trocas e baldrocas, de escutas assumidas, de escutas destruídas, daí que me ache no direito de ter enveredado por falsa argumentação, segundo a expressão principesca de que os fins justificam os meios.
Não, a mulher portuguesa, mau grado as vezes que se assumiu como chefe de família, quer no tempo das lutas de reconquista, quer no tempo dos descobrimentos, quer, afinal, como escravizada sempre em trabalhos da lavoura tão valente como o seu homem, não deixou de o ver como seu dono, o dono da cabra, da vaca e da mulher. O homem é o dono-mor.
Ei-los que se digladiam, os donos – "dominos", senhores - nas suas lutas pelo naco, os do PSD igualmente, empurrando a mulher digna que os poderia valorizar como grupo, séria, inteligente, com mais capacidade de luta do que a que lhe querem atribuir, tirando-lhe o tapete a cada passo, forçando-a a desistir, quando poderia trazer alguma dignidade a este pobre país de trapaceiros.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mulher barbuda / Cabra cornuda / E vaca “embiguda” / Seu dono ajuda

Estive ontem a tomar conta da minha mãe, que está agora em casa da minha irmã e se rebela de cada vez que esta tem que sair por um tempo mais prolongado. Não gosta de ficar só e chora como um Job abandonado pelo Senhor, apesar de tanto lhe louvar a glória. Quando cheguei, estava a dormir, acordou à hora indevida de “Questions pour un champion”, que me autorizou a ver, e a partir das quatro, fui a filha exemplar das exigências maternas a caminho dos 103 anos.
Comeu o seu yogurte e bolachas, mais tarde chupou a sua laranja, queixou-se do frio, quis ver a sua mala onde guarda algumas finanças em que gosta de mexer, não como o pai da Eugénie Grandet dominado pelo fascínio do ouro, mas com o saber ancestral da utilidade do mesmo, ainda que reduzido a papel europeu de cor e tamanho conforme o valor. Exigiu que eu partilhasse trocos que docilmente aceitei, inspirada no clima nacional de prevenção e receio do futuro sombrio, que faz que se extraia por vezes indevidamente da Banca - mas não foi o caso -, uma vez mais repisou no seu passado de trabalho, desde a infância nos montes a guardar as cabras e mais adiante a ceifar e a carregar molhos de pasto e a cozinhar para a casa farta de terras, de filhos, de gente trabalhando a rogo.
De vez em quando, nas suas evocações canta, embora a voz tenha perdido toda a suavidade das modulações de outrora, a “botar descante”, distinta das outras vozes. Outras vezes conta lenga-lengas que por falta de papel à mão não tenho gravado e bem me arrependo, porque são versos populares originais, que pode não voltar a recordar. Mas ontem eu tinha o papel à mão quando se saiu com a seguinte sentença:
Mulher barbuda
Cabra cornuda
E vaca “embiguda”
Seu dono ajuda.
Ainda não tinha ouvido esta, e fiquei chocada por tais ditames grosseiros, bem distantes do machismo lusitano habitual, e pelo contrário reveladores da sociedade matriarcal que certos cantares de amigo já revelavam e que Cesário tão bem descreve em "Provincianas" - a mulher fêmea determinada e forte, companheira de trabalho vigorosa e útil, tais como os animais referenciados:
Enquanto a ovelha arredonda
Vão tribos de sete filhos,
Por várzeas que fazem onda,
Para as derregas dos milhos
E molhadelas da monda.

De roda pulam borregos;
Enchem então as cardosas
As moças desses labregos,
Com altas botas barrosas
De se atirarem aos regos!

Ei-las que vêm às manadas,
Com caras de sofrimento,
Nas grandes marchas forçadas!
Vêm ao trabalho, ao sustento,
Com fouces, sachos, enxadas.

Mas foram estas mulheres barbudas, de que os actores brasileiros ainda troçam, que originaram o império onde povos vários usam a mesma língua que elas usaram. Um bom exemplo este, a lembrar ao nosso governo, debilitado nas questões da má gerência masculina, que é tempo de experimentar a receita governativa da sentença que ontem ouvi à minha centenária mãe, ainda que desnecessários os aprestos da definição, por via da modernização embelezadora – a barba, os cornos, o umbigo excessivamente salientes.
O mal é que o povo de agora prefere as falácias daquele que elegeu, e o discurso criterioso da mulher que poderia ter eleito lhe passou ao largo, por muita garra que pareça ter.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O Jogo do Amor e do Acaso

Vi no sábado à noite na TV5 a peça de Marivaux “Le Jeu de l’Amour et do Hasard”, uma história de dois jovens desconhecidos – Sylvie e Dorante – prometidos em casamento pelos respectivos pais. Estava-se no século XVIII, eram os pais franceses que cozinhavam os casamentos, de acordo com as conveniências, como podemos confirmar também no lar inglês, em “Orgulho e Preconceito” da Jane Austen, cuja inquieta mãe da Elysabeth Bennet tanto se esforçava por bem casar as cinco filhas, oriundas de uma nobreza de escassa fortuna.
Os jovens Sylvie e Dorante, para não se submeterem sem mais aquelas às imposições paternas, em rebeldia própria de quem já então deseja afirmar a sua personalidade e direito de escolha, decidem trocar de papel com os criados – Lisette e Bourguignon – para poderem estudar o respectivo noivo, a coberto do disfarce.
Orgon, pai de Sylvie, presta-se ironicamente à decisão da filha de fazer de Lisette, sabendo, por carta recebida do seu amigo, pai de Dorante, que também este tivera igual ideia de trocar o seu estatuto pelo do criado Bourguignon; o irmão de Sylvie, Mario, igualmente dentro do segredo, salienta-se na travessura, fingindo um falso amor pela falsa Lisete para estimular os ciúmes de Dorante, no papel de Bourguignon; os criados, no falso papel de amos, desempenham um papel grotesco de enamorados, com linguagem própria da paródia burlesca.
Duas horas de um prazer absoluto, no encanto da representação, cada actor traduzindo impecavelmente o espírito da sua personagem, numa argumentação plena de vivacidade, elegância, humor, a que nos habituara de longa data Marivaux, com as suas peças – e sobretudo esta – expressiva de conhecimento psicológico, na progressão dos seus amores, os protagonistas enganados por falsos papéis que simultaneamente se atribuem, inicialmente negando, por amor-próprio, a atracção que vão sentindo, resultante da elegância de uma linguagem própria de salão a que naturalmente estão habituados.
Duas horas de prazer, duas horas de esquecimento dos malabarismos em que por aqui nos enredamos, encaminhando-nos inevitavelmente para o nosso aniquilamento, como pobre nação perdida.
Duas horas que nos fizeram esquecer como se processa no nosso país o enamoramento dos nossos jovens, ensinados de longa data a dar primazia ao corpo, esquecendo a alma, através da urgência de uma educação sexual responsável, creio bem, pelos casos cada vez mais frequentes de assassínios de raparigas pelos namorados imaturos, que uma sociedade perversa encaminha para a imediata troca de prazeres físicos, mal entrem na puberdade e no enamoramento que julgam definitivo.
A educação sexual nas escolas! O desrespeito pelas sensibilidades das crianças, impingindo-lhes, numa falsa seriedade, noções de mistura com o preservativo, convidativo ao deboche.
Vivemos numa sociedade de deboche, grande parte em jogo de amores de acaso. Daí, cada vez mais os casos de raparigas esfaqueadas, de assassínios, de suicídios, para não falar nos casos de pedofilia que a justiça deixa impunes. Sociedade de violência. Sociedade de corrupção. Sociedade embrutecida.
Que importa a uma sociedade embrutecida o que acabo de citar a respeito de uma peça francesa impecavelmente representada? Não estamos em França.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Brasileiro é outra coisa

Foi isto a propósito da bica. A minha amiga gosta de ser bem tratada.
A empregada veio explicar que a bica pingada era melhor que o garoto, ficava mais saborosa. E esperou atentamente, a ver da anuência. A minha amiga provou e concordou em jeito confirmativo de olhos e de estalo de lábios. E a senhora foi-se embora sorridente, obsequiosa, meiga, brasileira, ainda a falar: “Se não estiver boa a gente que troca”. Daí o comentário da minha amiga: “Brasileiro é outra coisa”. Continuou:
- A diferença deles para nós, a maneira de ser é explicada pela imensidão e o clima quente. Ela diz, e espera para ver se ficou bem. O outro chega – referia-se ao dos domingos, noutro café mais amplo, de pastelaria – e despacha com ar sério, de quem sofre com a vida, sem bom dia nem boa tarde.
- Mas o nosso clima nem é dos piores...
- Não, eu há muito até digo que devíamos vender o sol ao grama. Mas temos que entrar em quarentena de dizer mal. Vem aí o Natal.
- É que não vale a pena dizer mal, já não resolve. Aliás, nunca resolveu.
- Não é só isso! Chateia-me! Tenho que parar de dizer mal.
Hoje não se lembrou de que “Nosso Senhor castiga”, causticada que ficou com as chocarreiras especulações que leu no “Caim” que camaradamente lhe emprestei. Mas logo continuou, embalada, esquecida do seu propósito amistoso:
- Aquele caso que o homem veio contar na Sic, à Rita Ferro! Muito grave! A mulher foi sozinha à consulta no hospital e escreveram que o seu caso era muito grave, para se dirigir a outro hospital. Nem ambulância, nem táxi, deixaram-na sair sozinha. Ainda teve tempo de escrever uma mensagem ao marido, a dizer para onde ia, com o papel do diagnóstico muito grave. Morreu a dar dois passos à saída do hospital. O marido contou. Pensa-se: isto não é possível! Isto é Lisboa! Nem sequer uma aldeia sem recursos. Que desculpa vão os médicos apresentar?
- Às vezes os jornalistas exageram!
- Pois! Mas não se tratou de jornalistas. Este foi um caso contado pelo marido da senhora à Rita Ferro. Um erro também dos jornalistas quando contam sem investigar, prova de baixo nível, miserável. Os jornalistas não têm que investigar se é verdade? Eles não têm vergonha de afirmar sem terem a certeza? Há quem os ponha em tribunal. Mas este foi o marido que contou. Mas isto, ver televisão é um desgaste, aparecem casos de injustiça graves, graves. Era uma mulher nova. Inacreditável! A Rita Ferro é boa apresentadora. O marido vai meter aquela gente em Tribunal.
- Para quê? A Justiça também está em quarentena. Ou mesmo em hibernação...
- Passar-se isto no século XXI, na capital! Há um jornalista do “Correio da Manhã” que se refere ao país como “O Sítio”. Escreve muito bem. Maior desprezo não há. É evidente que não se deve desprezar, o país tem coisas bonitas. Mas como? Umas amigas minhas de Aveiro vieram cá, andaram a visitar Lisboa. A Almirante Reis está um nojo, as lojas fechadas, velhas, sujas. Eu cheguei cá, era nova e gostava. Mas cheguei a ver lixo no chão assim! -
Fez um gesto com a mão, mostrando a altura do lixo.
- Mas eu sempre achei a Almirante Reis muito sombria. Talvez pelos prédios altos.
- Mas tinha lojas. Agora estão a cair.
- Lembro-me do encanto que foi para mim passar na Rua do Alecrim que Cesário referiu:
“E esses negros corcéis que a espuma veste
Sobem a trote a Rua do Alecrim
Velozes como a peste.”
- Dar passeios é em Lisboa.
-Isso é chauvinismo, à maneira do Eça: “O país está todo entre a Arcada e S. Bento! ”
- Eu gostei de Lisboa e fiquei. Tem carisma. E dizem que tem uma claridade diferente. Não sei se é verdade.
- Há muitos escritores que a amaram e a calcorrearam bem, como o Cardoso Pires. Mas não só esses. Uma espécie de “Saint-Germain- des-Prés” dos intelectuais franceses. Sem intelectualidade capaz, como também Eça referiu.
- O Chiado é que ficou bem, depois do incêndio. Mas levou tempo.
- Talvez os incêndios de agora nas políticas e na economia tenham um efeito futuro feliz. A bonança, depois da tempestade...
- Como pode acreditar nisso?É preciso escutar o Medina Carreira.
- De toda a maneira, já o Eça e os outros nos reduziam a “choldra” e ainda estamos. À espera do milagre. É o nosso fado.
- Está visto que não entramos em quarentena. Nem na questão da bica. Brasileiro é outra coisa.

