sábado, 31 de outubro de 2009

Há uma década

- Ouvi a entrevista do Pedro Passos Coelho no “Negócios da Semana” pelo José Gomes Ferreira e até que gostei da força motriz do pretendente ao trono, perdão, à direcção do PSD do jovem Coelho. Não ouviu?
- Não, eu já não perco a cabeça com ninguém. Muitas vezes eles estão a falar e eu já não ouço.
Contestei o negativismo da minha amiga, atirando-lhe com o Obama dos seus amores.
- Pois, mas esse está longe.
- É como as uvas da raposa: estão verdes, não prestam, só cães as podem tragar.
- É, mas de qualquer modo somos bem os cães que temos que tragar as políticas dos grandes que fazem girar o mundo, quer sejam boas ou más. Por acaso, acredito que as dele sejam melhores, em termos de defesa dos que pior vão vivendo.
- Não sei, é tudo bonito no discurso. Por isso até que gostei do de Passos Coelho, cheio de certezas, de critérios para uma mudança, que não tornasse os magnatas, afinal, tão dependentes dos dinheiros do Estado.
- O que eu ouvi foi um economista que afirmou que há uma década o país está a afundar-se.
- Só há uma década?
- Ele considera esta última a pior de todas. Outro que disse o que a gente toda diz, que a única coisa é criar mais riqueza. Entretanto ouvi hoje de manhã a notícia de mais uma fábrica a fechar. Até a agricultura foi ao ar.
- O Rangel não quer o Coelho, prefere o Marcelo. E lá andam eles em tricas internas, sem preocupação, a não ser, provavelmente, em salvar os seus nacos pessoais.
- O Marcelo é mais literatura. O que era preciso é uma Junta de Salvação Nacional.
- Com quê, se falta dinheiro?
- Pois, o dinheiro está todo roubado. Mas chega-se à conclusão de que não foi nada assim, não fizeram nada. Não há cá outra maneira de resolver estes problemas. Só há estes. Os que estão na política estão a pedir quase de mãos postas que alguma coisa mude. Alguém dizia: há casos gravíssimos. Estas pessoas não são castigadas. Então chegamos à conclusão de que é tudo mentira, inventado. Deve ser tudo inventado. Processos arquivados.
- Já viu que o Sócrates não dá ares de acreditar que houve mudança? Que agora não está na altura do absolutismo? Parece que quer continuar com as mesmas políticas, provocar o mesmo estardalhaço, avançar em obras ruinosas, manter a ruína moral e espiritual no ensino e na sociedade? Ele diz que em 2010 arranca nos projectos de emprego. É sempre no porvir. Nunca para já. Entretanto, as fábricas fecham. Mas o Durão Barroso diz que os países como o nosso, extremamente endividados e sem capacidade de gerir, não serão punidos, embora tenham que prestar contas, claro. Mas não serão castigados.
- Os que não são castigados são os que roeram e vão continuar a roer o tutano, os tais inocentes. Restam as ossadas.
- E a vergonha do que está, e o pavor do que virá.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eles não sabem nada! Zero!

Falávamos no escândalo de Aveiro. A minha amiga forneceu dados:
- É verdade! Está hoje um a responder. O empresário das sucatas. Manuel Godinho. Há um ano a ser investigado pela Polícia Judiciária. Mas não tem peso nenhum na consciência. Acho que tem ganho concursos à custa do suborno. E o negócio da sucata vai aumentando. Mas o Varas está espantadíssimo. Também não tem peso na consciência. Há um filho do que está preso – o tal Godinho - que está a ser ouvido hoje. O filho do da sucata. O homem deve ser podre de rico. Mas não vale a pena falar.
- Tudo vale a pena...
- Não, o Godinho não tem peso nenhum. E o Vara não tem uma mácula. Zero! Aquilo são variadíssimas empresas. Não é só sucata. Mas ser arguido não quer dizer culpado. E anda a polícia a trabalhar há um ano. Eu, Godinho, não tenho peso nenhum.
- O dinheiro dá muita consciência de si, muita auto-estima.
- Sim, porque se a facilidade da carteira é tal, tudo o mais se desfaz, o resto do mundo é nada.
- Quando não dá para o torto...
- Vai ver que não dá! Já é muito antigo, isto de se enriquecer por cá, como agora se diz, em “rede tentacular”. Ninguém é responsável, porque a amizade é que conta.
- Mas se por acaso se fartarem de aturar as perseguições dos invejosos, poderão fazer como o rato – mais um - do La Fontaine que, farto do mundo cruel, que o perseguia, foi para o deserto, fez-se eremita, e, enfiado num queijo, ali engordou, de lá não mais saiu, enriqueceu, e quando os companheiros da ratopolis o procuraram, para que os auxiliasse contra a invasão dos inimigos, ele abençoou-os e mandou-os de volta, para junto dos seus, porque as coisas da Terra já não eram com ele, que agora pertencia a Deus.
A minha amiga não aceitou o paralelo, acha que eles - os nossos ratos - se safam cá.
- Ora essa! – respondi, abespinhada por tanta incompreensão – o deserto pode equiparar-se actualmente a Londres, Dubai, Macau ou quaisquer outros sítios onde puseram o dinheiro a render e construíram palacetes. O certo é que um país com tanta gente assim, organizada em rede, depressa chega ao fim, porque são sempre mais as células individuais, da queda livre. E quem for pedir socorro a esses tais, para endireitar a sua pólis, como acha que é recebido?
- Percebo: “Vá com Deus, que eu fico com Ele”. Não é muita hipocrisia?
- Mas paraíso é sempre paraíso. Ainda que fiscal.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Falta de assunto

- Hoje não tem assunto?
- Não, eu não saio de casa não tenho assunto. Agora no Pingo Doce mais uma vez fiquei danada. Os limões da Itália, as uvas de Espanha, os ananases com o rótulo da Espanha... Será que são? O que o Saramago diz de união ibérica não está longe. O Cavaco foi lá, não percebo porquê. Ou melhor, não li.
- E foi tratado com muita deferência e referência à amizade que une os reis aos presidentes e mais pessoas importantes daqui. O que é que se estará a tramar?
- São visitas de cortesia. Talvez a pedir auxílio.
- Temos também um logotipo da candidatura ibérica para o Mundial de 2018... Agora é que vai ser!
Não ligou, chauvinisticamente interessada na proveniência dos legumes:
- Favas! Mas é possível que estas grandes superfícies que compram comida, não a encontrem cá? Eu acho que devia haver um orgulho nacional. Assim: não é português, não compra. Como é que o governo vai explicar esta bandalheira de falta de produtos nacionais? Onde estão os agricultores? Morreram todos? Os pescadores já não pescam. A pesca diminuiu estrondosamente. Eles dizem que morrem de fome.
- A juntar aos despedimentos e desemprego... E com a diminuição da natalidade...
- A Europa manda. A explicação é que é mais barato o produto de fora. Comprar em Portugal é muito caro.
- Falta-nos calibragem...
- A gente sabe lá quando olha para a fruta se tem calibragem! Para comprar qualquer fruta portuguesa só indo às casinhas da fruta. O meu filho diz que a fruta no Algarve está no chão. Não há dinheiro para pagarem a quem a apanhe. Deixam tombar. Há dias foi a pera...
- O país tombando...
- E as setecentas reformas milionárias que estão na maior! Directores, muitos directores... Ora, se até agora se conseguiu fazer essa escandaleira, era altura de lhes tirar metade. Que saia uma lei! Espero que estes novos que entram agora peçam isso! Ao menos os da esquerda que peçam isso!

A minha amiga é de bom tempo! Sempre confiante... Acrescento, na mesma via do escândalo:
- Então e mais um novo grande caso de corrupção que envolve tanta gente conhecida! Será que vem numa linha de eliminação dos anteriores crimes, para novos estudos de novos arranjinhos - ou talvez já velhos – cuja solução se vai protelando, indefinidamente, como os antigos, à espera de outros que virão a seguir? Arranjinhos que envolvem familiares e amigos, e vão “tirando a pele a quem trabalha”, como diz o meu marido...
Somos donas de casa, não temos assunto. Não temos outro assunto.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nomenclatura a quanto obrigas

Falámos na nossa vinda para cá, no concurso – ainda os havia, nesse tempo, graças a Deus - que possibilitou o emprego do meu marido, cuja data do primeiro dia de trabalho tivera lugar em 27 de Outubro de 75, há, pois, 34 anos, com anos de trabalho anterior de serviço à pátria, e numa empresa particular em África. Confrontámos com a data em que eu própria assinara o meu vínculo ao Estado, também 27 - mas de Dezembro - de 57, em Aveiro, concordámos em coincidências engraçadas, de capicua nos anos, identidade nos dias, falámos nos 17 anos que, em 75, tinha o meu filho mais velho. E no liceu que deixara em África, que passara a não ter mais essa designação cá, generalizada a escola secundária, desaparecido o ensino técnico. Nem o 6º ano existia mais, passara, provisoriamente a 1º complementar, agora 10º, tal como o 7º provisoriamente a 2º, agora 11º, com um 12º de reforço, tal como o ensino primário também desaparecera, transformado em básico, desaparecidas as classes, generalizados os anos, em estranhos complexos denunciadores de estranhas susceptibilidades sócio-pedagógicas, que as classes também desapareceram democraticamente das vias férreas, generalizado o automóvel a qualquer bicho-careta, embora a frota automóvel do governo denuncie que a classe se mantém, várias vezes renovada.
Comentámos sobre a pujança das transformações nas nomenclaturas, falámos na ponte "Salazar" que passara a "25 de Abril", porque uma ponte é sempre uma passagem para a outra margem. Lembrámos que em África os nomes das ruas, praças e demais excrescências colonialísticas também tinham sido mudados. Como aqui, ruas e praças, além da ponte Salazar, identificando-nos, pois, nos cortes e substituições, com os nossos irmãos negros.
O meu marido, mais novo do que eu, mas menos compreensivo, critica e comenta que nas nossas possessões da Índia os nomes antigos foram mantidos, se não por amor à anterior soberania portuguesa, pelo menos por um acto de educação e cultura - porque são povos tradicionalmente cultos - como elementos históricos a ter em conta no estudo das civilizações.
Mas eu achei que a cultura dá muito trabalho a manter-se, e o melhor nestas coisas das transformações é mesmo adaptarmo-nos às novidades importantes, quais sejam essas da mudança de nomenclaturas, por consideração progressista para com a ideia de progresso.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A gente boa

O comentário de Braamcamp Mancellos implicando natural indignação contra as injustiças – sobretudo as portuguesas, acompanhadas por um carisma de egoísmo e incompetência governativa – e uma carinhosa piedade pelo povo humilde de Inhambane, com referência ao irmão mais velho de mais quatro órfãos de quem aquele se encarregou, informando na reportagem televisiva da Sic nada precisar da vida – atitude que, segundo Mancellos, revela uma lição de vida para a sociedade portuguesa desligada de princípios - lembrou-me um texto escrito em 74, justificativo do meu cepticismo a respeito da bondade ou do desinteresse do homem primitivo, ideia romântica fortalecida pela teoria do “bom selvagem” de Rousseau, que há muito, desde os meus primórdios infantis, a lembrança terrífica de crimes cometidos na aldeia por um pedaço de água nas regas contestou, quando com ela me confrontei.
O que leva o jovem irmão a responder que de nada precisa, aceitando embora a hipótese de grande dignidade e de boa formação moral arreigada pelo sofrimento, e ressalvada a marca de “terra da boa gente” da tradição de Inhambane, é provavelmente a inconsciência e o desconhecimento dos seus direitos e das coisas boas da vida que leva o jovem a negar a necessidade delas. Caso as conhecesse, caso tomasse consciência do seu posicionamento no mundo, como ser humano, segundo uma norma de igualdade defensora dos direitos humanos, o sentimento da injustiça e o apetite do bem-estar que é distribuído aos outros, logo o fariam responder de outro modo. E com pleno direito o faria.
Em Moçambique trabalhei, dei aulas nocturnas a muitos homens que desejavam alcançar outra posição na vida e admirei a coragem de muitos deles, que depois do trabalho iam ainda estudar, alguns cabeceando com sono. Admirei a dignidade de um criado meu – o Finias – que se preparou para o exame da quarta classe. Não dava erros no ditado, acertava todos os problemas, mas a história e a geografia não eram o seu forte. E no dia do exame recusava-se a ir, com a consciência da sua imperfeição em algumas matérias. Levei-o no carro, mau grado a recusa, e fui com ele até à sala do exame. E no fim, foi a glória de um excelente resultado. Mas essa dignidade do Finias nunca mais a esqueci, sobretudo quando em confronto com a situação aqui, de alunos nocturnos das “Unidades Capitalizáveis” que debandavam logo na primeira semana de aulas. Tinham-se matriculado para terem redução nos passes, não lhes interessavam as matérias em estudo, a maioria por incapacidade de as apreender, alguns por se julgarem acima, no conhecimento. E lembro os exames em que alunos se autopropunham “a ver se dava”! Quantos zeros nas pautas, à conta disso! Quanta indignidade, de oportunismo e farsa! Não, nem podemos condenar outros oportunistas dos muitos que singram bem. “Faz parte”, diria um actor brasileiro cujo nome esqueci, que acentuava a injustiça da sua condição de empregado, alombando com as velhas, face ao patrão jovem a quem cabiam as raparigas esbeltas. No nosso caso, “faz parte” da nossa mentalidade – com as ressalvas de muitos, felizmente, ainda - o desinteresse pelo estudo, a inobservância das regras, a indignidade das manobras para a realização dos objectivos.
Mas, se Moçambique é hoje dos mais pobres países do mundo, deve ser porque, sendo “terra de boa gente”, esta aceita passivamente os atropelos dos seus governantes, que vão alinhavando os seus governos em velhos termos conhecidos, do oportunismo pessoal dos seus políticos, sem ter em conta direitos nem teorias de igualdade. E, sem esperança na vida, deixam-se condenar pela sida, já condenados pela própria miséria..
Porque não é lição de vida, sr. Braamcamp Mancellos, o dizer-se que nada se deseja da vida, satisfeitos com o que se possui e se construiu, mas na carência de tanto. Só a ignorância – ressalvada a dedicação ou a inércia religiosa dos dedicados a Deus – é que nos pode levar a fazer uma tal afirmação. Mas dêem-se-lhe oportunidades – devem dar-se-lhe oportunidades, para mais agora, que foi chamada a atenção para o seu caso e de tantos outros de Inhambane e não só – e o jovem lutará por mais. Com todo o seu direito.
Se quiser, leia o texto infra, dos tempos pós 25 de abril de 74, quando o medo e o desespero de ver a pátria soçobrar nos afundava num sofrimento grande, mas ainda de esperança de que tudo não passasse de pesadelo. O livro “Pedras de Sal”, donde é extraído o texto, são a prova de uma inútil luta de esperança, antes da fatal declaração pronunciada por Spínola, concedendo a independência às colónias e que assinalei nesse livro desta forma:

