segunda-feira, 31 de agosto de 2009

E assim vamos ardendo

São belas as palavras cantadas por Mireille Mathieu na canção que tanto se ouviu no mundo inteiro, creio que nos anos sessenta “Paris en colère”. Revelam orgulho nacional, amor pelo seu Paris, amor correspondido pelo mundo inteiro. Festejavam o alvorecer de uma nova época, uma época de liberdade readquirida após a guerra e o domínio alemão:
“Attention, ça va toujours loin / Quand Paris se met en colère / Quand Paris sonne le tocsin / Ça s’entend au bout de la Terre. / Et le monde tremble / Quand Paris est en danger / Et le monde chante / Quand Paris s’est libéré »
E isso é bem verdade, creio que o mundo inteiro sente desejo de cantar sabendo que a “Cidade das Luzes” vai continuar a iluminar o mundo inteiro. E quando ouvimos a mesma Mireille Mathieu cantar “La Marseillaise” com tanto ardor da sua voz vibrante, escutamo-la e ao grupo coral e musical – via Internet - com igual emoção e entusiasmo. Porque também La Marseillaise representou um apelo à vitória contra o dominador alemão, tornando-se, a breve trecho, o Hino Nacional Francês.
No nosso país, não podemos aspirar a cânticos de igual amplitude. Temos o da Grândola, de libertação, é certo, mas dos próprios irmãos de raça, não de jugo estrangeiro. Quando andávamos na escola, conhecíamos o Hino da Restauração – “Lusitanos é chegado o dia da Redenção...” que nos demarcavam do domínio de Espanha de sessenta anos. Também a Maria da Fonte - “a mulher lá do Minho que da foice fez espada” originou um hino popular de uma revolução popular contra o domínio ditatorial de Costa Cabral. Grândola, a “vila morena”, não deixa de estar na continuidade reivindicativa daquela, só que mais apurada na metáfora, e aparentemente substituindo um regime ditatorial por outro, o do povo “que mais ordena”, embora nas utópicas referências à fraternidade e à igualdade. Quanto ao Hino Nacional, também ele resultou inicialmente de um cântico de contestação contra o que se considerou forte roubo dos Ingleses de territórios portugueses ultramarinos. Daí a linguagem de orgulho nacional e apelo à luta e revitalização da consciência nacional, tornando-se, na República, o nosso Hino Nacional.
Tudo, pois, sem grande dimensão, produto interno dos nossos interesses particulares, que não deixam de ter a sua beleza. Aliás, como os hinos futebolísticos ou outros que se fabricam em causas específicas.
Não, não temos a pretensão de ombrear com as luzes das outras nações, nem nunca poderemos sequer atingir as do espaço europeu a que pertencemos.
Acabamos de ler um texto trazido pela Internet sobre o movimento “Novas Oportunidades” criada pelo Governo de Sócrates. Assinado pela Drª Marta Oliveira Santos, ele descobre a irracionalidade que presidiu à cedência de certificados escolares, do 9º ano, do 12º, em que as exigências formativas são perfeitamente anedóticas e irrelevantes, sem passar por nenhuma das competências do âmbito escolar por enquanto obrigatório. Vale a pena consultar o texto que tem por título “A ignorância certificada” e que mereceu o seguinte comentário da pessoa que mo enviou: “Pondo a fasquia muito baixa até a tartaruga salta!”
Mas temos os fogos a limpar as florestas. São um bom meio de libertação de encargos – encargos de limpeza, durante o resto do ano, na floresta calcinada, encargos de produtividade, já que as exportações baixaram, encargos de educação reduzidos a três meses para os que não tiveram oportunidade antes e que estão a recuperar do atraso...
Paris brûle-t-il?” Pois nós também, ao nosso jeito.

domingo, 30 de agosto de 2009

“O nosso amigo Sócrates ontem fartou-se de inaugurar”