domingo, 22 de novembro de 2009

Época de fábula

Tenho andado a ler um estudo sobre o existencialismo, que me reconduziu a uma época áurea de leituras gratificantes da juventude - “A Náusea”, “As Palavras” e as peças de teatro de Sartre, “L’Étranger” e “La Peste” de Camus, e a Simone de Beauvoir – oh! a Simone de Beauvoir! – a sua “L’Invitée”, as suas “Mémoires d’une jeune fille rangée”, seguidas de “La Force de l’Âge” – que tanta força de vida inspiravam, mostrando como uma jovem criada no mundo burguês convencional da sua família, se fora pouco a pouco rebelando e ganhando a sua própria liberdade na libertação dos preconceitos que aniquilaram a sua grande amiga Zaza, no gosto absorvente pela vida, na sua relação com Sartre, na criação de uma literatura poderosa na sua escrita despojada de artifícios formais e contudo plena de sinceridade e dignidade no uso da palavra rica e precisa.
L’ Invitée servira-me mais tarde para confrontar a trama existencial do romance “Aparição” de Vergílio Ferreira, de expressão lírica, retórica, jogando com a metáfora e o simbolismo, a personagem central Alberto em dúvida existencial permanente, mau grado os prazeres que lhe confere o seu donjuanismo, em duas relações a três, uma terminada em assassínio, pelo ciumento namorado de Sofia, outra terminada na conversão pela fé da atribulada e estéril Ana, cujo marido, pouco literato mas amante da sua mulher a não deixará fugir, dando-lhe, pelo contrário, para criar, os filhos de um maneta que se suicidara, por não poder semear a terra.
Uma acção realmente pouco expressiva, forma de especular - tão liricamente! - sobre as dúvidas e angústias existenciais – o significado do eu como essência, a problemática da vida e da morte - e simultaneamente de ironizar, pela caricatura desprestigiante, sobre uma sociedade preconceituosa vivendo em pacata cidade alentejana.
L’Invitée”, explorando idêntica problemática existencial, num universo de transfiguração e magia, com personagens densamente reais, o Amor e o Ciúme igualmente figurando como molas de uma acção exaustivamente descrita, para terminar no assassínio, por Françoise, da “convidada” Xavière que viera destruir o seu núcleo de harmonia com Pierre, assassínio assumido, como acto profundamente meditado, escolhendo-se a si própria, dentro da determinante existencialista de responsabilidade própria, sem necessidade de um Deus que justifique ou condene os actos de cada um, na ponderação de que cada homem é aquilo que ele próprio se faz..
Outros mais livros li posteriormente de Simone de Beauvoir, sempre no entusiasmo por uma ficção que, mergulhando na própria experiência, transmite a verdade da vida que cada pessoa reconhece como sua, no seu horror e na sua autenticidade.
São, igualmente, universos de Sartre e de Camus os de um existencialismo – ateu - de assunção dos actos próprios, com maior criatividade romanesca, em todo o caso, que surgiram em aplicação da filosofia alemã e russa, e serviram ao clima de tormenta vivido durante e no após segunda guerra mundial, no sentimento de um efémero cada vez mais efémero e absurdo, que apela à responsabilização pessoal, no egoísmo e na indiferença por valores defendidos pelos mitos sociais da burguesia.
Mas outras filosofias se impuseram. Hoje em dia, no caos criado pelos desequilíbrios sociais, pelos excessos de abundância e progresso em oposição com os excessos da miséria e dos horrores de guerras sucessivas de destruição de gente e do ambiente, predomina a ideologia sem estruturação intelectual do “salve-se quem puder” parolo, e muito especialmente nos países com défice filosófico.
Os escritores existencialistas construíram a sua obra sobre fundamentos da sua filosofia inteligentemente estruturada, de especulação metafísica. Os povos, como o nosso, deficitários quer em valores económicos quer em valores intelectuais, usam o pragmatismo e o sentimento exclusivo do seu pobre ego, sem preocupação com o além, o aquém contando excessivamente, sem contas a prestar, figuras de fábula que os antigos tão bem souberam definir. Estamos na época da fábula.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Na Caverna

Hoje, na “Quadratura do Círculo” estavam todos - menos um - muito indispostos com o PM, falando alto. Parece que este tem andado por aí a aldrabar, embora o António Costa, que é do partido, se esforçasse por o defender com unhas e dentes, não só na questão das escutas como de todas as aleivosias de que os invejosos o assacam, sem respeito nenhum pelo seu estatuto, além de que, disse Costa, só quem se considere muito superior em carácter é que pode duvidar do carácter das outras pessoas, coisa que ele, Costa, não faz, donde se depreende que não se considera superior a ninguém em carácter, pelo que não julga nunca o carácter de ninguém.
Espantei-me com a humildade democrática da observação mas duvidei dela, pois não faz senão mandar bitaques aos companheiros de mesa, o que pressupõe que duvida do carácter dos outros, como qualquer pessoa normal, quando verifica que há motivos disso.
O Lobo Xavier também ficou escamado com as alfinetadas de António Costa e respondeu, para exemplificar as aldrabices do PM que, para além de este nunca responder às sucessivas acusações de que é alvo e que já formam uma boa herança para os seus filhos, existia uma certeza a respeito das mentiras de que o poderiam acusar formalmente: na questão da venda da TVI, que chutara os esposos Monis e Moura Guedes, inicialmente ele afirmara não ter conhecimento do caso e mais tarde, apanhado com a boca na botija, foi obrigado a confessar que o soubera particularmente, mas não oficialmente e que particularmente não contava. E Lobo Xavier considerou que esta mentira confessa abonava todos os outros casos de que era acusado, o que não abonava era o carácter do PM, e isso irritou Costa.
Falou mesmo – Lobo Xavier – em jogo de sombras chinesas, ou jogo chinês de sombras e, embora eu também saiba fazer cãezinhos de sombra nas paredes com as mãos, bem irreais mas muito engraçados, logo me lembrou o mito da caverna socrático-platónica, das sombras que os condenados viam nas paredes dela, resultantes do foco da fogueira por trás de quem passava, responsável por essas tais sombras nas paredes frontais que os condenados se habituaram a considerar reais, por serem a sua única realidade visível, afinal manipulada. Assim somos todos nós, manipulados e ignorantes, que acreditamos nas sombras como única realidade, embora sejam mentiras projectadas pelo foco luminoso PM.
Também Pacheco Pereira se manifestou a favor de Lobo Xavier, afirmando não se tratar de animosidade pessoal, mas que era condenável a insistência na mentira, condenável, portanto, o PM, que assim insiste e promete continuar.
Por mim, já não condeno. Desde que fui crédula relativamente a Manuela Ferreira Leite, como garante de reformas possíveis, uma das quais a do Estatuto da Carreira Docente e vi como o PSD, que fora a favor do rasgar de propostas do PS, entre as quais o tal Estatuto, se abstivera na votação das propostas educativas do CDS-PP, deitando por terra as perspectivas de mudança de um processo educativo indecoroso, e as ilusões de milhares de professores, num traidor rebaixamento ao PS, sugerindo outras deslealdades para com o país que neles confiou, já não condeno o PM nas suas mentiras.
Vivemos na caverna. E temos muitos projectores de sombras na nossa realidade.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Honestidade, a maior das vergonhas

Falávamos nos casos em julgamento, em todos aqueles que são responsáveis pelo clima, dos pioneiros na criação desse clima, que até têm Fundações sem que se lhes veja proveito e que são pagas religiosamente pelas Câmaras, sem que se lhes diga que isso também é uma forma de sugar, de corromper, de convidar outros a usarem de falcatrua, de artimanhas, de dilapidação contínua, e mais outros e outros, e cuja publicidade feita pelos media, deixa os tais pioneiros indignados pelo clima de corrupção identificada, identificação que os pode atingir também um dia, quando lhes passar a aura sob a qual se têm resguardado como salvadores da pátria, na realidade como seus destruidores, aproveitadores da cegueira dos que se alimentam de falácias papagueadas a demonstrar que leram uma qualquer cartilha informativa de proveito próprio.
Falei em seriedade, em honestidade, como valor ético em vias de extinção.
- Oh! A honestidade é a maior das vergonhas!
Isto considerou a minha amiga e sobressaltei-me, julgando que estava a pôr em descrédito a minha idoneidade moral:
- O quê?
- Pois! Temos que esconder a cara, se queremos apregoar moral. Isso não existe. Ainda vai presa.
- Não é assim, claro. Felizmente há muita gente séria entre nós. Mas é preciso repolitizar a escola e a família, em termos de disciplina mental e moral. Doutra forma, a sociedade vai cada vez mais descambando em charco pútrido, de papões sem escrúpulos engolindo os parolos, na sua perspectiva omnisciente, que lhes dá a imoralidade omnipotente.
- O pior é que alastra o desemprego, com o alastrar desse clima. Está na ordem do dia. Não sei como se resiste!
- E já viu o jogo de interesses que está por trás da ameaça de pandemia da gripe A? Ao pé de tais enormidades de laboratórios e farmácias, os nossos “jogadores” não passam de uns anjinhos bem vestidos. E a vacina pode ser fatal. Recebi um email com o discurso aterrador da ex-ministra da Finlândia alertando para as intenções de extermínio da humanidade, nessas ameaças de sucessivas variedades gripais, que começam por avisos e acabam em vacinas, distribuídas, no que toca à Gripe A, em quantidades já monstruosas, depois do prévio alastrar de pânico mundial.
- É o que eu lhe digo! A honestidade é a maior das vergonhas! E a nível global, não devemos ser egoístas.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ai, eu sou arguido