«A DATA HISTÓRICA
27 de Julho de 1974
FIM DO IMPÉRIO ULTRAMARINO PORTIUGUÊS
“DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS TEM!”»

O texto que segue, de (pseudo) tomada de consciência, pertence ainda à luta, não à desistência que o anterior traduz, terminando o livro com o texto seguinte – “Colonos” - que já revelei neste blog. A partir desse, tratei dos papéis – meus e dos filhos – para o nosso retorno à Pátria que nos tinha atraiçoado, na pessoa dos seus muitos heróis.

«Greves
Vi hoje magotes de gente vinda das bandas do governo. Parece que tinham ido fazer reivindicações. Levou tempo a escoar-se pois eram vários milhares.
Eu encontrava-me junto do meu espada em segunda mão e receei que mo reivindicassem também. Mas era gente ordeira naquela altura, ou porque tivessem notado os buracos da chaparia, ou porque realmente apenas queriam o aumento dos seus salários. Passaram dois, bastante gordos, muito animados. Dizia um deles: “Não é justo uns ter fome e outros não”. Fiquei a magicar se, ao apontar os esfomeados, se quereria referir a mim, que ultimamente apresento aspecto debilitado, mas não me ofendi e continuei a observar.
Deu-me satisfação verificar que o nosso povo se está assim consciencializando, ou, mais propriamente autodeterminando, e recordei a carta de uma amiga que, de uma aldeia metropolitana me dá conta da actual convicção do nosso povo eufórico, de que vai ganhar mais e trabalhar menos.
Contaram-me ainda o caso de dois sapateiros sócios, sentados à porta da sua garagem alugada, a fazer greve, já que toda a gente a fazia. Momentaneamente cheguei a temer que os patrões das várias empresas se lembrassem de os imitar, por espírito de camaradagem democrática, mas afastei a ideia importuna, imobilizadora de energias e potencialidades a nível nacional.
Alguns grevistas, pouco hábeis em contas, pediam 900$00 diários, a saber, 2700$00 mensais. Outros, ainda menos hábeis, que ganhavam 100$00, desejavam 90$00 diários, sem dúvida por terem notado que o 9 é superior ao 1 em valor absoluto. A alguns, com 40$00 diários, foram prometidos 100$00. Protestaram, queriam 100% mais. Custou a convencê-los da indiscutível vantagem da primeira oferta.
Cá em casa também vivi angústias, receando greve do Salvador, mas foi só enquanto se não definiu a posição do seu vitorioso Sporting. Desde essa definição tem-se mostrado feluiz, graças a Deus, e trabalha em glória e dinamismo, desejoso de imitar o pontapé certeiro do Yazalde. Quanto à Marta, não dá problemas. É amiga dos pequenos e além disso ela própria se beneficia de tempos a tempos com uns aumentos muito peculiares e desculpáveis por razões étnicas hereditárias.
Mas com efeito, também as mulheres se têm mostrado muito enérgicas a reivindicar salários justos, e além disso, igualdade e liberdade em relação aos seus homens. Esqueceram-se apenas de invocar a “fraternidade” dos nossos irmãos da Revolução Francesa,
Todavia, para o caso tanto faz, pois tal fraternidade não obstou a que a História da França ficasse para sempre manchada com uma longa página sangrenta de terror e de loucura devastadora

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sozinhos na cubata

Hoje pouco tínhamos que dizer, só que observar que o governo tomava posse, iríamos ouvir as mesmas leituras laracheiras dos mesmos ou idênticos ministros, prometendo lealdade nas funções das suas incumbências, os mesmos discursos dos chefes - de dignidade e gravidade o do PR, de confiança em si o do PM, sempre de sangue na guelra, ambos acentuando as dificuldades, sem as sentir na pele, realmente, o costume, o cansaço do costume.
Ainda observámos quanto temos andado tanto em festas e que isto não pára, pois a seguir teremos a tomada de posse dos secretários e aderentes e mais promessas laracheiras. Mais festa, para o país ouvir, com os comentários dos jornalistas, já a prever indiscrições.
- Olhe, se tivesse visto a excelente reportagem de Cândida Pinto, na Sic, sobre o problema da sida em Moçambique, teria gostado. Merecia um prémio.
- Aqui, ultimamente, temos a questão do haxixe, plantado inadvertidamente por entre as hortaliças, que talvez renda uns trocos se a polícia não intervier. E a nossa internacionalidade avança deste modo a passos largos, como a do Afeganistão e da Colômbia...
Mas a minha amiga sente uma ternura especial por Moçambique. Continuou:
- Os professores parece que estão a fazer um bom trabalho em Inhambane. Tantas crianças órfãs, primeiro morre o pai, depois a mãe, contaminada. Eles muito rápidos a alinhar, na escola, antes de se sentarem no chão, com o material de estudo. E falam benzinho o português.
- Mas não alinharam especialmente para a televisão? Será que alinham sempre?
- Parecia hábito.
- Aqui nunca alinham. É tudo ao molho. E sem fé em Deus.
- Houve o caso de cinco irmãos que ficaram sem pais. O mais velho toma conta deles. O mais novinho disse, com uma carinha...: “Nós à noite temos muito medo. Dormimos juntos. Tenho medo”. Medo da noite. Sozinhos na cubata. A habilidade daquela malta...
- Então não há uma organização para debelar a sida?
- Aparece aquela Machel...
-Graça...
- Queixa-se do povo, que não há meio de interiorizar o perigo que é a sida. A vida sexual dos miúdos começa cedo demais. Têm um mato enorme. Distribuem-lhes preservativos. Mas parece que não há solução. Ela faz parte dessas organizações que protegem o povo. Muito bem vestida. Mas ela veio dizer isto: não há solução.

domingo, 25 de outubro de 2009

Fábula domingueira

La Fontaine tem fábulas em qualquer área
E para quaisquer ocasiões.
Não tenho dúvidas quanto a esta verdade,
Nem indecisões
A respeito da universalidade
Da sua produção extraordinária.

A doninha que entra magra num celeiro,
Por um buraquinho,
E não consegue sair
Nem fugir
Porque o buraco ficou apertadinho
Para quem, como ela, comeu que se fartou
E muito inchou,
Tem uma consagração
Tão geral
- Direi mesmo global -
Que nem precisa de explicação,
Tal a frequência da sua aplicação
Antiga e actual.
Mas ainda mais hoje em dia
Com tanta doninha
Entrada magrinha
No buraco estreito da casinha
- Ou sequer Nação –
Em enorme proliferação
Que em breve o celeiro
Perde o alimento inteiro
Nada sobrando
Para a maioria
Cuja soberania
Só ficou na canção
Da vila alentejana consagrada,
Mas apenas como poesia
Falhada.
Aliás, ninguém mesmo pensa em passar
O buraco estreito do celeiro
Preferindo ficar por inteiro
Até findar
A refeição,
Sem pensar
Em emagrecer
Ou o peso perder.
Vejamos então
A tradução
Sem mais questão,
Que o La Fontaine
Também dá a explicação:

"A doninha que entrou no celeiro"

Donzela Doninha,
Corpo longo e sinuoso
Entrou num celeiro
Por um buraco manhoso.
Saíra de doença recente
Mas, sempre tesa,
Comeu à tripa forra no celeiro,
Cheia a mesa,
Comeu, roeu, sabe Deus com que fervor,
E o toucinho desapareceu,
Sem nenhum pudor.
Ei-la, em conclusão,
Gorda, opada, como o Sebastião
Comilão.
Ao fim de uma semana
Tendo comido a seu prazer,
Ouve um ruído sacana,
Quer abalar,
Pelo buraco não consegue passar,
Julga que se enganou
Depois que tanto o procurou.
Diz ela então:
É este o buraco, sem objecção,
Há cinco ou seis dias por ele passei
Bem sei.
Um rato que a viu em aflição
Comentou desta feita:
- “É que, então,
A sua pança estava mais estreita:
Entrou magra, magra deve sair
Não há que discutir.
O que lhe estou a dizer
Digo-o a muitos mais,
A outros que tais,
Mas não confundamos, para não aprofundar,
Nem me prejudicar,
Os negócios deles,
De ambição sem solidariedade,
Com os seus, doninha,
De mera voracidade.

sábado, 24 de outubro de 2009

O ponto e a alavanca

Foi Arquimedes de Siracusa que afirmou um dia - creio que já depois do lendário grito “Eureka” com que anunciou que descobrira a fórmula de obtenção do volume dos corpos, partindo da água da banheira onde se banhava - afirmou que, com um ponto de apoio e uma alavanca ele moveria o mundo.
Tratava-se de um sábio, talvez descrente dos mitos que explicavam a criação do mundo e a sua infinita variedade. Daí a arrogância do dito, que serviria, no entanto, a outros sábios e a outras descobertas posteriores.
Entretanto, um povo com tendências místicas, achara que tal criação do mundo, que povos politeístas atribuíam a poéticos deuses responsáveis pela organização de guerras e a criação de heróis na Terra, fora, pelo contrário, ordenada por um só Deus e que esse Deus a ele confiara pessoalmente o seu papel nessa criação, ditando-lhe umas leis que ficaram inscritas na pedra e anunciando, progressivamente, depois de muito castigar os homens, a vinda dum Messias que com a sua morte os salvaria.
Politeísmo, monoteísmo, formas de justificar aquilo que o Homem procura em vão conhecer, o problema da Criação, o problema do Criador. Religiões responsáveis pela criação de obras humanas, com maior ou menor veracidade, mas cuja autoria se perde na noite dos tempos – caso das epopeias gregas, caso das narrativas da Bíblia. E todas elas de extraordinária profundidade e beleza, a par de uma criatividade que nos maravilha, mau grado a bruteza de tantas delas, aliadas ao sentido do milagre nas histórias bíblicas do Velho Testamento, e até do Novo, de que a morte de Cristo seria a mais cruel e inútil.
O monoteísmo, prevalecendo sobre outras formas de teísmo, na formação do judaísmo, islamismo, cristianismo, espíritos racionalistas tentariam pôr em causa, posteriormente, o problema dos dogmas, defendendo a liberdade de pensamento, combatendo a superstição, como o fizeram os filósofos da Revolução Francesa, como Voltaire, com o seu frio deísmo racionalista, ou Rousseau, com o seu poético deísmo sentimental, seguidores, de resto, da filosofia inglesa, defendendo a liberdade e a tolerância religiosas, responsabilizando a própria natureza humana pelos seus males e misérias.
Muitos mais filósofos se lhes seguiram, os adeptos do agnosticismo teísta ou ateísta, que nega ao homem a possibilidade de definir cientificamente Deus, os primeiros baseando na fé a sua crença, os segundos negando Deus.
É esta última a posição de Saramago, que se proclama ateu e que escolhe uma personagem bíblica para condenar a Bíblia, como livro de “maus costumes”, a pretexto de que ficou marcado em criança já, pela injustiça de Jeová contra Caim.
Entre as várias parábolas tão poéticas ditas por Jesus aos seus apóstolos, também lembro a história do “Filho Pródigo” como uma história de injustiça, que poderia atrair igual vingança do irmão cumpridor, que nunca teve vitelo nem banquete a festejá-lo. Mas a doutrina de Cristo é de bondade e perdão, temos que a aceitar, enquanto que a de Jeová é de vingança e retaliação.
Não é caso para se condenar duma assentada uma obra tão extraordinária criada pelo homem, até porque, ressalvada a perícia de alguma obra sua, o ponto e a alavanca de Saramago não têm a dimensão para destruir que tiveram os de Arquimedes para construir, movendo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Além do Bojador, MFL!