- Eu ontem não ouvi o “honoris causa”, não tive pachorra.
- Qual “honoris causa”?
- Faz de conta que é.
Custou-me a perceber que se tratava de Marcelo Rebelo de Sousa. Eu costumo ter pachorra porque ele dá sempre opiniões virtuosas, vê-se que anda bem informado, que tem tempo para tudo, estuda muito e que até sabe nadar e nada. Só não absorvo muitas vezes a matéria, devido à velocidade da sua argumentação que soa atropelada aos meus ouvidos retardatários. Também na apresentação final dos livros é um desmoronar estonteante de títulos, raramente acrescidos de comentário orientador. Novo-riquismo, acho, para termos Molière sempre presente. Bastava um livro de cada vez, que ele próprio tivesse lido e comentasse.
- Só ouvi aquela coisa em que ele estava a defender um governo de minorias e coligação – insistiu a minha amiga sempre de ideias fixas. Ele não acredita nas maiorias. Parece que se tornam propícias às ditaduras com perda das liberdades conquistadas na mudança para a democracia.
A minha amiga é que disse, mas eu não ouvi isso, e ouvi mais do que ela. Suponho que ela estava a subentender o pensamento íntimo do Professor Marcelo na questão das maiorias absolutas, mais do que a reproduzi-lo.
O que eu tinha ouvido mesmo era que ele gostou do discurso da Manuela Ferreira Leite sobre o programa do PSD, de que eu também gostei, e que achou que ela abordou as questões fulcrais de um propósito de governação, como eu também achei. E até lhe fiquei grata por o ter achado como eu.
Mas apressei-me a referir que, à conta disso, o sr. Casimiro Rodrigues nos tinha apelidado de “babacas” e a minha amiga riu-se e recordou telenovelas brasileiras onde se usava muito o termo, decerto desfiguração do nosso “bacoco”, muito menos suave este do que o brasileiro, pelo predomínio dos fonemas oclusivos e fechados. A verdade é que me senti honrada pela companhia do Professor Marcelo nesse apelativo integrante e igualmente intrigante, para a minha sensibilidade confiante nos propósitos das pessoas em quem confio.
A minha amiga também prefere um governo de minorias, mas onde todos fossem chamados a intervir:
- Experimentem misturá-los, a ver se dá alguma coisa. E não se esqueçam da varinha mágica.
Foi, evidentemente, uma imagem caseira esta da varinha, e não evocação dos contos de fadas da sua infância e da minha, porque as fadas desapareceram de vez, só evocadas nos carnavais das criancinhas vestidas à maneira. Mas ressalvámos, respeitosamente, o Dr. Alberto João Jardim como excelente exemplar de fada com varinha, segundo alguns leais vassalos, mesmo fora dos carnavais que ele costuma frequentar com bom desempenho.
A minha amiga admitiu também a hipótese de Sócrates poder revestir-se dessas funções de fada com varinha:
- O nosso Ministro Sócrates ontem fartou-se de inaugurar e os seus ministros. Eu acho que ele vai ganhar. Faz muito por isso, numa época de tanta concorrência frenética.
Estamos, pois, bem longe já da varinha mágica de fazer o puré, que ela tinha alvitrado, misturando ministros das várias etnias ideológicas, por assim dizer. Cada um responsável pela sua pasta, trabalhando para o puré comum, isto é, para a Nação e os cidadãos, interapoiando-se e intervigiando-se, em zelos de honestidade, competência e esforço rentáveis e exigentes de correspondência, em idênticos parâmetros, desses cidadãos, de todos nós. Eu até que concordei.
Mas agora é que nos sentimos ambas mesmo babacas.

sábado, 29 de agosto de 2009

“Olha se não tem dado uma dor de barriga ao polícia!”