Perguntou-me a minha amiga se eu tinha ouvido a grande notícia sobre a nossa balança económica do 3º trimestre em franca recuperação, mesmo superior à dos povos europeus, nos 0,9 % de saldo positivo, devendo-se o facto às importações de Angola, que preferem vir cá comprar o vestuário e os cremes e perfumes personalizados e os automóveis topo de gama, mais baratos aqui do que na América e mesmo na Europa, além de que temos a língua em comum. Eu respondi que sim, que ouvira, e até pensara que isso se devia ao facto de o nosso PM ser, não só bom gerente da nossa balança comercial, como igualmente um modelo de elegância e bem vestir, exemplar chamariz da elegância do povo angolano, em dignificante demonstração de marketing de que nos devemos orgulhar. Além de que, na questão da língua, também contribuiu nobremente para a uniformizar.
Mas a minha amiga enfureceu-se comigo pela insensibilidade que demonstrei perante o quadro das crianças angolanas para as quais se fazem peditórios, para elas não morrerem à fome, enquanto os donos do capital autêntico de Angola vêm largar as suas maquias, resultantes de um solo fértil em combustível e pedraria faiscante, em luxos faraónicos, superiores aos do próprio Dubai.
Fiquei esmorecida ao ouvi-la ironizar sobre a minha insensibilidade ou ignorância dos casos desumanos, e só pude responder que o que eu desejava de facto, era que a nossa balança continuasse a subir, mesmo que tivéssemos de seguida que distribuir parte dela para sanar a fome das crianças angolanas que não pertencem à gama do topo, nem mesmo a outra qualquer gama de valor positivo.
Isto trouxe à baila a sacrossanta corrupção de que não me apetecia falar também, mais interessada em saber se estivera com as suas amigas e do que tinham falado. Ainda contou de uma do grupo, que era professora, com quem metera conversa porque a vira tomar um xanax e ela explicara que só consegue aguentar as aulas e o resto, enfiando tranquilizantes de controlo médico.
Perguntei seguidamente se não ouvira ontem o “Prós e Contras”.
- Não ouvi, não! Aquilo não é para ser ouvido. Quem aguenta ouvir à uma da manhã!
- Bem! À uma hora é quando acaba! É um programa comprido!
- E as pessoas que trabalham conseguem ir até ao fim? E estamos a pagar por um programa que não podemos ver? A minha raiva é porque não vejo!
- Eu ontem consegui ver os malabarismos cínicos e até as más criações dos que sabem que vão ganhar! Uma chamada Moreira, muito deselegante com um professor universitário da linha oposta, que defendia, naturalmente, a família, na sua qualidade irrefutável de procriadora e continuadora da raça humana. Cá por mim, sou a favor do referendo. E gostei de os ouvir, a todos os que defenderam o casamento entre os dois sexos, a começar pelo Ribeiro e Castro. Mas foram vários, entre os quais uma senhora da assistência, que argumentaram muito bem, contra a “dignidade” que os da linha homossexual acham que vão obter se legalizarem o casamento.

- É! Eles vão ganhar, já se sabe, o Sócrates não vai nisso do referendo. Para quê? Num mundo de bandalheira e miséria económica, que importam os casamentos do mesmo sexo? As crianças que esses casais poderão adoptar também se habituarão a explicar aos seus amiguinhos da escola que são filhos de dois papás ou de duas mamãs. Temos que ser modernos e sensíveis à dignidade e aos direitos de toda a gente, claro, menos aos direitos e dignidade das crianças, de serem filhos de um pai e de uma mãe, como os outros. Mas agora, se se receber convite para casamento, impõe-se a pergunta: “com homem ou com mulher?”
A minha amiga retomou a corrupção:
- Qualquer dia neste país as conversas fazem-se assim: “- Então já és arguido?” “- Eu já! E tu?”
E continuou, lançada:
- Não tem a mínima importância! Nós estamos a ser direccionados e governados e espezinhados por implicados em crimes vários.
- Fala também do Sócrates?
- Esse ainda não é! Não vai ser! Mas o historial é incrível! Como é que vai ser com as provas destruídas? Hoje o ser arguido não é vergonha nenhuma!
- Oh! É uma honra!
- É certo que ser arguido não é ser culpado. Mas nenhum vai ser culpado. Aqueles arguidos não há maneira de serem culpados.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

“Mea Culpa”

Hoje a nossa conversa foi de “mea culpa”. Fartámo-nos de nos penitenciar. Porque andamos sempre a apontar defeitos aos nossos políticos, porque os queremos com mais virtude, é certo, a nossa intenção é generosa, direi mesmo construtiva, e afinal não passa de um argueirozito insignificante aquele que vemos nos olhos deles, e no seu procedimento, porque bem maior é a tranca que descobrimos nos olhos e no procedimento dos povos que praticaram crimes de que se manifestam agora contritos. Até estranhámos que se tenham portado tão mal, pois, para todos os efeitos, são raças superiores que deviam ser mais comedidas nas suas acções, comedimento que a educação e a “Magna Charta” fariam prever que tivessem.
Hoje chegou a vez do ministro inglês, Gordon Brown pedir desculpa – só pelo Ano Novo, em todo o caso - às gerações perdidas dos meninos que há séculos – desde 1618, estou a seguir a notícia do DN - foram retirados aos pais e aos orfanatos e enviados para várias partes do Universo terráqueo pertencente ao Reino Unido - Estados Unidos, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, África do Sul e antiga Rodésia – aparentemente para viverem melhor, mas na realidade para fins de manutenção da raça branca qualificada nessas terras, embora sujeitos a abusos vários, com os seus pais desconhecedores do paradeiro dos filhos, estes, por seu turno, convencidos de que os pais tinham morrido, como lhes era afirmado, para cada um se conformar melhor com o seu destino.
Mas já as teorias do apuramento da raça, pelo menos da germânica também foram seguidas pelo próprio Hitler, com muito afinco, num ideal de pureza a que as próprias mulheres alemãs se sujeitavam com verdadeira adoração pelo Fuhrer, e os Judeus que não conseguiram livrar-se, com, certamente, o terror natural perante um tratamento de demência.
Acho que algum dos chanceleres alemães actuais já pediu perdão aos Judeus pelo extermínio, e até o Papa João Paulo II o fez, não sei se de joelhos na terra de Israel, mas o nosso Mário Soares não lhe ficou atrás em pedido de desculpas - embora, naturalmente, sem genuflexão - pela nossa responsabilidade nos castigos e autos-de-fé económico-religiosos cometidos há uns séculos atrás.
Mas a primeira a dar o passo nessa coisa das desculpas às “gerações perdidas” foi mesmo a Austrália que, e transcrevo “vai pedir desculpas – já hoje – aos sete mil migrantes britânicos que ali sofreram abusos. O chefe do governo de Camberra, Kevin Rudd, irá recordar os “australianos esquecidos” e reconhecer os maus tratos a mais de 500 mil crianças mantidas em orfanatos entre os anos 1930 e 1970”.
Nós ambas até comentámos sobre a relativa bonomia em que vivíamos nas terras que os antigos descobriram, ao contrário do que os Mários Soares de cá quiseram propalar relativamente aos colonialistas fascistas, mas isso são águas passadas.
Um dia – se lá chegarmos, isto é, se ainda a velha nação valente fizer parte do mapamundi – talvez algum ministro ou presidente da nossa República peça perdão também às gerações perdidas dos nossos pseudo-estudantes de agora, mártires da nossa incúria educativa, carrascos actuais no seu comportamento discente, consequência da nossa idiotia educativa ministerial.
Um dia alguém irá pedir perdão às nossas gerações perdidas. Há sempre algum Noé que se salva nos dilúvios, para o acto de graça de pedir perdão.

sábado, 14 de novembro de 2009

Os casos que a gente mal conhece

Falávamos dos casos já antigos, um da Universidade Moderna, outro duma Universidade particular de Coimbra. Outras universidades havia, também fechadas por falcatruas. Eu citei o caso da Inês, a minha amiga conhecia o da Ana Joel. Deram aulas alguns anos nas respectivas universidades privadas e não receberam os vencimentos a que tinham direito. Milhares de euros. Não teve importância. Deixou de se falar disso.
Porque outros casos vão surgindo e morrendo, naturalmente, suavemente, sobrepostos insinuantemente e paulatinamente por outros mais, girândolas contínuas de fogo de artifício, que nasce, brilha e morre dando lugar a outras girândolas e a outras, em festa contínua. Assim vivemos.
E os casos são compostos por gente dos partidos, enfiados nos altos postos por amizade dos chefes dos partidos, acompanhados pelos seus capangas que tudo observam, cozinhando reputações, cozinhando as suas poupanças, previdentemente, mentindo descaradamente, levando o país pequeno a um empobrecimento gradual, partindo seguidamente para outros cargos no estrangeiro, ou outras vidas lá fora, sem preocupações, depois de engordarem cá dentro na preocupação do aforrar, enganando.
E a minha amiga vai dizendo:
- Mas não é toda a gente que se importa. Converso com pessoas que não protestam. Tenho que começar a evitar ler e ouvir. Ser analfabruta. É porque já não estou bem, não posso ouvir. Porque acho uma coisa que às vezes nem quero acreditar que isto é assim.
E mostrou-me um recorte do “Correio da Manhã”, com um texto do jurista Carlos Abreu Amorim, “Heresias”, com o título “Estou farto, farto, farto” que transrevo:
“Estou farto de uma justiça talhada para que a verdade dos factos se perca no emaranhado burocrático dos tribunais. Estou farto das guerras deprimentes entre Noronha do Nascimento (STJ) e Pinto Monteiro (PGR) que só revelam – para além da obsessiva sua cegueira – falta de grandeza humana para as funções tão elevadas que ocupam.
Estou farto de um primeiro ministro que saltita alegremente por entre casos suspeitos e nauseabundos (licenciatura, Cova da Beira, as casas beirãs, os apartamentos lisboetas, o Freeport, e, agora, a “Face Oculta”. Estou farto do seu tom de mártir improvável, do seu ar postiço de quem é permanentemente injustiçado por todos aqueles que não confiam nas suas pseudo-justificações. No fundo estou farto desta III República.”
E a minha amiga continuou:
- O Dr. João Palma é um advogado do sindicato dos advogados. Estava assim como nós, por não haver os esclarecimentos que são precisos, mas muita mentira à mistura. Mas eu tenho a impressão de que depois quem fica mal são eles.
- Ah! Não tenha dúvidas disso!
-A “Face Oculta”! Fica tudo em nada, é tudo negado, rasgado, apagado, as escutas não podem ser ouvidas. A polícia trabalha para pôr estas coisas à vista e dá tudo em nada, deve ficar para morrer. Os jornais estão na mão do Governo, o Varas controla, no BCP, as contas do Diário de Notícias...
O Código de Processo Penal parece que não permite que sejam feitas ao PM escutas sem serem autorizadas. O juiz manda uma certidão com mensagem detectada para que fosse autorizada a escuta. Quem apanhou o caso foi o Procurador G.R. Mais uma batata quente para este: ponderou, atrasou, demorou tempo a mandar para o SupremoT.J. Os atrasos dão polémica. O PM é a grande vítima... E assim vamos vivendo.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Os nós górdios da nossa Educação