Manuela Ferreira Leite ainda não desistiu.
Muitos são os que a empurram, que a foram empurrando, em ademanes farisaicos, com um Pedro Passos Coelho saracoteando-se em jeitos, inicialmente, de compostura modesta admitindo a chefe – mas esse tempo já passou - e agora os jeitos nervosos de quem, protegido pelos que o lançaram e açulam, faz sentir a indispensabilidade de iniciar novos rumos para o seu partido, os novos rumos subentendendo, é claro, a presença de um Coelho ambicioso a sair de dentro da cartola.
Partido que quer o poder, mas não consegue. Ferreira Leite não o conseguiu, e parecia séria, sem malabarismos na manga, os malabarismos de que Sócrates se serviu para iludir as gentes que o escolheram, malabarismos que vai continuar a desferir, como o faria Coelho caso estivesse ele no lugar de Sócrates.
São jovens, como jovens foram os anteriores chefes que lhes deram o lugar e que fomos vendo a envelhecer contentes, saboreando o trigo que colheram por entre o joio dos seus campos, para usarmos de imagens bíblicas actualmente em exibição. São ambiciosos, como o foram os patriarcas, desejam também colher do mesmo trigo deixando o joio para os que já estão por tudo, ou que não podem estar por outra coisa, que os do trigo são de distribuição parcial.
Francisco Assiz, leader parlamentar do PS, que esta noite participou na Quadratura do Círculo, afirmou-se simpaticamente preocupado com as cisões do PSD, o maior partido, depois do PS, de quem se esperam propostas válidas, embora "não uma união nacional", que esse tempo já passou. A coesão é necessária no interior de todos os partidos, para que a governação do PS se processe com seriedade e compostura, os outros deixando-o agir sem muita bulha, eventualmente com ele alinhando.
Mas de facto as cisões do PSD, não deviam existir. A credibilidade que Manuela Ferreira Leite trouxe, que maior seria se muitos dos seus partidários a não tivessem traído, vai desaparecer com novo leader, mais um trepador papagueando para plateias descrentes.
Ainda bem que Manuela Ferreira Leite ainda não desistiu.
Se ama o seu País, não deve desistir.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

“Tudo são Recordações”

Andamos frustrados. Não direi todos, mas a maioria. Zangados com os homens por amor de Deus ou de nós próprios, zangados com Deus por amor dos homens e de nós próprios.
Mas recebi um e-mail comportando um pedaço do génio de Walt Disney, dos anos cinquenta, “Aquarela Brasileira” que o site “Alma Carioca“ disponibilizou – um texto publicitário contendo uma visita de Donald Duck ao Rio de Janeiro, onde é acompanhado por Zé Carioca. E estes seres, que no filme são criados através da paleta de tintas de Disney, acompanhado das canções brasileiras “Brasil, meu Brasil Brasileiro”, “Nico Nico no Fubá” e mais sambas, deixam-nos do Homem uma visão não mais macabra mas edénica, que nos reconcilia, ainda que momentaneamente, com os homens e com Deus, por amor da Beleza e do génio de Walt Disney.
E momentaneamente também, me dispus esquecer o presente e a recordar tempos antigos, em que, no Jornal Notícias de Lourenço Marques tinha uma coluna – “Amor e Humor” - na “Página da Mulher”, dirigida pela escritora Irene Gil e onde assinava Regina de Sousa.
Textos muitas vezes com graça ainda jovem, e resolvi, à maneira de Vitor Espadinha, recordar alguns que, mesmo hoje, pudessem trazer um sorriso, ainda que momentâneo, a quem anda acabrunhado, na discórdia da vida.
De “Prosas Alegres e Não”, 1973:

«Treinos
Muito gostava eu que acreditassem em mim, mas segundo li há dias, na voz do insigne poeta Beira, só quando agarrar uma arma entre os dentes ou me mantiver em posição vertical, merecerei confiança.
Fiquei desgostosíssima e tenho-me posto em treinos diários, mas confesso que a minha saúde se tem ressentido e serei forçada a desistir, o que deveras me aflige.
À falta de arma, arranjei um pau de vassoura dos mais pesados, mas o único resultado por enquanto obtido foi o de rachar dois dentes, importantíssimos para segurar a vassoura.
Ando a dormir em pé para me manter vertical, e o mesmo fazem as mulheres da minha rua, como eu infelizes e complexadas, por causa da poesia “À Mulher”.
Elas todas têm sofrido em certas circunstâncias da vida – são todas mães de família – umas dores fortíssimas, a que reagem mais ou menos ruidosamente. Mas tão incomodadas ficaram, que prometeram fazer a greve do silêncio, naquelas mesmas circunstâncias, só para se acreditar nelas. Também afirmam, muito aborrecidas, que afinal só os homens podem lamentar-se à mais pequena dorzita, e ninguém os menospreza. No entanto, a lição serviu-lhes, pois são muito receptivas aos bons conselhos, e prometem nunca mais chorar.
Supunham elas andar verticais e humanas cá por estas ruas da amargura e da desumanidade, mas o poeta Beira diz que não, que isso é só com ele e com os outros homens. Humildemente, então, andam todas a treinar-se, tal como eu, e a “tornear desejos”, a ver se chegamos “além das nossas fronteiras”. Algumas já o conseguiram, amavelmente autorizadas pelos terroristas.
Outra coisa feita por nós também com muita perícia é “clamar” – apesar da greve do silêncio – “pelo grito das razões lúcidas”. Todas compreendemos a necessidade da lucidez, e por isso toca de “clamar” e de “esmagar os róseos romances”. Um autêntico massacre! Pior que a devastação sofrida pela biblioteca cavaleiresca do nobre D. Quixote da Mancha. Até tive muita pena da Max du Veuzit e da Magali, tão maltratadas pelas suas ex-admiradoras, condenando-as definitivamente ao índex expurgatório.
E após estes treinos tão exaustivos e plenos de boa vontade, ficamos todas loucamente ansiosas de saber se acredita finalmente em nós o prezado poeta Beira.»

«Fraquezas
Fico sempre muito contente quando me reconhecem qualidades. Acho isso de resto uma fraqueza de todo o mortal pouco confiante em si próprio e necessitando que os outros acreditem nele.
Vem este assunto a propósito da carta aberta – que por sinal vinha fechada – enviada pelo poeta Luís Beira à minha discreta pessoa – a congratular-me pelo meu bom humor, quando o mais que se encontra por aí é gente mal humorada.
Comparou-me a uns autores espirituosos mas desconhecidos do meu espírito ignorante. Por isso mesmo, o meu amigo João que também me acha muito ignorante, muito desactualizada – entendendo por desactualização uma cultura não superior à do homem do Neolítico – anda a tentar ilustrar-me, emprestando-me livros que eu docilmente vou acumulando na mesinha aonde costumo acumular livros. Agora já estou às voltas com a civilização assírio-caldaica, suspensa na contemplação dos seus jardins miríficos.
Também achou o poeta Luís Beira que o meu humor se enquadra perfeitamente dentro do tipo da revista brejeira e o meu contentamento foi ainda maior, por isso vir de encontro aos meus desejos torneados de lúcida realização. E até, como é essa igualmente a minha ideia, já em tempos concorri para uma empresa organizadora de revistas, mas faltou-me a mola de acesso de todas as realizações, a necessária cunha para a minha pretensão ser despachada a favor das minhas fronteiras. Injustiças, cuja dor o tempo se encarregará de suavizar.
Quanto aos treinos, eu agradeço os cuidados do poeta Luís Beira, mas para já encontro-me impossibilitada de os continuar por falta de tempo. Tenho-o perdido todo no dentista, onde ando a fazer a dentadura substituta dos dois molares rachados durante aqueles...»

Finalizo com um “auto-retrato”, confirmativo da valentia demonstrada nos treinos com a vassoura, texto contido no livro “Pedras de Sal”, de 1974, no capítulo “Antes do Golpe”, ainda brincalhão, livro que incluiria como 2ª edição em “Cravos Roxos – Croniquetas verde-rubras”, publicado cá, em 1981:

«Solidez
Sou sólida. Fernando Pessoa dizia-se lúcido, eu apenas me posso gabar da minha solidez.
Mas gostava de ser frágil, isso sim. Quando precisasse de transportar coisas pesadas, diante de assistentes, haveria logo um cavalheiro, dos velhos admiradores de fragilidades, que me tirasse o peso das mãos e o transportasse ele. Acho muito lindos gestos assim, ainda há pouco observei um. Uma jovem magrinha e bonita, de olhos baixos e sorridentes, tentando transportar uma máquina de escrever. Não devia ser pesada, mas para ela era, pois com um sorriso, convidou um cavalheiro para o transporte.
Assim mesmo é que deve ser, mas hoje explora-se pouco o ramo da delicadeza masculina. A mim, pelo menos, não se me têm deparado muitas atitudes daquelas, e talvez se deva isso à minha solidez que inspira confiança imediata na minha capacidade transportadora de pesos.
Como sou romântica, embora sólida, preferiria o “côté fragile”, mas nem todos, neste mundo, podemos ter as mesmas coisas, temos de nos conformar.
De resto, depende muito também, a consideração alheia, do nó de gravata nos homens, ou da distinção da saia, nas mulheres. A cada passo o vou notando, desgostosa e desiludida.»

E a mensagem de optimismo destes textos arcaicos, dos tempos da máquina de escrever, é a contida neste último, como consolo dos acima ditos frustrados: "nem todos, neste mundo, podemos ter as mesmas coisas, temos de nos conformar".
Sensível como é às injustiças do Jeová e mesmo do mundo português, Saramago não concordaria, em todo o caso, com tal postulado, embora não haja o perigo de que o leia.
Todavia, serve o remate para, gentilmente, eliminar a malquerença para com ele.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

“Um dia de cada vez”

Falou-se no Saramago e a minha amiga, muito enjoada – com medo que o céu lhe caia em cima, como o chefe dos Gauleses, Abraracourix, mas esperançada, também como ele – e todos nós, mesmo os desconfiados - de que “amanhã não será a véspera desse dia” - explicou que se trata duma polémica para vender:
- Ele não esteve nem um bocadinho preocupado. Vai vender que se farta. Agora que os Católicos e os Judeus reajam, temos de aceitar. Mas pronto, qualquer dia também não se fala mais nisso. Estamos esclarecidos.
Falou-se das contas públicas, da situação catastrófica, da ruína que não tem sentido para grande parte, porque continua a haver espectáculos cheios, de U2, de futebol e semelhantes, carros em barda, telemóveis topo de gama, muita viagem de férias...:
- Eu tive sempre medo de que acontecesse isso a este país. Mas não via ninguém preocupado. Incluindo a minha amiga de Economia, sem a mais pequena preocupação, porque a sua vida económica desliza “como um rio de brilhantes”...
Essa fez-me lembrar Cesário Verde em “Cristalizações” e felicitei-a pela comparação literária:
“E os charcos brilham tanto, que eu diria
Ter ante mim lagoas de brilhantes!”
Não ligou à interrupção, embalada no seu desespero:
- Quando vi na Argentina as pessoas às portas dos bancos pensei logo: Aqui também vai acontecer! E aqui aconteceu. Em pequena escala. Pessoas a dormir à porta do BPN. Mas isso já nem é nada. Um dia isto vai acontecer cá. Mas também não estou a dizer que adivinho. Nunca se discutiu isto dos Bancos a sério. Agora é a crise mundial... Como é que isto está? Não lhe dá agonia não ver saída?
- Claro! Vómitos...
- É o Sócrates que vai sofrer isto?
- Não, nem por sombras!
- O que é que vai acontecer? Há desempregados até dizer chega! Quando é que eles dizem o que se vai fazer? Até agora só vi: aumentaram a luz, o gasóleo; o rendimento mínimo fica na mesma...
- Agora é o leite...
- Quem sobrevive? O rendimento mínimo não sobe. E vamos lá a ver se não desce... Mas o que espanta são os milhares de lugares para os U2, já cheios. As pessoas dormem no chão a fazer fila. Mas se não for isto é outra coisa. O futebol, cheio. Os seus filhos não vão ver e os meus também não. E no entanto arranjam ali 50000 pessoas nas calmas. Também é verdade que a gente vai dizer assim: - E então eles não têm direito? São novos... Estou com medo deste país. Esta geração – a nova e a menos nova... Enfim! Um dia de cada vez, é o que devemos ter em mente. Eu gostava de saber como é que estamos de balança comercial: o que é que se exporta. O que se importa a gente sabe. Será que ele vai fazer o TGV? A Tap, de cavar a sete pés. Gastaram à doida, abusaram à doida. E quando foram buscar o brasileiro, ele recuperou bem. Mas agora está em crise. Então se aquilo vai abaixo, como é?
Quis mostrar que também sei coisas:
-Talvez se aliem à Tag de Angola.
Mas essa, a minha amiga não ouvira. E eu aproveitei para lhe ler um comentário que recebera por e-mail, encimado por uma linda foto de uma linda rapariga, noiva do Miguel Portas, portanto do BE, que, segunda na lista para Bruxelas, lá está, com o seu noivo, a ganhar bem... O sol quando nasce é para a esquerda, a direita, o centro... O resto, é a massa uniforme. Um dia de cada vez.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Nobel