Perguntei à minha amiga se tinha ouvido a entrevista da Isabel Alçada.
- Acho que há uma diferença abismal entre essa e a outra. Mas eu cada vez tenho menos paciência para os ouvir. Até ouvi-los é sacrifício. Mais vale ser burro.
- É. Estamos saturados. Mas eu fui passando a ferro para aguentar melhor. E até perdi “Uma Família às Direitas”. Só para ver se havia novidade.
- E havia?
- Não, por enquanto. Temos que fechar o ciclo da avaliação. Em Dezembro. Para distribuir mais excelentes, bons e muito bons pelos que cumpriram direitinho. Seria desperdício não chegar ao fim. Mesmo que tudo fosse errado na avaliação. Se o monte de esterco é para ser finalizado numa data xis, temos que esperar pela data xis para eliminar o monte de esterco. Só depois se poderá alterar.
- Mas é assim tanto o esterco?
- Vejamos! A selecção entre professores titulares e não titulares foi feita arbitrariamente, com injustiças gritantes que catapultaram muitos professores por sobre outros, confiando-se-lhes um papel de avaliadores de competências quando eles próprios as não tinham, pelo menos do ponto de vista cultural. Não foram sujeitos a exame prévio. Claro que o Ministério lhes forneceu formação posterior, mas a escolha foi arbitrária e isso é injusto. Um ponto de partida errado.
- Mas como justiça é o que menos temos por aqui, os professores já deviam estar habituados e resignar-se.
- Pode ser que sim. A partir de Dezembro se verá. A Isabel Alçada diz que sabe dar-lhes a volta. É meiguinha, doce, sorridente, a rapaziada cai-lhe aos pés. Deve estar habituada a que lhe caiam aos pés. Para mais tem o compadrio do PM, diante de quem todos se curvam, temerosos. É preciso respeito.
- Mas o que achou dela?
- Acho que disse umas coisas mais ou menos atamancadas para não se comprometer muito. Não se atreve a cortar o nó górdio criado com o tal monte de esterco. Isso está bem para os Alexandres Magnos não para as Isabéis Alçadas.
- Está muito violenta.
- Não tenho paciência para os cinismos. Por exemplo, uma das coisas que ela disse na entrevista, quando a Judite de Sousa a pressionou sobre a urgência da destruição do processo de avaliação foi que “na Educação quando se destrói o que está para trás está a fazer-se um erro enorme”, indiferente à destruição da Educação causada pelo tal processo de avaliação, aliás, destruição que foi sendo perpetrada a partir da própria Revolução de Abril, sobretudo na redução da exigência disciplinar e educacional. Mas o processo de Avaliação da ex-ministra foi um atentado idêntico aos dos terroristas da Al-Qaeda ou da Eta, para não falar dos dos antigos terroristas das Áfricas e das Américas que levam tudo raso. A ex-ministra e o PM fizeram tábua rasa do ensino, das competências dos professores, criaram uma espécie de terra queimada para lançarem o seu esterco, indiferentes aos sofrimentos e injustiças que provocaram. Esta simpática ministra acha que tem que concluir o processo, respeitar o trabalho dos professores avaliadores e dos avaliados submissos, embora continuando a desrespeitar os insubmissos ultrajados. E isso é cinismo, embora obedeça a ordens superiores.
- Como será o novo projecto de avaliação?
- A Judite Sousa também perguntou isso. Respondeu vagamente que há muitos cenários. E disse mais umas patacoadas. Nem vale a pena perder tempo. Por enquanto o primeiro processo é que conta. Mas quando afirmou que os nórdicos não chumbavam como nós, esqueceu-se de que as condições dos nórdicos são diferentes. Que as famílias nórdicas, como povos avançados, criam condições para que os filhos progridam, sem os traumatizarem com os chumbos. As famílias cá, que orientam os filhos, também não têm razões de queixa. Mas a ministra sabe que a massa geral nas turmas das nossas escolas é de povos atrasados, de alunos entregues a si e às suas rebeldias e fomes, e que os professores os têm a todos nas suas turmas, os bons e os maus, os educados e os indisciplinados e que parte da aula é desgastada em advertências e inúteis discussões com os alunos de comportamentos malandros. Claro que são necessárias as aulas de recuperação. Mas não chegam.
- Mas ela não prometeu nada?
- Sim, disse que ia “mexer” no estatuto dos alunos, rever o horário dos professores, criar apoio às escolas... O blablabla sem consequências.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Saber sintético em Dicionário rico

Tenho um “Dictionnaire de Citations du Monde Entier” da colecção « Les Usuels de Robert » que nos conduz aprazivelmente à filosofia em sentenças respigadas das obras dos autores e povos, em tradução francesa. Um encanto, poder passar dos autores da Grécia aos da Bíblia, da China, aos ingleses, portugueses, franceses...
Começa pela letra A, pela África do Sul, de que escolhi, de citações ao acaso, do poeta satírico Roy Campbell (1902-1927), as seguintes sentenças: “Detesto a humanidade e todas as abstracções deste género. Os que amam a humanidade detestam, em geral, as pessoas”.
O comentário tem perfeita actualidade, sobretudo entre nós, que tanto esgotamos as abstracções da nossa sensibilidade – filantropia, solidariedade, amor... – em favor de uma Humanidade também genérica e que permitimos as nossas misérias internas de salários miseráveis, de pobreza inconcebível, mesmo dos que trabalham, e dos pedintes que talvez ganhem mais do que aqueles, na sua indignidade do pedinchar, misérias que contrastam, em décalage gritante, com os vencimentos e mordomias dos que têm o encargo de fazer a distribuição dos dinheiros públicos ou dos patrões dos empregos privados.
E põe-se o problema da Justiça. Diz Aristóteles (384-322 a.C): “A justiça é a base da sociedade; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça” .
Temos vivido uma era de crise jurídica, verificamo-lo continuamente ultimamente, não temos como pôr cobro a tanta perversão, não temos julgamentos credíveis, pelo menos os mais mediáticos. E isso, atribuímo-lo à rede. Por isso nos falha a tal “base da sociedade”.
E porque já Platão (428-348 a C.) tinha perguntado: “ Não há circunstâncias em que a mentira nas palavras perde o que tem de odioso porque se torna útil?”, vemos aí a justificação do alastramento da rede – a mentira como inerente às justificações nos julgamentos, ou na argumentação de quem não precisa, afinal, de se justificar, respondendo com ataques aos que desejem obter a verdade, porque, como afirma ainda Platão, “O homem é a medida de todas as coisas”.
No nosso país, esse homem é Sócrates, de quem Platão disse ainda “Ó humanos, dentre vós o mais sábio é aquele, como Sócrates, que sabe que o seu saber é nulo.
Não o poderia dizer do nosso Sócrates, cujo saber é absoluto. Devemos desprezar o outro, como ignorante, que o nosso Sócrates é o maior. Ou não fosse português.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A semanada dos Prós e Contras

O Dr. Basílio Horta, Presidente da AICEP, impacientou-se no “Prós e Contras” da semana, do dia 9/11, contra o despautério dos outros dois argumentistas – um do PSD, José Pedro Aguiar Branco, outro do BE, José Manuel Pureza - que ambos puseram a tónica do seu repúdio sobre o problema da avaliação dos professores como factor de consenso entre os vários partidos, incluindo os estranhamente ausentes – do CDS-PP e do PC - de condenação da política educativa do Governo socialista.
Para Basílio Horta, de facto, tal unanimidade de parecer a respeito da avaliação docente – mau grado o seu ponto de partida aberrante de divisionismo entre os professores, estremados arbitrariamente em titulares e não titulares - perde em pertinência se confrontada com a importância do défice, do desemprego e da pobreza no nosso país. Porque estes são factores essenciais da nossa miséria nacional que, se não forem atalhados a tempo, porão em risco a nossa identidade. Até porque, o factor das arbitrariedades é insignificante no nosso status habitual de desrespeito e injustiça, apanágio, como sabemos, da nossa sociedade que se arroga, ultimamente, de indevido atributo de democrática.
Terá razão, Basílio Horta, é inegável que o factor produção para gerar riqueza e emprego é imprescindível para o avanço do país e fazer diminuir a miséria. Desde que o factor produção, é certo, se não traduza por maior corrupção, nas malhas geradas para favorecer amigos e familiares, em trocas recíprocas de favores, que parece terem eliminado definitivamente os concursos públicos que antes se faziam e que deixaram de se fazer, substituídos pelos big brothers avaliadores, nas empresas públicas e privadas, que despedem pessoal e exploram o pessoal que não despedem, sob ameaça de despedimento a este último, caso manifeste discordância relativamente à violência que lhe é imposta no trabalho mal remunerado, de horários superiores ao estipulado segundo leis anteriores, criados pela Justiça quando Justiça havia. Um mundo de insânia este mundo do capital, que o produz cada vez mais através da exploração dos empregados, em reminiscência dos tempos do operariado que levaram à criação de obras como “O Capital” de Karl Marx, tendentes a solucionar injustiças e a fazer proliferar a partidocracia aparentemente salvadora dos espoliados, mas pelo que se vê, sobretudo salvadora dos espoliadores.
Porque o dinheiro é bonito de se ver – mas só para os donos do capital, que até o obtêm ultimamente por meio de fraudes crapulosas nos Bancos e ninguém condena, embora diga que vai julgar. Esses que roubam safam-se sempre sem prestar contas nem repor o que roubaram, o PM e seus acólitos não demonstram grande “empressement” nesse capítulo. Tem, pois, razão o Dr. Basílio Horta, mas apenas num panorama ideal, que não seja num país de falcatrua e prepotência como o nosso.
No entanto, ao Dr. Basílio Horta, na sua safra de inteligente defensor dos meios de produzir riqueza, escapam os actuais pormenores sobre a Educação aos quais se dá relevo para os eliminar. Impacienta-o que se faça tanto barulho à volta do tema, porque, mau grado a disponibilidade para o diálogo que o o PM impõe às suas ministras, em humilde prova de cedência minoritária, a irredutibilidade pelo mesmo demonstrada para alterar sequer uma vírgula das irracionais propostas de avaliação que já contentaram tantos professores submissos e ameaçam os insubmissos que se não se enquadrem nas propostas avaliativas, tudo isso não passa de jogo a feijões, perante a bombástica importância dada à criação de condições para exportações que se sobreponham às importações, mesmo neste país de calaceirões e de burlões. Podem esses professores dar as suas aulas – e eventualmente as dos colegas que visitas de estudo ou outros quaisquer motivos obriguem a faltar – podem preencher os vários requesitos de uma docência feita de devoção, seriedade e trabalho, a avaliação socrática/rodrigo/alçadiana passará, mau grado o número superior dos partidos contestatários ao governo que a impõe.
Só, uma vez mais, lembro – não, por inúteis, ao Dr. Basílio Horta que tem mais que fazer na sua safra do que ler textos da iracúndia de um pobre nobre povo de uma pobre nação valente já não iimortal, suspeito – que os parâmetros dessa avaliação é que não passam dos tais insignificantes jogos a feijões só para inglês ver, plenos de facúndia e opacidade bronca – e que o que se exige aos professores – e por arrastamento aos alunos – para as tais classificações de excelente, muito bom e bom que já foram atribuídas, e em que o PM faz tanto finca-pé como se fossem resultado de trabalho sério que se não deve desprezar, não será reconhecido como válido por nenhum povo dito civilizado, que tem do Ensino uma consciência de seriedade e não de truque ou artimanha.
Essa avaliação ignara, coarctante de reais valores e propiciadora de amolecimento e idiotia cada vez mais acentuados nos estudantes, tem repercussões já bem presentes e cada vez mais futuras sobre uma mocidade e uma sociedade paulatinamente mais incapaz de racionalidade e competência.
A não ser que que os valores da racionalidade se definam através da corrupção. A isso tiro o meu chapéu, mantenha-se a avaliação, os presidentes dos partidos que a aceitem, como aceitam o TGV e a ruína do país como ponto assente.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pulvis

Falámos sobre corrupção, matéria actual, matéria antiga, que nos encaminhou para o paralelismo que, na condição humana, feita de corpo e espírito, igualmente encontramos distribuída pela alma e pelo corpo, servindo de tema a tantos espíritos que sobre ela meditaram.
Lembrámos mesmo o “Auto da Alma” de Gil Vicente condenando os atavios da Alma vaidosa, ao espelho, por conta do devasso do Diabo que a seduz com enfeites pecaminosos, contrariado pelo discurso severo do Anjo: “Pondes terra sobre terra que esses ouros terra são”, condenação que Vieira glosará no seu “Sermão sobre a Quarta-feira de Cinzas”: “Pulvis es et in pulverem reverteris”.
Isso me levou a lembrar também o poema “Le Grand Testament” de François Villon que contém, entre outros passos, uma meditação - “No Ossário dos Inocentes” - tão plena de actualidade, lembrando que a morte tudo e todos nivela, devendo tal pensamento acudir às mentes dos que hoje em dia, esquecidos da relatividade que pende sobre o tempo e o mundo, tentam aforrar por vias indevidas, riquezas que são pó, que não levarão para a sepultura, salvo se desejarem enfiá-las e ser enfiados em pirâmides que vencerão o tempo, por algum tempo, apenas, da Eternidade.
François Villon teve um viver desregrado. Condenado à morte, desconhece-se se, de facto, foi enforcado. A sua “Balada dos Enforcados”, é uma obra-prima medieval de realismo, grito de angústia e apelo além-tumular aos homens – Frères humains - para que peçam a Deus que o absolva a si e aos companheiros de desgraça, “mais furados dos pássaros do que dedais de coser”.
Mas, vista a actualidade do excerto, eis uma tradução um pouco atamancada de “No Ossário dos Inocentes”, que vem, só parcialmente, ao encontro da nossa teoria da corrupção: enquanto a dos corpos contribui para recriar a vida, em cadeia alimentar sucessiva e útil, diria Lavoisier, a das almas alastra também, mas em rede de mais e mais corrupção, desatentas essas aos avisos dos filósofos ou dos poetas, que são, afinal, os avisos do senso comum:

Quando estas cabeças cotejo
Na confusão dos ossários
Umas de magistrados
Que o foram da Câmara dos Dinheiros,
Outras de carregadores,
Tanto valem uns como outros,
Porque entre bispos ou alumiadores
Dos carros dos senhores
Nenhuma diferença vejo.

E aquelas que se inclinavam
Perante outras, em suas vidas,
Estas, que reinavam,
Aquelas, receosas, submetidas,
Vejo-as agora igualmente adormecidas
Juntas em confuso amontoado,
Retiradas as senhorias.
Ninguém aí se reconhece, afinal,
Como ministro ou amanuense, no seu final.

Agora estão mortos, das suas almas
Deus tenha compaixão.
Quanto aos corpos, na confusão,
Estão apodrecidos,
Tenham eles sido damas ou senhores,
Docemente fortalecidos
Por cremes, caldos ou por arroz,
Os seus ossos a pó estão reduzidos,
Já indiferentes a debates ou a risos.
Absolvê-los é tarefa do doce Jesus.

domingo, 8 de novembro de 2009

“A minha geração”

Gosto das pessoas que falam da sua geração como sendo uma geração uniformemente culta, ledora dos filósofos, ensaiada nos socialismos humanitários, que se vê bem que o foram – humanitários - porque são os que socializam os fundos nacionais em termos individuais, todos bem na vida, aliás merecidamente, porque são intelectuais sólidos e previdentes, quase dos únicos humanos a merecer os benefícios da aura e da honra, e digo quase, porque da geração actual beneficiária dos fundos que o socialismo lhe providenciou, a maioria não se embebe dessas doutrinas de generosidade generalizada às classes trabalhadoras, porque lhes prefere a sua própria rede de generosidade eficientemente generalizada a cada nódulo.
Na minha geração também havia já ledores de Marx e Engels, e do Freud, explorando com este - que, aliás, se tem mantido firme nos nossos tempos - os recônditos da líbido e do superego nas suas obras insignes. Mas faziam-no escondidamente, não fosse a Pide rebuscar-lhes as obras, como aconteceu no liceu Salazar em Lourenço Marques, onde, no meu 7º ano liceal, creio que em 52 ou 53, a polícia política foi buscar colegas nossos, logo pela manhãzinha, levando-os consigo para os calabouços, onde estiveram dias – alguns, menos firmes nas suas convicções, apenas horas - a ser interrogados sobre as suas leituras e actividades.
Anos depois viu-se a diferença entre os de convicções mais firmes e os de convicções menos firmes, talvez apenas intelectualmente curiosos: estes fizeram a tropa e a guerra, aqueles safaram-se para Paris e outros sítios com mais recursos aprazivelmente intelectuais e sócio-económicos.
Mas eu não me posso gabar de ter acompanhado os meus colegas intelectuais nas suas viagens políticas. Deixados os enredos romanescos dos livros azuis ou rosa da adolescência, enveredámos – eu e outros como eu - pelos escritores portugueses, franceses, brasileiros, americanos, etc, de colecções que então as livrarias produziam e nos serviam, mais para explorarmos os aspectos romanescos do que para aprofundarmos os valores politizadores. De política não se falava, tudo corria no melhor dos mundos, tínhamos um ensino arrumado, como arrumados estavam os percursos escolares, nas exigências de um saber a sério, embora com pouca amplitude ideológica. Mas não esqueço o encanto que o ensino proporcionava, distribuindo bilhetes do “Círculo de Cultura Musical”, salvo erro no cinema Gil Vicente, onde ouvi e vi Sequeira Costa, os irmãos Vasco e Grazi Barbosa, Villaret, Marcel Marceau e outros mais. Serve a referência para mostrar que não era tão destituído assim o nosso ensino então, como se quer fazer crer. Só que não permitia certas leituras que se achavam destrutivas de valores que o Estado Novo defendia.
Apenas, quando falo em geração – a minha geração – não posso deixar de referir outros que não liam Marx, mas também não liam Martin du Gard nem Somerset Maugham, nem Cervantes, nem Eça e não passavam do livro da primeira classe.
Falar da “minha geração” com tanto orgulho, como já vi fazer, é, pois, uma forma vaidosa e falsa de exibir unilateralmente uma falsa condição social. Porque cada geração é formada por inúmeros indivíduos das mais diversas dinâmicas – físicas, intelectuais ou assim assim.
Mas o valor da expressão também varia conforme o ponto de vista. Fala-se na geração de setenta, na geração romântica, na modernista, com conotação de superioridade intelectual, como eu ouvi hoje, referenciada, com grande orgulho por quem a pronunciou ou escreveu. Mas quando Almada Negreiros, no seu “Manifesto Anti-Dantas” afirma que “Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi! É um cóio de indigentes, de indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos e só pode parir abaixo de zero!”, ele fala dos burgueses conservadores, dos literatos também, mas que pertencem a uma camada oposta, sem ideais progressistas. E troça desses, por seguirem preconceitos banais, de grande atraso mental, geração que “só pode parir abaixo de zero”.
Mas, concordo, as gerações reconhecidas na história, são as que muito leram, ou muito escreveram, como diria a minha amiga, p’r’à frentex. Talvez as pessoas que não estão incluídas na designação não se importem assim tanto.
Também nas batalhas só são conhecidos os nomes dos heróis. Os soldados dos pelotões não contam. Embora estivessem lá. Resta-lhes a consciência de terem estado e cumprido. Assim se lembrassem deles e da sua bolsa parcimoniosa os da geração beneficiária do comando da Nação. Ou mesmo os da geração ledora de Marx e Engels, para aplicarem a sábia doutrina humanitária, estimulando, nesse sentido, a beneficiária no comando, retirando, da rede, a corrupção, alargando a rede dos beneficiados.