Ouvi ontem José Saramago. Discursando e lendo passos do seu último livro – “Caim” – para um público nortenho, a quem o discurso terra-a-terra - como terra-a-terra me pareceu o texto da sua leitura - provocaram um riso que me pareceu tão alvar como a figura do escritor, rindo-se da sua graça, de ter chamado à Eva a Primeira Dama, embora não houvesse então, segunda ainda.
Puro brinquedo anedótico, de consistência malandra, impróprios de um Prémio Nobel. Num objectivo primário de acanalhar, de denegrir, a pretexto de que a Bíblia é um repositório de crimes, de condenar a Bíblia por ser um livro imoral e falso, que explica que Deus “fez o mundo em seis dias, porque ao sétimo descansou”, lugar comum de gozação parola, há muito banalizado, por quem não sinta ou não queira sentir a beleza poética do discurso introdutório do Génesis, que a teoria do evolucionismo e tantas outras filosofias e descobertas científicas têm contrariado, sem, de facto, conseguirem responder à inquieta dúvida humana, sempre envolta na mesma noite de ignorância a respeito do “Incognoscível”.
Saramago, usando da sua autoridade que supõe sábia, porque laureada, de destruidor de mitos, não é mais que um aviltador de crenças, à maneira bacoca que outros igualmente tentaram, alguns, todavia, como Daudet, pondo as graças grosseiras na boca do povo, que descreve com realismo simpático e não molestador. Refiro-me, em especial a “La Diligence de Beaucaire” das “Lettres de mon Moulin”, onde dois dos passageiros se dizem graças mútuas e provocatórias sobre a Virgem Maria, por serem adeptos de uma adoração a madonas de diferentes Igrejas.
Graças sem dimensão, puras atoardas que nada valem de um ser minúsculo que não sabe ou não quer reconhecer a grandeza de uma obra como “A Bíblia”, o Livro dos livros, que, verdadeiro ou não no seu conteúdo, retrata o Homem – na pluralidade das suas autorias - como ser fabuloso, criador de uma ficção sem paralelo, pretendendo legar para a posteridade os princípios da vida e das famílias segundo preceitos genealógicos fundadores de um povo multifacetado e de uma religião monoteísta, como a mais nenhum ocorrera.
Brincar, para mais, com as crenças alheias, tentando ignobilmente achincalhar princípios, não parece de alguém com princípios, mas apenas de alguém ressabiado, que vive mergulhado em estranho ódio contra a humanidade, e só se endeusando a si próprio, como se fosse ele o gerador de uma qualquer outra versão mítica sobre as verdades da vida, que ninguém ainda alcançou.
Infantilmente, quase, apregoa o seu ateísmo, como outros apregoam a sua homossexualidade, outros o seu antipatriotismo ou os seus princípios anárquicos, felizes na liberdade que de repente se lhes revelou, para o poderem apregoar, e o fazem embandeirando em arco como se tivessem descoberto a pólvora, ou o princípio de Arquimedes.
A inteligência que pôs na criatividade e originalidade discursiva de alguns livros não justifica que se arrogue o direito de arrasar e transformar em imundície generalizada, como o fez no “Ensaio sobre a Cegueira” - talvez apoiado no mito dos estábulos de Augias que Hércules debelou - uma obra que pertence à Humanidade, feita por gente que soube mostrar a Fealdade e a Beleza humanas, ambas próprias do Homem de todos os tempos. Como o Riso.
Mas o riso de Saramago parece antes um esgar malévolo, sem sequer a dimensão satânica que se encontra no Satanás da criação bíblica. Nem no Mefistófeles da criação de Goethe, que desafia um Deus confiante no infinito saber espiritual de Fausto, a provar-lhe ele o contrário, comprando-lhe a alma de Fausto em troca do conhecimento total, incluindo o dos prazeres sensuais.
O que é certo é que talvez Saramago contribua, com tão azedas mensagens, para desencaminhar tanta juventude, facilmente influenciável, numa via de perversão, sem ideal e sem bondade.
E a juventude feminina, sem a pureza de Margarida, também se não salvará, ao contrário da amada de Fausto. Mas talvez também não esteja interessada nisso, que os tempos são outros.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O problema-mor

Julgava eu que, após o percurso eleitoral dispendioso, palavroso, estafante, só não ruinoso porque o problema da ruína já não é problema para as consciências tranquilas dos que, embora a apontem, chamando-lhe “crise”, não deixam de dormir descansados porque a não vivem pessoalmente - e são muitos os que não só não a vivem pessoalmente, como contribuem condignamente para ela, com os seus vencimentos extraordinários, com os seus atropelos inacreditáveis, com o seu interapoiar-se mútuo, numa rede de falcatrua ou desvergonha generalizadas, que nem Hércules já, com a sua força poderosa, poderia desenvencilhar e limpar, mesmo desviando o curso de dois rios para o ajudar no esforço, como fez para os nauseabundos estábulos de Augias – julgava, eu, repito, que os nossos políticos iriam ponderar para ajudar a desenvencilhar e a resolver e a salvar o seu País.
Cientes da ruína, preocupados pelo futuro deles e dos seus filhos, netos, bisnetos, trinetos, seguidores, teriam forçosamente que fazer acordos de interajuda, e de orientação equilibrada e honesta, de um justiçar da corrupção. Todos eles, mesmo os que se acham com direito a vencimentos esmagadores, poriam as suas finanças em excesso na mesa, para pagar a dívida, para levantar a cabeça com mais orgulho, para recomeçar a partir do nada.
Não. As cartas na mesa não incluem critérios de chamada à razão e à vergonha, perante o estrangeiro que nos fornece e nos endivida, de chamada ao respeito humano, à consciência do sofrimento de milhares de desempregados e do aviltamento de milhares de pobres subsidiados, alguns injustamente, preferindo o parasitismo à dignidade de um trabalho, de chamada à responsabilização de todos os cidadãos...
Anunciados os trabalhos, o que se lançou para o ar em primeira mão foi, a par da justa anulação de um processo de avaliação docente absurdo, como prioridade de proposta, o casamento dos homossexuais.
Julgo que os próprios homossexuais, sensíveis às dores da Nação, se devem sentir envergonhados com o seu destaque prioritário das medidas a pôr na mesa. Certamente não exigiriam tanto, vivendo, como todos nós, num espaço semelhante ao dos estábulos de Augias, jamais limpos e acumulando cheiros e imundície ao redor, lançados pelo inúmero gado bovino do rei Augias.
Mas Hércules ficou na lenda, o caso foi resolvido e morreu, permanecendo lendário. Mais tarde, um outro Hércules – mas Poirot - entretido nos seus doze trabalhos, por imitação do pioneiro, também ajudaria, ficticiamente, não pela força mas pelo poder da mente, a limpar os estábulos da imundície que a opinião pública criara injustamente em redor de um dos seus leaders políticos.
Não vivemos na ficção, mas a nossa realidade, em termos de sujidade, não é menor que a da ficção. Para a limpar, seriam necessários muitos Hércules nacionais.
O apelo é para esses.

domingo, 18 de outubro de 2009

O testo da panela

A fábula que segue,
Do La Fontaine,
Parece-me que tem aplicação
Aos tempos correntes
Em que se diz que as gentes
Devem saber tocar todos os instrumentos
Para variar de profissão
Bastante insegura actualmente,
Embora a antiga gente
Usasse também o rifão
- “Quem te manda a ti, sapateiro,
Tocar rabecão”? -
Para se escusar dos enganos
Que a cada passo cometemos
Porque forçamos o passo
Ao compasso
Da nossa ansiedade,
No desemprego,
Em busca de um emprego,
Seja ele qual for,
De valor maior ou menor,
Devido a uma realidade
Que não protege o cidadão.
Tocamos, pois, rabecão,
Quando devíamos pregar sola
E em vez de uma boa aula
Temos que atender ao problema
Da droga na escola
Ou da psicologia
Que é precisa hoje em dia
Para justificar insucesso e descortesia...

Mas a fábula tem também
Um alcance diferente,
Mais especificamente
O diferente acolhimento
Que merecem A ou B
Do seu superior
Conforme o valor,
A amizade, o interesse
O jeito de se impor.
Por isso devemos assentar,
- Não há que enganar -
Que ao burro compete o zurro
E ao cãozinho o miminho.


O burro e o cãozinho

O talento nunca se deve forçar:
Nada faríamos com graça.
Nunca um boçal, por muito que faça
Por galante poderá passar.
Poucas são as pessoas a quem o céu protege,
Além de muito as amar,
Que se poderão gabar
De agradar
Por dom natural
Que recebem ao nascer.
É ponto fundamental,
Para não se quererem parecer
Com o burro da fábula
Que para se mostrar amável
E mais querido ao seu dono,
Com ele desagradável,
O quis acariciar.
“Como – dizia ele de si para consigo –
Este cãozinho
Vive como um companheiro,
Muito queridinho
Do senhor e da senhora
Só por ser jeitosinho,
Quando comigo
Só me dão pauladas
Sem demora, bem danadas.
Que faz ele? Dá a pata,
Com miminho,
E a seguir é beijado.
Para ser acarinhado,
O mesmo vou eu fazer
Não parece complicado!”
Vendo o dono bem disposto
Chega-se a ele
Sorrateiramente
Levanta o casco coçado
Para no rosto o acariciar,
Amorosamente,
Acompanhando o gesto ousado
Por um canto gracioso
Que pôs o amo furioso:
“- Oh! Oh! Que carícia! Que melodia!
Que berreiro! Olá marmeleiro!”
Acode o marmeleiro, o burro muda de posição.
A comédia acaba, para o burro toleirão,
Como sempre: em pura danação.”