sábado, 7 de novembro de 2009

“Caim” de José Saramago

Um livro de fantasia, a fantasia poderosa de um espírito atento ao mundo e aos homens, insubmisso perante muitos dos valores estabelecidos, afundado no desespero da impotência humana perante o problema do Mal e da Injustiça que regem o Mundo, mergulhado na orgia da sua própria imaginação e do seu próprio saber, na arte de uma linguagem escorreita, de verbo fácil e desinibido, de estilo tantas vezes chocarreiro, de um humor amplo de experiência humana fortalecida pela cultura livresca.
No fundo, a história de Caim, apoiada nos sinuosos enredos do Génesis, com citação onomástica e toponímica frequentes, nele colhidas, não traduz mais do que um hábil manejo do narrador, que, identificado com o protagonista da ficção, desmistifica esses enredos, em função de uma tese que pretende troçar de Deus como criador do Céu, da Terra e dos seres animados, um Deus criado pelo Homem, à sua imagem, pondo em causa os critérios de justiça e pertinência que movem o Senhor, segundo as tais histórias bíblicas forjadas por homens, em séculos recuados.
Deste modo Caim, o desesperado, por ter sido injustiçado, matará Abel – por não ter podido matar Deus - e à conta disso viverá exilado, mas salvaguardado, pelo mesmo Deus, afinal generoso – quem sabe se arrependido - com a marca protectora daquele na sua testa. Terá descendência, mas ao contrário de uma Bíblia omissa na revelação da sua vida e morte, Saramago entretém-se a transpor essa vida no tempo e no espaço, acompanhando-o no seu vaguear, em ziguezagueios anacrónicos que ora implicam o caso de Isaac, salvo por Caim, por atraso dos anjos destinados a evitar que Abraão consumasse esse sacrifício do filho, imposto por Deus, não tão injusto assim, porque o evitou, apenas desejando testar a obediência e devoção de Abraão; ora com a participação de Caim na confusão das línguas aquando da construção da Torre de Babel e sua destruição pelo Senhor indignado com a arrogância humana de atingir o Céu; ou nos sofrimentos e reconciliações de Job; ou na sua participação inesperada como passageiro da Arca de Noé, por imposição piedosa do mesmo Deus que, segundo a Bíblia, decidido a matar a humanidade pecadora por ele criada, só salvará do dilúvio o homem justo Noé e a sua família, mais um casal de animais de cada espécie terrena. Na ficção de Saramago, contudo, o rancor de Caim pelo Senhor que criou nele o remorso pelo fratricídio que cometera, fará que, embarcado na Arca, indiferente à bondade do Senhor para consigo, depois de conviver eroticamente com as várias mulheres dela, acabe por matar todos os passageiros da Arca, em gesto vingativo e desafiante ao poder de Deus, assim relativizado.
Um desafio que já Torga, hostil à ditadura de Salazar, utilizara no conto dos “Bichos” – “Vicente” – o corvo rebelde que, farto da humilhação suportada durante quarenta dias fechado na Barca, se lança espaço fora à procura de terra e de liberdade, obrigando o Criador, “para salvar a sua própria obra” a fechar, “melancolicamente, as comportas do céu”.
Uma mistificação afinal, não superior à da imaginação dos criadores das histórias em banda desenhada ou dos filmes de animação, férteis em proezas desmedidas de magia dos seus heróis, que vencem o tempo e as forças do homem real.
Mas a obra de Saramago é escrita num estilo seguro, de intenção filosófica, de alguém que, recusando Deus, como pura criação do Homem, sem admitir a eterna angústia humana perante o Incognoscível, se propõe troçar das histórias criadas por homens, numa irreprimível vontade de destruição do mito, pondo em causa isso que várias gerações deixaram registado, e onde tantos souberam mergulhar para traduzir beleza, sensibilidade e também humor, ou paralelismo com as vivências próprias.
É o caso do extraordinário soneto de Camões “O dia em que nasci moura e pereça”, transposto directamente das lamentações de Job, é o caso do exemplo infra, de Victor Hugo que, na “Légende des Siècles”, descreve, em terno quadro expressivamente romântico, o encontro em Belém da moabita Rute com Booz adormecido, a ela destinado. A aliteração, pelo predomínio dos sons f, fl, l da quadra citada, favorece a recriação do ambiente, numa paisagem nocturna de estio acariciante, com uma brisa tranquila envolvendo o casal predestinado:
“Booz ne savait point qu’une femme était là
Et Ruth ne savait point ce que Dieu voulait d’elle.
Un frais parfum sortait des touffes d’asphodèle
Les souffles de la nuit flottaient sur Galgala. »
E tantos mais exemplos a referenciar, na literatura de todos os tempos, no cinema, na arte, para contrapor, à amargura e violência da tese de Saramago, algumas amostras de arte e beleza, presentes nesse livro que se tornou “O Livro” da Humanidade, no extraordinário engenho das suas várias revelações, síntese de uma religião – credível ou não – que admite um só Deus Criador, contrariando outros mitos – igualmente belos e igualmente cruéis – mas poderosa e necessária a todos os que, com ou sem recursos de apoio às misérias humanas, aceitam no coração esse apoio único de uma fé salvadora.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um País refeito

A minha amiga não se deixou entusiasmar pelo meu texto anterior sobre o plenário, que lhe li com emoção um tanto romântica, agarrada à ideia dos velhos amigos deputados que ontem estiveram o dia inteiro, como lhes competia, é certo, para nos defenderem do lobo feroz, mas em todo o caso num exagero de sacrifício de horas que nem pensava que lhes merecêssemos, nem ao Primeiro Ministro, nós os cidadãos da pátria, pouco habituados a tais considerações. Cheguei a ter remorsos do sacrifício imposto.
A minha amiga alargou-se em pormenores, que tinha escutado, creio que ao Medina Carreira, menos sensível do que eu ao sacrifício dos deputados e do PM que, aliás, nos habituou à sua enérgica presença quinzenal na Assembleia da República:
- Estão já a perder um tempo doido. Continuam no blablabla. Quanto à Justiça: a lei está feita para proteger o bandido. Quando quiseram modificações, o governo absoluto rejeitou-as. Já se viu alguém importante, depois de começadas as averiguações, a ir para a cadeia? Ninguém, porque se presume a inocência e entretanto o caso prescreve: os casos da face oculta, o furacão, o abate das árvores, os desfalques dos bancos... Pois é! A lei está muito benfeitinha. E agora só falta aqueles da Casa Pia virem pedir indemnização às vítimas! Eles têm direito! Porque cada um é do mais puro que se possa imaginar! “A nossa vida ficou destroçada!” Cada um disse uma frase. O Rito nunca conheceu nenhum dos que o acusou. O Carlos Cruz jamais!
- Jamé!
- acudi eu, em reminiscência piedosa.
- É! O palerminha do “jamé!” foi excluído. A Lurdes deve dizer: “Olha o filho da mãe, fiz tudo o que ele quis e agora fui corrida!”
- Realmente! Não sei para quê! A próxima ministra fará o mesmo do mesmo
.
- Vão ser discussões atrás de discussões! Onde é que há tempo para isso?
- E o país a morrer!
- Quanto à agricultura, cada vez temos menos terras. É tudo cidade. O país ardeu. A agricultura que está à venda não é de cá! Ouvi ontem um a dizer o mesmo que eu costumo dizer: “Até os limões são da Espanha!”
- Tudo cidade, mas de má qualidade. Tudo estrada também. E com o TGV, não tarda é tudo espanhol.
- Sabemos o que dá muito nas vistas, não sabemos tudo. Prédios espanhóis em Lisboa... Eles podem comprar. Empresas espanholas, camiões espanhóis a deslocarem-se cá... Eles podem gerir...
Quando vim para casa estava o plenário a concluir o dia de ontem, interrompido pela noite.
O Luís Fazenda dos Verdes, o Telmo Correia do CDS-PP, o José Pedro Aguiar Branco do PSD. Todos seriamente empenhados em fazer sentir ao Governo que teriam que governar de forma diferente, tal o quadro negro que apontaram sobre o governo anterior, dirigido pelo mesmo ministro, de défice não nos 5,9 da informação socialista, mas dos 8% da informação europeia.
Indiferente às propostas de “corrigir”, “mudar”, “rectificar”, o Governo, pela voz de Luís Amado, dispõe-se a continuar a sua política, acusando os partidos de falta de diálogo, o que é oneroso para a democracia, responsabilizando-os pela instabilidade provável. Até porque nenhum partido lhe fez nenhuma moção de censura. Então, o PM vai começar a trabalhar, entendendo por diálogo democrático apenas o seu monólogo ditatorial.
Paulo Bento, entretanto, dá uma conferência de imprensa sobre a sua saída do Sporting. A sua imagem e o seu discurso aos solavancos estão em todos os canais. O país está refeito. Pelo menos a voz de Paulo Bento, aos solavancos, não deve voltar a ouvir-se tão cedo.

A retoma

Um Primeiro Ministro manobrando bem o seu discurso, de habituais arrogâncias, de habituais perfídiazinhas lançadas contra os opositores, a todos lembrando – menos a uma – Heloísa Apolónia, cujo nome omitiu, creio que por lapso de memória – que fora ele que vencera, era ele que estava ali, contrariamente ao que todos pensavam antes, depois de tão catastrófica governação como todos diziam, seria natural que perdesse, mas ganhou, o povo escolheu-o, era ele que ditava as leis - embora todos lhe lembrassem que a forma de governação não iria ser a mesma, porque a maioria que tinha era relativa - e isso foi dito várias vezes, à laia de saudação a cada chefe de partido, via-se que o PM estava feliz e que não se importava nada com o que os outros estavam a responder, as regras seria ele que as ditaria, o programa era de continuidade, na linha do anterior, não iria perder o que se fizera, iria manter a sua política, na questão das obras, na questão dos professores, nas questões a que não respondeu. Eles não tinham querido fazer coligação, eles seriam responsáveis se a coisa corresse mal, o PM governaria sozinho, poupado nas ideias que não pretendia modificar, poupado em mudanças que não iria fazer, poupado.
Gostei de os ouvir a todos, bem comportados, bons atacantes, sabendo apontar os erros e as omissões do adversário, Manuela Ferreira Leite brilhante, rigorosa e exigente, Jerónimo de Sousa criterioso, não se deixando embrulhar pelas megalomanias do PM, ouvindo em resposta a resposta de sempre sobre o discurso de sempre, há muito estratificado, que a mim me pareceu inteligentemente certeiro, com dados pontuais, bem diferente dos de Álvaro Cunhal que, esse sim, não movia uma vírgula, Francisco Louçã também brilhantemente irónico e conscienciosamente desmascarante das políticas ruinosas, Paulo Portas, como sempre, síntese excelente dos vários erros governativos e das várias propostas de premissas a estabelecer, para governar melhor, numa disciplina de apoio que o PM não pretende seguir, Ana Drago arrumada nas ideias, sabendo defender bem os seus pontos de vista. E outros muitos que falaram sobre estes e outros temas.
Gostei de os ouvir, como velhos amigos que estavam ali a defender o nosso País, na preocupação de uma dívida externa que parece não afectar o nosso PM, por uma avaliação dos professores estrondosa de maquiavelismo, batota e idiotia, que também não vai mudar, por uma justiça carregada de insânias, por uma corrupção em que mal se toca, como os “cães do Nilo, que correm e vão bebendo” do nosso Sá de Miranda, porque muitos são os implicados nela, por um desemprego a aumentar, por uma balança económica em desequilíbrio catastrófico...
Eles estiveram ali, como velhos amigos, a dar-nos esperança de que iriam lutar e poder lutar.
O nosso PM não parece querer ceder, ele está lá para continuar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A propósito da Mafalda

Deitaram no quintal um gato pequenino, inicialmente assustado e fugidio, mas agora já adaptado e brincalhão, e até dono da comida do cão e da das duas gatas, também caídas no quintal, em tempos já antigos. Pôs-se o problema do sexo: o avô diz que é gata, o pai da Mafalda diz que é gato. A Mafalda quatro anos e meio, decide, reivindicando já as suas competências, embora na condescendência com a falibilidade:
- Eu acho que é gata, mas se não for, é porque tu não tinhas razão nem eu.
Um exemplo seguido pelos nossos políticos, que também acham que é como eles dizem, mas não se ralam com a possibilidade de outras hipóteses, nem propõem alternativas, indiferentes à desgraça geral.
Um banco pequeno de madeira, pintado há muitos anos, serviu de assento, às netas mais velhas, tem servido aos netos mais novos. Há dias, o avô trepou a ele, que, já rachado e seguro com prego, caiu e se desfez. A Mafalda, triste pelo seu banco, mas sempre gentil com o avô, indiferente ao facto de o banco ter sido pintado há longos anos pela avó, logo comenta e desculpabiliza:
- Porque tu não sabias que o teu peso era demais para o banco. Por isso não tiveste culpa.
É o que acontece hoje com os que, sem culpa e por ignorância, confiaram nos bancos, embora por motivo oposto: não sabiam que o peso dos bancários era superior ao dos bancos onde confiaram as suas poupanças.
A Mafalda já consegue descrever-se, em complexa frase onde expõe os motivos da sua qualificação carinhosa:
- Vê lá: toda a gente me consegue pegar ao colo, porque eu sou pequenina.
Acho que o nosso engenheiro favorito também se passeia ternurentamente ao colo de todos, mas, contrariamente aos motivos da Mafalda, é porque somos nós os pequeninos.
A Mafalda conta, com gestos de braço e mão, o modo como se desenvencilhou de certo desaguizado com os coleguinhas pouco obedientes às reclamações dos seus direitos:
- Fiz assim, porque não se deve bater e depois fiz assim, porque não se deve empurrar.
E foi aqui que me lembrei do Dr. Mário Soares que nunca usou quaisquer justificações para os seus actos e que hoje, segundo se lê no Portugalclub, afirmou que “é moda falar mal de Portugal”. Parece que ele também já falou e o rei D. Carlos idem, mas agora ele só fala bem – o D. Carlos já não pode - porque participou na modificação de Portugal para melhor, e por isso me lembrei de transcrever um texto do meu livro “Cravos Roxos”, de que já falei, como, já velha, homenagem pela sua participação, igualmente com gestos de braço e mão, embora diferentes dos da minha netita:

“Admiração
Sempre admirei o Dr. Mário Soares desde que o conheci – e deu-se tal acidente por alturas da descolonização a vapor, que só diferiu da sua antónima colonização porque esta foi mais lenta – a remos – facto perfeitamente aceitável dada a falta de elementos progressistas, como o D. Mário Soares, a acicatarem o vapor.
Admirei, pois, a sua figura bonacheirona, e a impecabilidade da letra V com que figurava nos jornais e revistas mundanas empunhando o braço e abrindo os dedos indicador e maior, sem jamais se enganar, como eu já vi fazer a muitas pessoas, entre as quais um dos cinco amigos do filme de Lelouch “Aventura é aventura”, o que me chocou imenso, pois dobrava os dedos maior e anelar para baixo entre o mindinho e o indicador para cima, numa deprimente prova de ignorância do abecedário.
Ao mesmo tempo que formava o V impecável, primeira causa da minha admiração, também viajava muito, segunda causa da minha admiração, pois tais viagens só poderiam traduzir um índice económico, igualmente impecável, e esse aspecto estimula sempre bastante a admiração.
Consistiu a terceira causa a presteza com que o Dr. Mário Soares decidiu entregar os territórios portugueses aos terroristas, antes de se dispor a visitá-los – a eles, aos territórios, claro, porque com os terroristas mantinha naturais relações de afecto, bem evidentes aquando dos abraços apertados ao camarada Samora Machel em Lusaca e noutros sítios.
Quarta causa: A sua voz calma e monocórdica, medindo os argumentos sem dificuldade aparente, tanto para impor o regresso dos colonos, como para defender honradamente a entrega de Angola aos três movimentos negros disputadores e não só a um, como preconizavam os adeptos das esquerdas inicialmente e aceitaram todos os adeptos posteriormente, depois da escrupulosa hesitação salvaguardante das responsabilidades.
Quinta: O aspecto “raffiné” dos seus fatos de bom corte, esclarecedores das suas boas viagens – sempre pelo norte, jamais pelo sul – e originando uma figura bem arranjada e limpa e extremamente fotogénica em qualquer posição.
Finalmente, o facto de o Dr. Mário Soares se afirmar socialista mas com generosas tendências pluralistas causa a minha admiração ilimitada, a adicionar às demais causas citadas, rendendo-me ao seu poder subjugante, impresso airosamente há muito no seu impecável V.
Com efeito, dentro de um conceito de democracia pluralista, ou de pluralismo democrático, ele deverá admitir todas as opiniões, e dessa forma mal defenderá os seus pontos de vista. Felizmente não é isso o que a gente ouve, pois na mesa redonda com o Dr. Álvaro Cunhal ele defendeu esses pontos sagazmente na sua voz embaladora e não deixou de atacar da mesma maneira , apesar do pluralismo, os pontos do seu venerável opositor.
Depois da intentona de Novembro, é certo, abriu de novo os braços ao camarada Dr. Cunhal, por causa do pluralismo, mas na propaganda eleitoral não deixa de apontar os defeitos dos vários partidos, realçando as qualidades intrínsecas do seu.
Por estas razões é que me custa compreender o pluralismo dele e dos seus camaradas rivais, causa da minha admiração ilimitada, mas a minha politização é ainda muito recente, devo confessar, com poucas viagens e todas pelo sul.
Com o meu retorno ao norte, contudo, navegarei certamente em breve no mesmo conceito pluralista – único campo actual da nossa navegação, mas muito fértil – mais substancial aquele do que o conceito unitário. E do que a gente agora mais precisa, segundo se diz, é de substância, Deus no-la dê.
Mas se Deus não der, há sempre gente generosa por esse mundo. Não vamos morrer de fome assim...”

Com a interrupção reservada ao texto do Dr. Soares, não transcrevi a história contada pela Mafalda, que deve andar a inventá-las na sua escolinha:
“Era uma linda aldeia, onde viviam três rapazes. Um dia um saltou, apanhou o do meio, e os três foram de carro passear. Bem, eram seis: um, dois, três, quatro, cinco, seis”, disse, contando pelos dedos.
- “No lado esquerdo havia um carro que era deles. Entraram para lá e estavam felizes no seu carro. E finalmente viram uma grande tempestade e depois eles foram para outro sítio com o carro.”
Interrompeu-se:
- Ainda bem que tenho ténis, porque assim o gato não me arranha os pés.
Continuou:
- Eles foram para outra vida.
- Para onde? – quis eu saber, um tanto baralhada. Protestou, não admitindo interrupções:
- É preciso dizer sempre a mesma coisa!
O cansaço, talvez, fê-la precipitar o final:
- E depois, finalmente, chegaram a casa. E ficaram felizes para sempre. Vitória, vitória, acabou-se a história!
Afinal, também ela, como o Dr. Soares, já embarca na vitória, embora ainda não digital.
Assim cheguemos nós todos a casa, como os rapazes do carro da Mafalda, e fiquemos felizes para sempre.
O Dr. Sócrates, bom discípulo do Dr. Soares, dará a sua mãozinha, sem V digital expresso, que já passou esse tempo, mas cônscio da sua vitória, que os diversos partidos não vão boicotar, já o ouvi dizer a um dos representantes, apesar dos seus protestos, para ficarmos sabendo que eles se empenham. Sem fibra, educadamente, na desistência, achando, como a Mafalda, conquanto esta o faça a protestar, que “é preciso dizer sempre a mesma coisa”. Afinal, como outrora...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ensino

Tenho presente uma reportagem do Diário de Notícias de 2/11 sobre as escolas cimeiras em resultados, no nosso país. Considera que entre as dez melhores escolas, sete colégios católicos são os primeiros, e, como base do sucesso, citam parâmetros indiscutíveis de eficácia, como sejam a disciplina, a exigência, o desenvolvimento integral da criança, a estabilidade do corpo docente, o acompanhamento dos alunos e das famílias e as condições sócio-económicas.
Como a reportagem vem acompanhada de uma imagem de bonitas raparigas de bonito uniforme, gostaria igualmente de exaltar o uniforme como factor valorativo. Honrar o uniforme foi expressão que dantes ouvíamos, e continuamos a ouvir nos filmes americanos antigos de militares – sejam eles actores, sejam tropas reais - que prezam a sua bandeira, o seu hino, a sua pátria, a sua farda. E que os povos asiáticos, sobretudo, manifestam, no rigor dos suas marchas, de uma beleza feita de disciplina, coesão e o fulgor de energia, própria do respeito, oposta à flacidez do desrespeito.
O amar esses valores começa na escola, era indispensável que começasse na escola. A liberdade trazida pela democracia apagou esses dados cívicos, que já as filosofias existencialistas desvalorizavam, a favor da pessoa, no desprezo pela razão opressiva.
“Cidadãos do mundo”, é o que alguns megalomanamente pretendem ser, desprezando a cidadania nacional. Mas sabemos que não é verdade: quem despreza a pátria não é cidadão de coisa nenhuma.
Por isso, esses valores deveriam ser incutidos desde o ensino básico, juntamente com a disciplina, juntamente com a exigência.
E isso é mais fácil nos colégios católicos, ou mesmo quaisquer outros em que as famílias que pagam exigem resultados. Mas os últimos nem sempre os obtêm, menos rigorosos do que os primeiros na imposição de normas, porque, muitas vezes, depósito de alunos insubordinados que o ensino público rejeitou.
Está visto que o ensino público não pode, actualmente, ter a mesma eficácia que o particular. E o primeiro motivo foi a instauração do laxismo, da permissividade, da indisciplina, do desrespeito, trazidos pela barafunda libertária acéfala – para não dizer idiota - da revolução de Abril, e o seguidismo pedagógico dos ministérios da Educação, dentro da mesma linha libertária, direi mesmo criminosa. O absentismo dos professores, tal como o dos alunos fez época, embora admire a corajosa manutenção de responsabilidade e assiduidade de milhares de professores, apesar do clima de anarquia instaurado. Mas essa época teria repercussões futuras degradantes.
No meu livro “Cravos Roxos” tenho um capítulo – “Memórias de um professor do liceu” – que dá conta desses percalços educativos de estarrecer, em 1976, no Liceu Passos Manuel.
Entretanto, anos passaram, as coisas foram-se equilibrando, lembro com amor outros anos que leccionei, com casos pontuais de indisciplina que nunca me recusei a gerir, pela participação da falta e conselho de turma, onde a minha autoridade não foi desrespeitada, tanto na Escola Secundária de Cascais como na de S. João do Estoril, onde leccionei. Sempre os Directores dessas escolas me apoiaram, porque reconheceram os motivos da minha queixa, e certamente que a de outros professores exigentes, que, por o serem, não deixavam de ser humanos.
Hoje, tenho conhecimento de um retorno aos inícios dos anos da Revolução, na indisciplina, na má educação, com troca de mensagens por telemóvel enquanto a professora se esforça por transmitir saberes, um desgaste total de energias de consequências futuras tenebrosas.
A unificação do ensino, a massificação, com camadas sociais díspares, tudo isso contribui também para o caos educativo.
Mas mais importante do que isso, creio bem que as actuais políticas educativas são responsáveis – no desrespeito que imprimiram no processo de avaliação docente, culpabilizando os professores pelo insucesso, exigindo justificação dele, exigindo fraudulento sucesso, minimizando os saberes, maximizando a futilidade e o aparato de mais fácil entendimento, abandalhando o sentido da exigência cultural pela carga horária que impõem ao professor, impossibilitando-o de uma real formação específica da sua docência.
E no entanto, as provas de exame, feitas por professores responsáveis, mantêm a exigência da seriedade, que os programas de ensino reclamam.
No percurso dos anos lectivos feito com tantas contingências de imposição ministerial absurda e de indisciplina grosseira, conseguir que os alunos obtenham bons resultados nos exames é acção heróica de todos os professores, certamente, mas especialmente dos do ensino público, assim desapoiados.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Agnus Dei