sábado, 17 de outubro de 2009

Cicutas

O Primeiro Ministro de Portugal fez umas campanhas legislativas e autárquicas – estas sobretudo através dos autarcas designados para o efeito – campanhas enfatizando os serviços que prestara à Nação no seu primeiro mandato, sem nunca acentuar os defeitos de alguns deles, e os serviços que se prontificava a fazer no caso de ser eleito, condenando os outros partidos, embora em reciprocidade de mensagens críticas de parte a partes.
A verdade é que convenceu os Portugueses, pelo esquecimento nacional dos defeitos, esquecimento justificado por paralelismo ou identidade dos defeitos nacionais generalizados, apelativos de encobrimento e, consequentemente, de apoio eleitoral.
Nunca, pois, o PM mostrou interesse em partilhar com outros o seu governo, que desejava maioritário em termos absolutos, sabendo quanto se navega melhor ao comando, com apoiantes dóceis, como se diz que se fazia dantes, e não parecendo desdenhar sequer o prolongamento no tempo como se diz que também se fez e como tantos que o disseram ainda hoje o comprovam, estando.
Os outros partidos pouco mais podiam expor do que críticas ao que estava feito, por não terem na mão a faca e o queijo. Só no caso de lhes caber o naco da governação a que todos aspiravam - embora só um deles com o peso mais certo - é que poderiam pronunciar-se cabalmente, sobretudo nos desígnios económicos, cuja chave lhes não pertencia, bem escondida nos manejos da governação anterior. O resto não passava de propostas, segundo a ideologia de cada um, a direita e a esquerda bem se esforçando por explicar que fariam diferente, mas o que é certo é que não tinham chance de o mostrar e só poderão continuar a condenar e a apontar as diferenças. Porque ganhou quem melhor pareceu aos Portugueses.
Manuela Ferreira Leite prometeu só que actuaria de acordo com a “exequibilidade” de cada proposta, revelou os erros perdulários da vaidade governativa, identificou-se com atitudes de sensatez e equilíbrio financeiro, acentuou os seus princípios para ajudar a salvar uma Nação em derrapagem. Vítima de dissenções partidárias, foi contestada por uns e outros, os jornalistas contribuindo em grande escala para acentuar as críticas dos do Governo e aderentes, de que ela não tinha projecto.
Dentro do seu partido, de igual onda crítica, ressalvando os de carácter, preparava-se a sua destituição, com base nos mesmos dados sobre ausência de projecto, ausência de prestação oral, ausência de dados, mais ou menos farfalhudos, embora inúteis, que outros apresentaram, porque só de posse da chave governamental é que caberia pôr em prática, ou não, esses dados. Modesta mas determinada, a timidez do sorriso de Ferreira Leite, segundo me pareceu, resultou mais do saber-se não protegida mas vilipendiada pelos próprios que se tinham proposto defendê-la.
Quanto a mim, marcou sempre pontos, cuidadosa e sóbria mas eficaz nas respostas, de inteligência pronta mas honesta e sem exibição. E todavia, revelando uma determinação de quem se reconhece superior à turba, facto por que a turba se turva e a repele.
Concordo em absoluto com os dizeres lapidares de Pacheco Pereira, que transcrevo do seu “ABRUPTO”, sem pedir autorização nem desculpa pelo abuso, porque nele admiro, além da inteligência e saber superiores, a lealdade com que defende e reconhece as qualidades da chefe do seu partido:
“Os que acusavam Manuela Ferreira Leite de aceitar fazer parte de um “bloco central” sem qualquer fundamento, como se disse na altura, quando páginas e páginas do Diário de Notícias e do Diário Económico e dos blogues juravam que ia acontecer, são agora os que o defendem. Não me surpreende nada. É por estas razões que Manuela Ferreira Leite é fundamental à frente do PSD nestes dias de todas as tentações. Sabe o que quer e sabe o que não quer. E não vai em cantos de sereia. Nem em promessas de partilha de governo ou de lugares. Nem está ali a pensar na sua “carreira” nem nos interesses que alguns representam no partido, mas no país. Não está na moda mas é uma diferença abissal.”
Abissal, a diferença.
De facto, o PM pôs o problema da coligação aos diversos partidos, para poder manobrar o poder em maioria e estabilidade. Nenhum aceitou, com sinceridade ou sem ela, pois não se importariam alguns de partilhar provavelmente os postos.
Nenhum se dispôs, pois, e agora o PM atribui a responsabilidade de possíveis fracassos governativos futuros aos partidos, revelando que se algo correr mal, a culpa é dos partidos e só deles, que não quiseram partilhar.
Um lavar de mãos já bem conhecido, antecipado, desresponsabilizante, arguto, bem à maneira de Sócrates. Do nosso. Que o outro sempre comeu a cicuta.
Mas há sempre meios de se conciliarem e de partilharem, veremos. Que o que importa, realmente, é o País, apesar destas mascaradas dos jogos políticos.
Só desejo que Manuela Ferreira Leite continue visível à frente do seu partido. Apesar da cicuta que os seus não deixarão de lhe impingir. Encarniçadamente. Provando bem ser abissal a diferença.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Para uma diminuição da natalidade

No Blogue “A Bem da Nação” leio o texto “Religião põe à prova a tolerância do Estado Secular” de António da Cunha Duarte Justo, encimado pela foto de um rapaz muçulmano dobrado sobre um tapete, aparentemente no átrio duma escola. Expõe que a directora dum liceu alemão, tendo proibido um aluno árabe de fazer as orações diárias no seu tapete, a pretexto de que se tratava de uma escola neutral na questão religiosa, se viu confrontada com uma acção posta em tribunal pelo usufrutuário do tapete, e sentenciada a aceitar de volta aluno e tapete, temporariamente voados de lá.
Duarte Justo acha a sentença judicial propícia a novos temores e desequilíbrios sociais, numa luta entre cruzes e tapetes, e interroga sobre o caso português onde “o governo socialista expulsou as cruzes da escola” e em que a probabilidade de igual incidente de força arábica – que é o mesmo que dizer petrolífica - faria o nosso PM repensar o caso das cruzes, segundo o ideário da democracia de igualdade de oportunidades, já que, para todos os efeitos, se teria de render à força dos tapetes.
Pergunta ainda Duarte Justo se “o medo duma escola devota será proporcional à náusea dos preservativos socialistas na escola portuguesa”. E acrescenta: "Quem como o PM Sócrates instrumentalizou a escola para a distribuição de anticonceptivos gratuitos e para a indoutrinação sexual, certamente não terá dificuldade em colocar também genuflexórios e tapetes de oração”.
A este texto respondi com um comentário que me parece pertinente, e por isso o transcrevo: “Creio que sim, que a nossa Educação possa permitir a entrada do tapete para a genuflexão muçulmana, ou para outros quaisquer objectivos que tenham a ver com o uso da pílula de forma mais confortável. Por uma questão de democracia, é natural que também mande construir altares de madeira, ou mesmo nichos piedosos, para mostrarmos que não temos menos direitos que os muçulmanos de rezar nos corredores, quando em casa provavelmente não precisamos. É preciso respeitar os muçulmanos e os seus tapetes. Mas talvez os muçulmanos nada queiram de nós. Ficar-se-ão pela Alemanha, cujos tapetes são mais macios, e deste modo a nossa Educação prosseguirá altiva em direcção ao nada de sempre, apesar dos esforços de tantos dos seus excelentes professores, que têm que cair em todas as armadilhas que lhes são estendidas. Sem tapete”.
Mas foi, sobretudo, pensando em nos manter na testa da Civilização que o nosso PM propôs a substituição da cruz pela pílula, ou mesmo, em caso de necessidade, pelo tapete oriental, progressista como é, não desejando equiparar-se aos condes Gouvarinho da galeria queirosiana, quando este exclama para Torres Valente, que propusera a abolição do catecismo na escola: “Creia o digno par que nunca este país retomará o lugar à testa da civilização, se nos liceus, nos colégios, nos estabelecimentos de ensino, nós outros, os legisladores, formos, com a mão ímpia, substituir a cruz pelo trapézio...” (“Os Maias”, IX).
Nunca o nosso PM se posicionaria num registo destes, de gouvarinhanço! Só muito forçado pelas incongruências dos tempos que atravessamos, que nos forçam ao tapete, e que por isso nos impõem igualmente a cruz. Mas de preferência o preservativo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Gaivotas por Terra

- Estes cremes da marca Vichy são caros p’ra burro.
- Vai aos sítios caros!... À farmácia... Porque é que os compra?! Os produtos naturais são muito mais em conta.
- Que creme usa para a cara?
- Eu é o Aloé Vera, que faz o mesmo efeito.
- Eu comecei com a marca Vichy há muitos anos, quando uma amiga minha me disse que a minha cara estava melhor. Foi pelos trinta anos. Desde aí, ganhei uma tal confiança na marca Vichy que nunca mais pus outro creme. Mas é caro p’ra burro. E nem sei se resulta.
- Agora já não importam tanto os cremes. Aparece aí um médico inglês que tem muita fama. Porque trata as grandes figuras do mundo. Porque é que a Rânia e a Letízia precisam de se tratar? Agora que são novas, que estão bonitas... Mas as fotografias da Letízia mostram que está linda, linda, linda. E depois são umas elegantérrimas, vestem-se muito bem. Este médico é um médico novo. Diz que trabalha de manhã à noite. E não faz segredo nos preços. Também já vem a Portugal tratar das ricas senhoras. Porque há aqui as ricas senhoras que iam a Espanha tratar-se com ele, e perguntaram-lhe porque é que não vinha cá a Portugal e ele disse logo que vinha. Acho que já está tudo marcado. Isto só prova, por a mais b, que a ciência vai conseguir rejuvenescer.
- Mas só as ricas senhoras.
- Ah! Também quem ele tratou foi a Camila. A Camila é difícil. Já não se nota tanto. Mas ficou melhor. Resumindo e concluindo: o que faz falta é ter dinheiro. Não, o Nosso Senhor castiga. Quando a saúde falta, o dinheiro não resolve.
- Às vezes, sim.
Passou por nós uma senhora conhecida da minha amiga.
- É rica, tem filhos e netos e é viúva. Caiu na rua, não se sabe porquê.
- Devem ser as lombas do costume. Ou tropeçou nalgum cano, daqueles pilaretes dos passeios deitados abaixo por algum carro, e que ficam tempos indefinidos estendidos no chão. Já eu tropecei num, por nessa altura não estar a olhar para o chão.
- Não, foi qualquer coisa que lhe deu. Mandámo-la ao médico, mas ela não vai.
“Não me interessa nada, nada, zero”. Eu fiquei parva. E quando lhe propusemos ginástica e viagens, que ela pode, respondeu: “Eu sei que engano muito, mas sei que não estou cá a fazer nada. Detesto ginástica desde pequena, não me interessa viajar”. Nunca pensei, pois ela até tem um ar sereno e altivo.
- Tem a ver com o estatuto de capitalista, o ar altivo. E o sereno é capaz de também.
Passou outra amiga da minha amiga, que se sentou connosco. Falámos de África, dos matos, das campanhas de auxílio, que não se sabe, muitas vezes, para onde vai o resultado delas... Da dedicação de umas quantas figuras públicas, lá pela Guiné, em serviço de voluntariado...
Ainda lembrei que a amiga da minha amiga, a tal desligada da vida e da família, se fizesse voluntariado, talvez vivesse com mais apego. Mas o que é certo é que somos livres, já o cantámos antes, mesmo sem filosofia que prestasse:

Uma gaivota voava, voava
Asas de vento, coração de mar.
Como ela, somos livres,
Somos livres de voar.

Não admira, pois, como chegámos aqui, ao desapego da vida, através de cançonetas deste calibre de idiotia. Foi por isso que a conversa descambou em futilidades.
Mas eu admiro sempre os conhecimentos da minha amiga, a forma como ela se desenvencilha a respeito do high life, tu cá tu lá com o mundo do fascínio, nacional e internacional.
E depois pergunta-me, com superioridade, se eu sei quem é a Letízia! Francamente! É muito injusta! E cruel!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O cerne


Leio, no blog de Salles da FonsecaA bem da Nação”, o seguinte texto de orientação política, iniciado por um “pedido de desculpas aos mais sensíveis”:

Deixemo-nos de conversas politicamente correctas e vamos ao cerne das questões:
- A soberania nacional não é negociável;
- Os interesses estratégicos devem estar subordinados a centros de decisão garantidamente nacionais;
- O Serviço Militar (ou Cívico Militarizado) é obrigatório para ambos os sexos;
- Quem paga impostos ao Estado Português tem prioridade nas políticas portuguesas sobre os que recebem subsídios públicos do Orçamento do Estado Português;
- Quem estiver a contas com a Justiça não se pode candidatar a cargos públicos, nem tem direito a voto;
- Quem tiver dívidas ao Fisco não se pode candidatar a cargos públicos nem tem direito a voto;
- Quem não tiver o diploma do Ensino Obrigatório não tem direito a possuir carta de condução de veículos motorizados com mais de 50 cc nem tem direito a voto;
- O Ensino Oficial Obrigatório é gratuito, incluindo os correspondentes manuais obrigatórios;
- Para além do Ensino Obrigatório todo o ensino é oneroso;
- As Ordens Profissionais são o Certificado de Competência e de Qualidade Deontológica dos profissionais nelas inscritos;
- Em espaços públicos é proibido usar a cara velada.”

Um texto sintético que, não focando a imposição de regras de disciplina, responsabilidade e ética, em todo o caso subentende a sua indispensabilidade para um percurso de exigência e rigor, pois que só a obediência a tais parâmetros permitirá o acesso a uma cidadania cabal.
O Serviço Militar, encaro-o como uma etapa de sujeição e aprendizagem de regras espirituais e físicas, que tornarão os jovens mais atentos ao significado de Pátria, mas entendo não ser necessário um tratamento bastas vezes deselegante e brutal da parte dos militares instrutores, criador de revolta e frustração, em vez de dedicação e amor pátrio.
Há algo que gostaria de ver considerado nos parâmetros transcritos: a exigência de uma Justiça realmente eficiente, e a de um jornalismo que tenha que prestar contas das atoardas que propala tantas vezes, em função de uma rentabilidade maior, por conta de um sensacionalismo mesquinho.
Infelizmente, a estabilidade da Justiça perdeu-se, na multiplicidade e mutabilidade das suas leis, de acordo com os interesses pessoais – mais do que os nacionais – de quem as pode impor, levando às ambiguidades, à confusão, à trafulhice, e onde o suborno é mola frequente para o deslindar – ou o enterrar – das causas.
Daí que as normas de exigência dos parâmetros de Salles da Fonseca, que criariam nos cidadãos, a par de uma maior conscientização, um sentimento de tranquilidade, conforto e apego às coisas nacionais, porque são sérias e construtivas, esbarrariam na muralha de resistência de um povo calaceiro, amigo de greves, cujos governantes e satélites lhe vão dando a cheirar a triste côdea, por conta dos nacos gordos para a sua reserva pessoal.
É bom que apareçam seres frontais como Salles da Fonseca, mas não haverá essa saída para nós. Nostra culpa.

Não é justo

Fui à Internet procurar um qualquer “Juramento de Hipócrates” aplicado à Justiça, a propósito do que ouvi contar à minha amiga, que o escutou ontem no programa da Júlia Pinheiro: um caso de pedofilia, demasiado horroroso, referido por uma avó que teve a neta à sua guarda, já por conta dos desmandos da mãe tarada, que acabaria por lha roubar, levando-a para a Suiça, onde, segundo confissão de uma prima da criança, directamente da Suiça para o programa, essa mãe recebe os seus homens em casa, apresentando a criança vestígios de manipulação corporal perfeitamente criminosa. A avó tem recorrido à justiça de cá, creio que também à de lá, da Suiça, e não consegue reaver a neta. No seu desespero exclama: “Será que há juízes pedófilos”? Uma pergunta bem pertinente, considerando o que se tem passado aqui, desde o caso Casa Pia que se não resolve, que se protela, em que se castiga quem queira apresentar provas.
Li, pois, na Internet, a declaração que segue, não, de facto, como “Juramento”, mas apenas “Promessa”, e onde as belas palavras pela causa da humanidade, e as pugnas pelos bons costumes, com promoção da justiça, são demasiado retóricas na sua amplitude abstracta, em confronto com o significado simples e concreto de uma criança, mesmo que esta seja vítima de crimes repugnantes, como, também, os que se praticam em certas partes do globo, pela mutilação de órgãos de crianças do sexo feminino, sem que o mundo inteiro, demasiado absorvido nas lutas pelo petróleo, mande exércitos e bombas contra os monstros que os promovem.

Eis a Declaração de honra:

«PROMETO, NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DO MEU GRAU, RESPEITAR SEMPRE OS PRINCÍPIOS DA HONESTIDADE, BASEANDO AS MINHAS ACÇÕES NO DIREITO, PROMOVENDO A JUSTIÇA, PUGNANDO PELOS BONS COSTUMES E NUNCA FALTAR À CAUSA DA HUMANIDADE .»

Não se jura, promete-se. Poderia ser bastante a promessa, mas um juramento vincularia melhor, e submeteria a sanções, em caso de incumprimento.
Aplica-se à Justiça, aplica-se aos governantes, a quaisquer que detenham a vara do mando e que deviam fazê-lo com humanidade, pugnando pelos princípios morais, sem os pôr em causa, como o fazem os defensores de conceitos de liberdade permissiva e justificativa de todos os valores na sua ambivalência, considerando tão aceitáveis o bem como o mal, o justo como o injusto, o belo como o feio, segundo a teoria de uma relatividade que os questiona agressivamente, criando a anarquia, a desordem, a libertinagem, o desregramento, o laxismo, a amoralidade, o caos.
E é já assim que está, o mundo de perversidade e horror, pela passividade dos que vão sobrevivendo, no egoísmo do seu bem-estar, da sua indiferença, da sua desatenção.
Não, não é possível que a Justiça não funcione mais, que os Juízes sejam tão venais, os advogados se deixem corromper.
E que todos se riam das lágrimas de uma avó aterrorizada, e das de todos os meninos vítimas de pedofilia, cujas marcas nunca mais poderão apagar-se dos seus pesadelos.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Rescaldos de esplanada

Falámos na pandemia.
- Agora já não se fala nas medidas profilácticas.
Mas a minha amiga percebe muito mais da poda do que eu:
- Houve alguém que disse que o vírus não morre na barra do sabão. Fica lá. Veio uma técnica falar nisso, e aconselhou o sabão líquido. Mas foi a única que falou.
- Provavelmente era sócia de alguma fábrica de detergentes...
- Mas há quem diga que vai morrer muita gente. Bom! Pode ser que não seja nada! Deus nos livre que venha uma coisa dessas. Onde é que há técnicos?
Uma onda de terror passou por nós.
-Não falemos nisso, credo!
Tomávamos a bica numa esplanada, com o ar fresco matinal a impedir os pensamentos alarmantes. Pegámos nas eleições, mais adequadas ao riso, para disfarçar inquietações:
- Eu, por exemplo bato palmas aos de Felgueiras! Souberam descartar-se da Fátima! – comentou a minha amiga saboreando a bica.
- Nunca se sabe se é a sério - “à séria”, ouvi eu ontem a uma escritora estimada. “Fátima” é um nome muito importante. A de Felgueiras pode bem voltar, se é que sai mesmo – digo eu, muito pessimista, ingerindo o copo de água do genérico do conselho médico.
Chegou, entretanto, a Mimi, queixando-se dos ossos. Defendeu o Isaltino com ardor, ao ouvir o ataque da minha amiga aos de Oeiras, por o terem eleito.
- O que é preciso é que haja uma lei que diga que os que têm rabos de palha na justiça não podem concorrer a eleições – exclamou a minha amiga, com a determinação usual.
E a Mimi, apesar dos ossos, falou com entusiasmo:
- Ele trabalha! Tem uma Oeiras como ninguém tem.
Eu também defendi o Isaltino:
- Além disso, essa lei excluiria muito governante, tantos são os rabos de palha que a Justiça ignora, por ser a primeira a tê-los. E o Isaltino sabe-o bem e por isso todo se torce. De gozo.
- É! -
concordou a Mimi – Porque será que os processos se acumulam dez, doze anos?
Dou detalhes:
- Há uma ligação afectiva entre o Governo e os Tribunais. Olha aquele que condenou o Paulo Pedroso do PS, por pedofilia! Está tramado, a carreira congelada... É o que se diz! E ninguém deslinda os tais casos de pedofilia, o Freeport, etc, com todos “à molhada”, gozando que se fartam e enriquecendo, nas barbas do Zé Povo. Por isso o Isaltino se ri. E o Valentim, e... Fora os que estão para vir, que não tardaremos a conhecer, enquanto os primeiros se apagam das memórias.
A D. Paula comia a sua torrada, na mesa ao lado. Era conhecida, entrou na conversa, defendeu com razões válidas:
- Pior que o Parlamento, pior que o Governo, é ali o meu condomínio. Não fazem ideia! Intrigas, não pagam, sempre em rixas e acusando! Eu digo: É um horror! O Governo, ao pé disto é um anjinho.
Aproveito a deixa, para concluir: Anjinho não será. Apenas o reflexo de um povo sem estrutura moral nem mental, o povo donde partiu. Um povo que grita e pula e dança, em esgares de adoração, indiferente à pouca lisura com que é tratado, porque se enquadra nessa pouca lisura, que desculpabiliza a sua própria, e lhe vai fornecendo as lentilhas do seu prato, ou o tacho aos de maior substância.
Foi João de Deus que o satirizou, num dos seus epigramas:

“Eleições
Há entre el-rei e o povo
Por certo um acordo eterno:
Forma el-rei governo novo,
Logo o povo é do governo
Por aquele acordo eterno
Que há entre el-rei e o povo.

Graças a esta harmonia
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas facções,
O governo, o ministério
Ganha sempre as eleições
Por enorme maioria!

Havendo tantas facções
É realmente um mistério!

Vem, pois, de longe - nem outra coisa poderia ser.

domingo, 11 de outubro de 2009

O Nobel da Paz

- O que me diz do Prémio Nobel da Paz?
- Não concordo. É verdade que é uma figura que está a marcar, a impor-se, mas não acho bem. Assim, o prémio é como as nossas medalhas. O tempo ainda é curto. O prémio obriga-o a continuar à procura da paz.
- Mas isso até que é positivo. O mal é se vem mais guerra.
- Exacto! Ele não é um deus! Acho uma coisa um bocado estúpida. Até há pouco os prémios eram depois de as pessoas prestarem serviços. Agora já não é preciso? Tudo bem!
- Também disseram que o prémio da literatura dado a uma romena naturalizada alemã - Herta Muler – foi por uma questão de quotas. Como há mais homens que o têm recebido, trataram de o oferecer a uma mulher, por conta das quotas. Numa democracia igualitária, é imprescindível que a mulher se afirme para ter também poder de decisão, embora a razão da escolha seja pouco criteriosa, quanto a mim. Mas ela já ganhou muitos prémios, li na Internet, e como parece que atacou o Ceausescu nalguns livros, talvez seja não tanto pelas quotas mas pelo que atacou, que torcia mais para a direita. Atacasse ela a esquerda e não receberia o Nobel, que a esquerda é que está a dar.
Mas a minha amiga, não estava interessada na Muler, que a gente nem conhece, embalada que estava na defesa do seu Obama, que vamos conhecendo:
- Não podem banalizar o prémio! Ele ainda não fez! Só disse!
Fiquei intrigada com o sentido obscuro de tão emotiva afirmação, e até especulei sobre se tal frase pressupunha quaisquer cumplicidades entre ambos, mesmo a distância, que a Internet agora encurta, mas logo me censurei, atribuindo a influência da miss Marple da minha leitura, ou então ao murmurar coscuvilheiro das minhas outras amigas, uma suposição tão pouco credível. Mas ela não me deu tempo a transpor para a conversa uma insinuação de marotice, continuando impávida:
- É uma pessoa fora do vulgar. Mas pouco tempo passou. É homem para vir a ganhar este prémio! Mas tem que dar provas primeiro.
- Pois! Mas a Academia Sueca quer aliciá-lo para continuar a lutar pela paz, mesmo que tenha que mandar os seus homens para a guerra. Para nos defender a todos. Que o hino deles tem muita acutilância no mundo inteiro, quer pelas vitórias desportivas, quer pelas lutas que eles travam, como se vê nos filmes de guerra, de muita bravura e generosidade. Deixe-o lá ganhar o Nobel da Paz já. Para ficarmos todos mais repousados. "Sub tegmine fagi".. .

sábado, 10 de outubro de 2009

Hipódromo de Pedrouços

Hoje a minha amiga não tinha nada para dizer:
- Nada! O que tenho para dizer é só mal! Este carnaval das autárquicas! Eh pá! Depois daquela fornada que a gente teve que acompanhar! E se aquilo custa dinheiro! E isso irrita ainda mais!
-É!
- Aquela Elisa Ferreira! Quase que lhe salta tudo da cara com medo de perder aquele lugar!
- Então, se não ganhar, não tem o Parlamento Europeu?
- Pois! Está tudo assegurado! O que vale é que somos um país rico!
- Então não entendo tais raivas que ela manifesta no ataque contra o Rio.
- E a Ana Gomes é outra que tal! Tem uma folha de serviços ampla, e é ver os homens antigos do PS de roda dela, como concorrente à Câmara de Sintra. Os discursos de sempre, as graças de sempre, o partido de sempre e muita risota. Somos um povo de muita risota.
- E o Santana? Acha que vai ganhar? Ele defende-se bem, mas o Costa é mais manhoso.
- É o Costa que ganha. Lisboa tem muitos da esquerda, eles apoiam-se. Parecem inimigos entre si, mas apoiam-se na luta contra os outros. E a coisa mais cómica é eles arrasarem-se mutuamente.
- Os contentores...
- Os contentores é obra do Costa. Mais terra-a-terra, sabendo dar a pedalada certeira. O outro é mais sonhador. Tanto é assim que contratou o arquitecto mais caro que havia... Temos muita gente maluca. Mas o Santana diz que fez obra. Apresentou uma lista que eu fiquei parva a olhar para ele. A gente sabe os gastos que ele fez. É verdade que a gente não sabe exactamente o que eles fizeram. Mas com as listas fica-se a saber.
Essa frase trouxe-me à lembrança a definição das corridas no hipódromo de Pedrouços, de Pedro da Maia, em resposta a Dâmaso Salcede, na casa de Maria Eduarda:
“Dâmaso: -... Olhe, minha senhora, de uma coisa pode Vossa Excelência estar certa, é que hipódromo mais bonito não há lá fora. Uma vista até à barra que é de apetite... Até se vêem entrar os navios... Pois não é assim, Carlos?
- Sim – disse Carlos sorrindo – não é propriamente um campo de corridas... Verdade seja que não há jóqueis... Ora é verdade que não há apostas... Mas é verdade que também não há público...
Maria Eduarda ria, alegremente.
- Mas então?
- Vêem-se entrar os navios, minha senhora...”
A minha amiga concluiu:
- E é o que fazemos todos, neste país. Andamos a ver navios...
- Mas agora entram menos navios na barra.
- É o mesmo filme há anos. Passam-se os anos e eles aí estão, na roda, e nas danças, e nos comícios...
- Os velhos – que causaram a ruína - voltam sempre, para mostrarem que ainda estão para as curvas, os novos começam agora a ascensão, com mansa seriedade, outros recomeçam-na, com muito empenhamento, aparentemente todos em luta por ideais nacionalistas, sem nunca declararem as verdadeiras razões dessa luta, nunca unindo esforços
para juntar os cacos do vaso partido. “Mas é verdade que também não há público...”