O nosso PM e a nossa ex-Ministra da Educação criaram sem nenhuma educação um sistema de Educação que não contempla propriamente a Educação mas a absoluta falta dela – quer ao nível da moral e dos costumes, quer ao nível do conhecimento, quer ao nível da saúde. Criaram arbitrariedades divisionistas na seriação dos professores, reduziram o seu espaço de trabalho a uma permanência contínua na escola, sobrecarregaram-nos com reuniões orientadoras ou desorientadoras, coarctando-lhes a conveniente preparação das suas aulas diárias, de matéria dispersa, não lhes deixaram tempo para se sentarem em família.
Não sei se a ex-Ministra tem família, mas sei que o PM tem filhos de que se orgulha. Para nos podemos orgulhar dos filhos, temos que os seguir, que os assistir, que os acompanhar nas instâncias da vida. Mas nenhum dos ministros referidos fez referência a esse factor. No radicalismo absurdo e perverso do seu projecto educativo de “Avaliação” ou de “Destruição” da classe docente - e concomitantemente da classe discente – ignoraram que os professores também são pais e mães, impingiram-lhes longas tarefas burocráticas, longas propostas de leitura documental, longas farsas de pseudo-trabalho educativo, realmente penoso e impeditivo da preparação das aulas do dia seguinte, na complexidade dos anos a leccionar, e do acompanhamento familiar, já que se parte do princípio de que os professores não são estátuas petrificadas, animadas que foram do fogo de Zeus.
Os senhores ministros – actual e passada – ignoraram esses factores, ignoraram alunos e professores, achincalharam o ensino, desprestigiaram os professores do ensino público. Mudou a Ministra. Mas não se lhe conhecem ainda as ideias, que não há urgência. Horas antes da sua eleição, a nova Ministra afirmara não ter sido ainda contactada no sentido de ser alçada à posição que pouco depois a içou e de que há muito se falava. Mas não foi contactada, disse, e tal falsidade irónica pressupõe desonestidade e manha. O tema do Ensino e da Avaliação não é urgente, o primeiro período quase no fim, arrastado segundo as normas anteriores, manhosamente, perfidamente, cinicamente, opressivamente.
Entretanto, uma notícia saiu na Visão e no Expresso que atesta o empenhamento finório de alguns docentes na prossecução da reforma da ex-Ministra da Educação, não se sabe se de conluio já com a actual, para que fique provado por a mais b que a tal reforma ainda pode ser mais apurada no sentido da imolação dos docentes, equiparados aos cordeiros bíblicos.
Foi na escola de Monserrate em Viana do Castelo que se lançou o projecto de explicações nocturnas via online. Vem na Visão e no Expresso, li-o na Internet, também em e-mail indignado de professora menos dócil. Há quem defenda o projecto, em comentários na Internet. Um sujeito que afirma dar explicações no seu emprego, via internet, e a sua esposa – as mulheres das castas sociais menos letradas são sempre designadas por esposas, revelando a educação e o apreço masculino – a sua esposa, também professora, já o fazia aos seus alunos, tirando dúvidas pela mesma via. Depreendo, pois, que a professora esposa do senhor do comentário ainda é mais pioneira do que a directora pedagógica da escola Monserrate de Viana do Castelo. O que foi é mais discreta na informação, o esposo chamando agora a atenção sobre o facto, provavelmente na expectativa de também merecer atenção e apoio.
Mas a maioria indigna-se e há quem pergunte se é para efeitos de subida curricular que os professores da escola Monserrate tomaram a iniciativa de o fazer, noticiando-a na imprensa.
Conheço disto. Gente subserviente, prestimosa, mais papista que o Papa, curvando ficticiamente a cerviz aos chefes, pior que um hipócrita e desonesto Tartufo, pois que este só lesaria uma família, com as suas insídias, enquanto que as ovelhas - ronhosas, subservientes, mais papistas que o Papa, prestimosas - prejudicam uma classe inteira, a sugerir que todos se deverão integrar num projecto de tanto (?) alcance. Pela projecção mediática que dão a esse seu trabalho nocturno.
Todas as pessoas podem tirar dúvidas, acudir a aflições, directamente, telefonicamente, por email. Mas discretamente. Não vão propalar essas generosidades aos quatro ventos. Esta directora pedagógica propalou. Tem o tacho garantido.
A esperança que resta aos outros professores da moderna avaliação ministerial -acrescida do online decifrador de dúvidas, segundo o modelo da escola Monserrate - é que os alunos, incapazes de definir as suas dúvidas em aula, que geralmente boicotam, não tenham capacidade de as definir pela via online, mais propícia a certezas de linguagem escatológica de anonimato.

domingo, 1 de novembro de 2009

Pão por Deus

A minha amiga leu o texto anterior, que referia uma notícia que ela não ouvira. Fiquei contente por poder dá-la em primeira mão a quem usufrui habitualmente desse privilégio. Foi sobre a afirmação de Durão Barroso de que não iríamos ser punidos pela UE por não cumprirmos com o ressarcimento dos nossos débitos e até de os cultivarmos com simpatia.
- Como não somos punidos? Parece conversa p’ra burro! A nossa vida já é uma calamidade!
- E já viu isso de o Sócrates não cumprir? E só prometer? Não lhe parece de aldrabão?
A minha amiga tenta proteger o nosso PM, que acha mais magro e grisalho, embora, ultimamente de aparência mais branda e, direi mesmo, afectuosa, razão da deferência dela, mulher sensível aos males e também aos modos brandos:
- Ele agora também já não tem outro remédio senão ser aldrabão.
Indignei-me, sempre prezei a hombridade. Mas sugeri, por ser 1 de Novembro, dia de Todos os Santos e do Pão por Deus, que bom seria que os santos todos, em conluio com a UE, nos acudissem e revogassem a dívida. Para começarmos um novo débito, sem nos ralarmos com o anterior.
Mas ela só acredita no Santo António, que tem pouco peso no meio dos santos todos. E então, aproveitei para lembrar um texto, escrito nos idos pós-abrilinos, que bem confirmava a minha razão quando contestei que só há uma década é que temos piorado nas contas, segundo um economista que ela citou, sem se lembrar do nome. A crise começou logo, com a delapidação do espólio deixado pela ditadura.
Eis o texto – um skatch dramático – extraído de “Cravos Roxos”, III - “Lusos 74” (“Mais Pedras de Sal”), 1981, que o comprova :

“17- NUDISMO

Num escritório.

ELA – Ó Carlos, venha cá ler esta...
ELE – Qual?
ELA – Sobre o nudismo. O governo vai deliberar sobre a prática do nudismo.
ELE – Por isso a televisão apresentou há dias uma reportagem giríssima sobre a opinião dos transeuntes.
ELA – Eu ouvi. Um deles não tinha opinião, não sabia o significado da palavra, disse que só entendia do seu trabalho.
ELE – Ignorâncias devidas ao fascismo e que tanto nos deslustram.
ELA – Vai passar a haver recintos privados para a prática do nudismo, o que é uma medida bestial.
ELE – Bestial?
ELA – Sim, para o treino. Ó filho, com a redução económica do país não tarda que precisemos todos de usar tanga...
ELE – Eu por mim sou adepto do nudismo. Lá em casa andamos todos como Deus nos pôs no mundo.
ELA – O quê? Mesmo o seu filho?
ELE – Esse degenerou um pouco, infelizmente. Modernices! Usa óculos escuros.
ELA – E a sua mulher não se constrange?
ELE – Não, ela está muito formal. Adoptou a religião do natural... caseiro e em casa é toda natural. Mesmo quando chora não precisa de lenço.
ELA – Então?
ELE – Assoa-se aos dedos.
ELA – É estupendo para poupar sabão. Outro aspecto positivo nas restrições do país.
ELE – Também por isso não dispensamos o cinto.
ELA – O cinto?
ELE – Como medida económica para apertar...
ELA – Vocês afinal comportam-se lá por casa como manda o governo.
ELE – E como descreve a Bíblia. Não esqueça que somos praticantes.
ELA – Bem, a Bíblia só antes do pecado...
ELE – Exacto. Tudo em pureza. Por isso não concordo com os recintos.
ELA – O quê? Acharia melhor sem recintos?
ELE – Não somos todos irmãos? Ou há fraternidade e nos despimos todos ou a democracia é uma batata...”

Por agora, ainda não se falou em nudismo. Deve ser por estarmos a caminho do inverno, embora o outono corra quente. Temos ouvido falar em poupança, também com entrevistas na rua que atestam a nossa docilidade aos mandamentos. Reduz-se a carne, o peixe, a fruta e os refrescos, o vestuário deixa de ser de marca e as senhoras entrevistadas estão contentes por iniciarem os seus filhos numa nova era de abstinência, com efeitos positivos sobre o decréscimo da poluição, o aumento das poupanças, que já se verifica segundo os cálculos bancários – efectuados posteriormente aos desfalques - poupanças indispensáveis aos próximos desfalques.
Mas na nossa opinião, cremos que com anuência geral, a revogação da dívida teria mais eficácia. E hoje até é dia do “Pão por Deus”.