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A razão da sem-razão

Encontrei entre as “Fables” de La Fontaine uma que me lembrou que Gil Vicente, mais de um século antes, já versara o mesmo tema de combate à astrologia. Por isso, me dispus a traduzi-la, para transcrever, seguidamente, com o patriotismo adequado à minha natureza lusitana, que defende ardorosamente as qualidades do seu clube, alguns passos do “Auto da Feira”, e finalmente concordar com ambos os autores, pelo desnecessário da adivinhação astrológica, qualquer um de nós bem ciente do futuro.

Diz La Fontaine em “L’Astrologue qui se laisse tomber dans un puits”:

Um dia, um astrólogo deixou-se cair
Ao fundo dum poço. Logo alguém disse, a sorrir:
- “Pobre tonto que não enxergas mais do que os teus pés
E pensas que por cima da tua cabeça lês.”
Esta aventura em si, sem irmos por diante,
Pode servir de lição à maioria da gente.
Entre aquilo que como humanos somos
Poucos há que não gostem de ouvir dizer
Que no livro do Destino os mortais poderão ler.
Mas esse livro que Homero e os seus pares cantaram
O que é senão o Acaso, na Antiguidade,
E a Providência, na Modernidade?
Ora, não existe essa ciência do Acaso!
Se existisse seria insanidade
Chamar-lhe Acaso ou Sorte ou Fortuna
Tudo coisas bem insanas
Quanto às vontades soberanas.
Aquele que tudo faz, e sempre intencionalmente
Quem as sabe senão Ele? Como ler na sua mente?
Teria ele impresso na fronte das estrelas
O que a noite dos tempos encerra em seu véu?
Com que fim? Para exercitar a mente
Dos que escreveram sobre a terra e o céu?
Para nos fazer precaver contra males inevitáveis,
Tornar-nos, no Bem, incapazes dos gozos inefáveis?
Convertendo em asco esses bens previstos
Transformá-los em males, antes de serem benquistos?
É erro, ou antes, crime, crê-lo.
O firmamento move-se, os astros seguem seu trilho,
O sol brilha diariamente.
Em cada dia a sua claridade segue a sua sombra escura
Sem que possamos disso algo mais inferir
Do que a necessidade de iluminar e luzir
De trazer as estações, as searas amadurecer a seu jeito,
Sobre os campos lançar o seu efeito.
De resto, em que responde ao destino, sempre diverso,
Este trem sempre igual da marcha do universo?
Charlatães, fabricantes de horoscópios,
Abandonai as cortes dos príncipes europeus
Levai convosco os alquimistas sandeus.
Mais do que esta gente, crédito não mereceis.
Estou a exaltar-me; voltemos à história do poço,
Desse especulador forçado a beber.
Além da vaidade da sua arte de mentira
Ele é espelho dos que procuram a quimera.
Entretanto, o perigo os espreita
A eles e aos negócios de visão tão estreita.


Trata-se, pois, de uma fábula séria, reveladora de um pensamento claro e filosófico, numa estruturação bem clássica, de rejeição das formas divinatórias centradas nos astros.
Não assim Gil Vicente, que, mais de um século antes, exprime, no seu “Auto da Feira”, na apresentação de Mercúrio, uma visão satírica, chocarreira e desmistificadora, por meio de verdades de M. de Lapalisse, ou de crítica anti-clerical, da mesma arte astrológica, já então posta em causa. Eis alguns passos:

Mercúrio:
E porque a astronomia
Anda agora mui maneira,
Mal sabida e lisonjeira,
Eu à honra deste dia
Vos direi a verdadeira.
Muitos presumem saber
As operações dos céus,
E que morte hão-de morrer,
E o que há-de acontecer
Aos anjos e a Deus,
E ao mundo e ao Diabo.
E o que sabem têm por fé...

Porém quero-vos pregar,
Sem mentiras nem cautelas,
O que por curso d’estrelas
Se poderá adivinhar,
Pois no céu nasci com elas.
E se Francisco de Melo
Que sabe ciência avondo,
Diz que o céu é redondo,
E o sol sobre amarelo,
Diz verdade, não lho escondo.
Que se o céu fora quadrado,
Não fora redondo, senhor.
E se o sol fora azulado,
D’azul fora a sua cor,
E não fora assim dourado...

E assim os corpos celestes
Vos trazem tão compassados,
Que todos quantos nascestes,
Se nascestes e crescestes,
Primeiro fostes gerados.
E que fazem os poderes
Dos signos resplandecentes?
Fazem que todas as gentes
Ou são homens ou mulheres,
Ou crianças inocentes.
E porque Saturno a nenhum
Influi vida contínua,
A morte de cada um
É aquela de que se fina
E não doutro mal nenhum.
...
E que mais quereis saber
Desses temporais e disso,
Senão que, se chover
Está o céu para isso,
E a terra para a receber?
A lua tem este jeito:
Vê que clérigos e frades
Já não têm ao céu respeito,
Mingua-lhes as santidades
E cresce-lhes o proveito.
...
Escutai bem, não durmais,
Sabereis, por conjecturas
Que os corpos celestiais
Não são menos nem são mais
Que suas mesmas granduras.
E os que se desvelaram
Se das estrelas souberam,
Foi que a estrela que olharam
Está onde a puseram,
E faz o que lhe mandaram......”

Ambos os autores, como vemos, são contra todos os Paracelsos, embora nenhum deles tenha referido a careza das consultas.
Devo, pois, limitar-me às ciganas, que sempre levam mais barato a ler a sina quando estamos em baixa de forma, que elas ajudam a subir.
Mas a vidência, mesmo sem análise pelos astros, pelas conchinhas, pelas linhas da mão, ou outros requisitos, creio que todos a vamos tendo. Sem optimismo.

O reboco


Hoje a minha amiga contou uma estranha história que me custou muito engolir. Temos que ser justos e não podemos pôr-nos a rotular de incompetentes as pessoas sem mais nem menos só porque não cumpriram os acordos – insisto que é com ô fechado, a questão da metafonia não é para aqui chamada, mais própria dos ovos, e dos povos e dos novos, mas como ouço cada vez mais pessoas a abri-lo – durante a campanha para as legislativas nunca se coibiram - deduzo daí a fraca projecção da minha escrita por este meio bloguístico que dizem universal, mas reconheço – temos que ser modestos - que há umas escritas mais universais que outras.
Pois a minha amiga foi à fruta, e reparou na proveniência – Espanha, Itália, Brasil, Venezuela ... Boas mangas do Algarve. Ao que parece, os próprios alhos são espanhóis. Como de seu costume, ironizou, sobre a nossa débil participação no mercado de vendas e o vendedor explicou das imposições de tamanhos por nós inatingidos.
Falaram, então, no Ministro da Agricultura. Segundo o vendedor, o Ministério da Agricultura perdeu os oitocentos milhões de que se fala porque o Governo teria que pôr duzentos milhões. E não pôs. Distribuiu-os nos subsídios de auxílio, ou terão ido para as campanhas eleitorais. Há sempre muito por onde se gastar, mesmo sem contarmos com a reposição na Banca, que para isso a quantia dos duzentos era ínfima.
E a minha amiga aproveitou para dizer que era por isso que os campos espanhóis estavam tratados e cultivados e os nossos quase em baldio. Em Espanha nunca se perderiam oitocentos milhões por falta dos duzentos de comparticipação. Mas aqui sim, e a culpa não era do ministro da agricultura, coitado, também dependente das limitações do Sócrates.
E continuámos a tecer os considerandos da nossa subjectividade, não abonados de investigação esclarecedora, limitados ao diz-se que diz-se, ou aos noticiários sensacionalistas da nossa penúria, ou à nossa experiência diária com sacos de plástico.
E eu então desviei a conversa para mais uma saída da Mafalda, que, quando ontem chegou, eu, avó, levei-a a dar o beijinho ao avô, empoleirado num escadote a rebocar a parede com cimento. Lembrei ao avô que a esquina das paredes ao fundo da escada da cozinha precisava igualmente de reboco. Com o humor brincalhão do costume, o avô, que não gosta de ouvir informações desnecessárias, comentou que a cabeça da avó é que precisava de cimento e já eu estava em vias de explorar o meu desagrado, quando aquele se apressou a esclarecer a Mafalda de que o vovô estava a brincar. Mas a Mafalda não se incomodou com a sensibilidade da avó e alinhou com o avô, em imediata justificação de apoio: “A cabeça da vovó está partida e precisa de cimento para colar”.
Isto tem a ver com as colagens que faz na escola, é certo, mas o rigor e a rapidez com que burilou a sua frase, levaram-me a imaginar para ela um futuro ministério de colagem e restauração, que os atropelos com que vamos dirigindo a nação obrigarão futuramente os nossos sucessores a fazer, ao modo das escavações actuais nos terrenos de antiguidades para recompor vasilhas ou corpos ou cidadelas arqueológicas.
Contei o episódio à minha amiga, insistindo nas minhas legítimas aspirações a um futuro ministério do foro económico para a minha neta de quatro anos – é sempre bom termos aspirações - mas ela torceu o nariz a essa possibilidade, embora achasse muita graça à sua saída de tão precoce percepção. Para ela já não restará pedra sobre pedra, caco sobre caco, tijolo sobre tijolo, tudo o vento levará, segundo ela, quando a Mafalda atingir a idade propícia a uma participação governativa, mesmo só de reboco.
Mas nós também cá não estaremos e, como diria o Rei-Sol, “après nous, le déluge”...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

“Porque eu quero ser feliz”

Ouvi esta frase na “Opinião Pública” de hoje, no Canal 5, a propósito da pobreza envergonhada. Opiniões contraditórias, dos que condenaram os anónimos envergonhados da sua pobreza actual, achando sadicamente que deviam dar a cara, para a gente os conhecer - mesmo que não estejamos interessados - dos que atacaram e dos que defenderam as medidas de auxílio implementadas pelo Governo, dos que acreditam - ou não - em Paulo Portas e nas suas promessas eleitorais, de medidas ostracizantes para os que se aboletam com os subsídios, preferindo não trabalhar nem pagar impostos, e defensoras de vencimentos maiores para os que trabalham e pagam impostos e ganham menos do que os anteriores ...
O interlocutor da jornalista deu conselhos simpáticos, no sentido de uma maior responsabilização de todos, mas disse compreender os que gastam um pouco – ou muito, depende – superfluamente, terminando com a imagem do telemóvel topo de gama que todos preferem – não sei porquê! – ao simples instrumento de comunicação normal, sem apetrechos esquisitos. “Porque entre um normal e um topo de gama, escolho este. Porque eu quero ser feliz”. Foi o que ele disse, não sei se influenciado pela mesma conclusão do “Fado” cantado em tempos, no “Festival da Eurovisão” pela Dulce Pontes, que também queria.
Achei a sorridente conclusão, anedótica - não é assim que se responsabiliza um povo. E entendi melhor por que motivo nunca seremos ninguém. Com tais preceitos, não de luta, de empenhamento e consciencientificação no trabalho, mas de defesa do direito ao prazer, que um responsável pelo auxílio económico aos carenciados expende em mensagem televisiva, nunca se atingirá o sentido da dignidade, que deve ser apanágio de todo o homem, a quem o Senhor disse que era preciso suar – no rosto – para se comer pão e ter direito ao telemóvel, acrescento eu.
E como um texto que escrevi sobre o 5 de Outubro provocou reacções negativas – do Sr. Carlos Branco que me fala na monarquia nórdica e do Sr José Pires que me manda repoltrear-me e aprender história antiga e moderna, eu vou transcrever um texto antigo meu, tirado de um livro também já antigo – “Cravos Roxos”, embora duvide que o segundo senhor o leia, ou por falta de poltrona ou por desinteresse de sábio que atingiu o topo de gama do saber e não precisa de mais cultura, nem sequer do foro das boas maneiras, embora defenda as fidalguias dos tempos de antanho.
Ora, neste texto antigo, eu demonstrei não ser propriamente adepta do 25 de Abril, como aliás, tenho demonstrado ultimamente também – não sou das que mudam, embora tenha idade para ter juízo - e até fiz os possíveis, nesse livro e outros, por desmascarar uma situação que tanto feriu a honra dos portugueses honrados, como provavelmente o sr. José Pires será, mesmo sem boas maneiras. Eis o texto:

«Mesa Redonda na Têvê
Realizou-se depois das eleições de 25 de Abril, que o Dr. Mário Soares ganhou por uma maioria relativa, segundo informou. Modéstia. O Dr. Freitas do Amaral e o Dr. Sá Carneiro, pelo menos, congratularam-se pelo seu êxito, como é da praxe nestes casos. O da UDP não deu parabéns, que não ia lá para isso. Bastou-lhe atacar os adversários – todos – com muita displicência. O Dr. Mário Soares não se ralou. Via-se bem que ele pouco se rala com ataques. Quer o mando e bem o merece, depois dos seus violentos esforços para o ter. Fartou-se de ingerir água para molhar a palavra. E a água que ele metia... no copo, fazia um gluglu ruidoso e familiar enternecedor, pois sentíamos assim quanto o Dr. Mário Soares é uma pessoa como nós, que às vezes também fazemos gluglu. Aliás, ele até dança como nós, pelo menos nos comícios do PS e nós, populares, vamos muito em danças, já desde os tempos de D. Pedro I, rei perfeitamente democrata a dançar.
Às vezes o Dr. Mário Soares atrapalhava-se com as observações inteligentes do Dr. Freitas do Amaral ou até mesmo com as observações trocistas do Dr. Sá Carneiro, mas nessa altura socorria-se do copo ou então da sua posição de soberania absoluta e eficaz, e prosseguia impondo a sua linha de pensamento.
Um meu amigo doutor juiz explicou-me com uma animosidade muito fascista que nisso de linha, a dele era a do pacóvio espertalhão, que julga enrolar os outros pacóvios, mas eu considerei, pesarosa, que o mais grave ainda é que, se o Dr. Mário Soares continuar a ingerir tanta água, acabará por perder a linha toda, pois dizem que a água engorda e um futuro governante deve ter cuidado com as gorduras, para não dizerem que ele não pratica a austeridade que nos aconselha a nós, reduzidos com certeza no próximo futuro a poupar a própria água e talvez mesmo o ar ambiente.
Foi uma mesa redonda escutada pelo país com imenso agrado.
À figura discreta e sóbria do Dr. Freitas do Amaral, salientando-se apenas – mas brilhantemente – quando requisitado, opunha-se a figura um tanto sardónica do Dr. Sá Carneiro, divertido com a exuberância do deputado da UDP, já conhecida nas suas sessões de propaganda televisiva, e por isso sem efeito profundo sobre os adversários, olimpicamente indiferentes.
O Dr. Mário Soares saboreava a pequenos goles o seu êxito, e parecia mais inchado, ao lançar a alfinetadazinha regozijada, embora “sem polémica” contra a expectativa gorada da direita de ganhar as eleições.
Justificou também o seu não casamento com nenhum partido por uma súbita e severa alergia a esse tipo de acto, perturbadoramente aliciante, a qual atitude o Dr. Sá Carneiro acolheu, via-se bem, com maligno espanto.
Preocupado com uma definição exacta, o meu amigo doutor juiz repetiu conscienciosamente a de “saloio espertalhão” atribuível à sua personalidade de “leader” com muitas viagens embora de visão moderada, no seio de uma população com escassez das duas, o que justificava o provérbio sobre a realeza do zarolho na terra dos cegos.
Lembrei-me então, num fulgor de entendimento, da história do saloio que jurara ensinar o seu burro a ler e, posto perante o rei entre a alternativa de realizar a proeza ou de ser enforcado, afirmou a um amigo a viabilidade de outra solução – a morte do rei, a do burro ou a dele próprio, dentro do prazo estipulado de um ano.
Eu agora fico à espera de ver qual das mortes escolherá o Dr. Mário Soares, mas estou ciente de que o burro é que vai pagá-las todas – para não ser burro.
Aquando da descolonização e das nacionalizações e saneamentos, sempre desagradáveis – sobretudo quando se trata de coisas ou pessoas de quem precisámos anteriormente, o que não é, aliás, o caso do Dr. Mário Soares, liberal e despido de preconceitos em relação ao alheio por imposição da sua doutrina fraternal, ele apoiava-se pluralisticamente, embora não simultaneamente, em todos os partidos, mas agora, como esses serviços já estão feitos, não precisa de encosto para governar democraticamente só.
Insiste em desejar manter as conquistas do 25 de Abril de 74, mais do que em suster a barca naufragante da sua pátria, e como as tais conquistas são da linha revolucionária-progressista-comunista, é de supor que o sentido da palavra “democracia” se processe cada vez com maior
estreiteza na sua linha de pensamento – que eu nunca pus em dúvida, ao contrário do meu amigo doutor juiz que põe.
Mas palavras jamais nos faltaram para as justificações, bastará arranjarmos mais amplitude de significação para as que empregávamos todos antes com autoconvicção e precisamos de empregar depois para consolidar a convicção alheia.
Deus Nosso Senhor
dê muita vida para as justificações ao Dr. Mário Soares.»

E aqui está porque, quer em Monarquia - absoluta ou constitucional liberal - quer em República - ditatorial ou democrática, ou faz-de-conta - nunca sairemos desta cepa torcida pelos homens e mulheres que as constituem. Nada temos a ver com as monarquias nórdicas, nem mesmo com esta para lá da nossa fronteira. O que eu tenho dito sempre é que a nossa massa de cepa lusitana ou outra, com muita miscelânea de povos que poderiam ter tido efeito positivo sobre ela, mas não tiveram, deu nisto que somos – uns tristes, sem a fibra de tantos outros, que lutam por ideais, o primeiro dos quais é o do respeito humano e nacional. Será do clima.
P. S. - Já vi alguns textos do blog do sr Carlos Branco e gostei. Vou postá-lo nos meus favoritos, pois encontrei nele identidade de parecer e de educação. “Porque eu também quero ser feliz”.

Embora uma borrasca, maior ainda, esteja eminente, por excesso do défice. Não para o Soares e tutti quanti, todavia...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Lágrima


Hoje é dia de silêncio. Silêncio para com o mundo inteiro, de atenção apenas para com Amália, que no Além festeja, connosco que a amamos, os dez anos da sua partida. E com ela, todos cantamos o fado, o fado que ela imortalizou. E a ela dedicamos uma lágrima, a lágrima do poema que ela compôs, lágrima de amor do seu coração tamanho, na magia da sua voz inimitável.
Um intróito encomiástico, mas a minha amiga também não poupou o seu elogio:
- O que penso dela é o que toda a gente pensa, nisso não sou original. Bom, ela nasceu tão fadada de dons que nem o tabaco lhe fez mal.
Viu no filme sobre ela que desde pequena fumava e estranha que a voz se mantivesse de tão belo timbre e potência.
- Como é que ela aguentou a voz, pergunto eu!
Concordei:
- Uma voz mais velada, para o fim, mas que encanto, que charme!
Era pequena, mas no palco agigantava-se, os próprios guitarristas o disseram, quando em Nova York resolveram vê-la da platéia, na primeira parte do espectáculo, em que foi acompanhada por orquestra, contou a minha amiga, que o ouviu dos guitarristas de Amália.
Observei que o amplo vestuário que usava, agora em museu, devia contribuir para essa aparência de imortal.
- Quem lhe fez as grandes toilettes foi uma senhora - D. Ilda – que ainda está viva. E o que mais trabalho deu, bordado com metros e metros de folhos, foi o que lhe vestiram na morte.
- Ela merecia esse apreço.
- Acusaram-na de ter sido protegida pelo Estado Novo!
- E que mal tem isso?
- João Braga diz que é mentira! Que ela foi tratada como uma sopeira, no Estado Novo! Uma figura que qualquer país quereria ter!
- Eu não acredito tanto nisso, pois lembro-me do entusiasmo da multidão quando foi a África, era eu pequena. Mas o 25 de Abril embirrou com os bons, que não disseram mal da Pátria. E que até a amaram e souberam prová-lo. Então como agora, somos sempre mesquinhos. Ou invejosos...
- Foi um ser genial e sempre duma simplicidade grande.
- Que começámos a venerar depois de os outros povos a terem descoberto, sobretudo a França. Em tempos traduzi, para uma locutora francesa - Marie-Ange - que veio cá, mas que nunca o chegou a ler, o fado “Lágrima”, que ela mesma escreveu, nessa altura cantado por Margarida Bessa, a qual deixou de aparecer, com grande lágrima minha, que só essa me pareceu atingir os cumes da nossa Amália.
Coloco aqui a minha tradução – talvez não muito correcta – como homenagem a Amália e ao povo francês, que a projectou no mundo – e a Margarida Bessa, que tanto eu gostaria de ver igualmente projectada... para a recolhermos depois, como nossa:


LARME

Pleine de chagrin
Pleine de chagrin je me couche
Et avec plus de chagrin
Plus de chagrin je me lève
Dans mon sein
Elle est restée dans mon dans mon sein
Cette façon
La façon de t’aimer tant.

Désespoir
J’ai pour mon désespoir
En moi
En moi-même la punition
Je ne veux pas de toi
Je dis que je ne veux pas de toi
Et la nuit
La nuit je rêve de toi.

Si je considère
Qu’un jour j’aurai à mourir
Dans le désespoir
Que j’ éprouve de ne pas te voir
J’étends mon châle
J’étends mon châle par terre
J’étends mon châle
Et je me laisse endormir.

Si je savais
Si je savais qu’en mourant
Tu devrais
Tu devrais me pleurer
Pour une larme
Pour une larme à toi
Quelle joie!
Je me laisserais tuer.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

5 de Outubro

Falámos de formas de governação a propósito do 5 de Outubro, e a minha amiga perguntou-me se preferia a Monarquia ou a República. Nunca vivemos na monarquia, mas lembrei que também aquilo lá não devia ser pera doce, que os reis, muitos deles, pouco se ralavam com os que trabalhavam para eles. E era geralmente o povo que alombava com os “carregos”. Até mesmo em França isso se passava, senão não tinham feito a Revolução que nós imitámos quase dois séculos depois.
Recordei mesmo uma fábula, a propósito, do La Fontaine, que, de resto, a atribuiu já a Esopo, prova de que vêm de longe e de sempre as discrepâncias sociais. É a fábula do lenhador que, “sous le faix du fagot aussi bien que des ans” ( e chamei a sua atenção para o ritmo quadripartido e aliterativo do alexandrino, a traduzir a marcha esforçada do pobre do lenhador, velho e a transportar o pesado molho de lenha), o qual, às tantas, em desespero de causa, atira o molho ao chão, queixa-se da sua miséria familiar, com impostos à mistura e muitas penas, de tal forma que chama a Morte. Mas quando esta surge, rápida no atendimento, o lenhador pede-lhe apenas ajuda para repor o molho às costas.
Por isso, temos que concluir com os fabulistas: “Le trépas vient tout guérir, / Mais ne bougeons d’où nous sommes. / Plutôt souffrir que mourir / C’ est la devise des hommes” e usá-la só como recurso poético ou fictício, em acidente de perturbação momentânea.
Não, os nossos reis semearam muito pouco bem-estar, a estruturação social permitia que eles fossem os maiores, o clero, a nobreza, tudo sobrecarregou o povo pesadamente e estupidamente, sem a preocupação de o ilustrar, embora a burguesia começasse a levantar voo com maior liberdade e rebeldia inteligente.
Mas a minha amiga continua a estranhar que, ainda nestes nossos tempos, as monarquias signifiquem tão excessivas riquezas e luxos, como se reconhece pelas notícias e pelas crónicas sociais, em contraste gritante com as excessivas misérias pelo mundo fora.
E as repúblicas, que aparentemente pretendem uma maior comunhão entre os homens, conseguem-no mal, numa liberalização democrática mais anárquica, enquanto que as monarquias, para além dos princípios cívicos que parecem impor, de maior respeito pelas instituições, são garante de maior estabilidade e grandeza.
Todavia, pode isso depender também dos cidadãos mais trabalhadores e educados, em climas menos propícios ao desleixo e ao prazer - os nórdicos – do que os do sul, de climas que apelam à modorra. Por isso, os inúmeros cafés, cá entre nós, poluem os espaços como instituição preclara e indispensável ao nosso prazer de viver, e ao nosso pouco apego ao trabalho sério e ao estudo.
E as desigualdades na distribuição das riquezas continuarão saecula saeculorum, como já afirmava Gil ao seu amigo Bieito, pela pena de Sá de Miranda, quer seja em Monarquia, quer em República, não há que reclamar:
“Um possui de serra a serra,
Outro nada, ou dois tojais.”
Não chegámos a nenhuma conclusão convicta.