Tratou-se de uma notícia do “Correio da Manhã” sobre um Damásio, e logo eu, na imprecisão do meu saber, lembrei um nosso sábio português, neurologista, famoso.
Não tinha nada a ver. Este meu era António, o dela parece que se chamava Manuel, mas não tinha bem a certeza, e eu aproveitei para lembrar a necessidade de rigor nos dados.
- O gajo foi presidente do Benfica. É podre de rico. Tem uma casa à venda por quinze milhões de euros na Quinta da Marinha. Tem só nove quartos e doze casas de banho e duas piscinas. Podre de rico porquê? Há dez anos pôs o ordenado mínimo na declaração. Era um Zé Ninguém, não sei bem o quê. A não ser que o homem diga que lhe saiu o euromilhões.
Suspirei, na visão radiosa de uma perspectiva que tantos de nós – todos, com certeza - ambicionamos ingloriamente, prometendo semanalmente e suplicantemente a Deus que, se nos sair, faremos muita gente feliz. Baldadamente.
Mas a minha amiga não vai em rezas, sempre de má vontade contra os ricos que, sendo pobres antes – pés rapados, diz ela, ou mesmo com calçado da feira – de repente brotaram em finanças, implicados em maroscas, amigos de outros poderosos, todos se interapoiando e todos brotando e “rindo”, como os “espertos regatinhos” da Serra que Jacinto e Zé Fernandes subiram de regresso a Tormes. Só que estes riam “com os seixos”, ao passo que aqueles riem “dos seixos”, que somos todos nós. Mas a minha amiga continuou:
- “Tudo pode ser é ladrão, porque se não for ladrão não tem safa”.
E citou mais um caso, o de Dias Loureiro, que também leu no “Correio da Manhã”, mas todos os jornais publicitam:
- Descobriram-se documentos incriminatórios, de fraude, burla, branqueamento de capitais, sabe aonde?
Ainda não sabia, sempre confiada no saber dela.
- Num esconderijo, ao pé da casa de banho. Mas logo Loureiro afirmou a sua inocência: “Se tivessem importância já tinham sido destruídos”. Mas há alguém que tenha a consciência mais tranquila do que eles? Não há. Que grande pouca vergonha! Dá vontade de dizer assim: “Olha se não tem dado uma dor de barriga ao polícia!
- De facto, confirmo eu, já na mesma onda. Foi uma dor de barriga providencial!
- Qual quê! Vai ver o que agora se vai dizer cá para fora! Enxurrada ou não, fica tudo na mesma!
- Pois! O autoclismo tudo lava. Melhor dizendo, purifica.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O Programa

Soou como música celestial, o Programa do PSD proposto por Manuela Ferreira Leite. Aos meus ouvidos, é claro. Não sou facciosa e desde há muito que as palavras concisas, educadas, com, por vezes, os seus laivos de humor, mas, sobretudo, com uma seriedade que não ponho em dúvida, porque ditas numa perceptível base de formação moral de rigor, sem a pretensão tribunícia de deslumbrar plateias, desde há muito que Ferreira Leite se impõe à minha sede de competência intelectual e moral na nossa governação.
Mas logo os sábios comentaristas desvirtuam intenções, e, porque bem escaldada com as promessas não realizadas ao longo dos 36 anos de governo nacional, já que todos os que não são governo se esforçam, não por colaborar na construção, mas por destruir e obstruir, estabelecendo anarquia, desequilíbrio e cada vez mais miséria, sob a virtuosa aparência da solidariedade social, sei bem que o programa não irá ser cumprido na sua integralidade.
Já as forças da oposição, de resto, se preparam para fazer ruir bons propósitos, astuciosamente colaborando em greves perpetradas para criar o caos. Já vivemos tudo isso, não sei se o país terá forças e condições económicas para o viver novamente.
Por agora, estamos na fase do desdém, das frases feitas sobre a "não novidade" do Programa e a sua “falta de dimensão”, porque “avesso à modernização”, porque se limitou a pontos específicos - na Economia, na Educação, na Justiça, no papel do Estado, no factor Social – e ignorou outros em que alguns fazem finca-pé como prioritários. E em todos eles a palavra-chave da promessa de “cumprimento” foi letra morta.
Um programa “pouco ambicioso”, dizem, que limita o papel do Estado, no caso da Economia, por exemplo, a eliminar os constrangimentos que se põem actualmente aos investimentos. Julgo que isso passará por redução das burocracias e de impostos anuladores, num sentido de estimular tais investimentos, e isso parece útil.
Reduzir o número de deputados também parece um bom “investimento económico”, numa Assembleia da República onde a maioria dos deputados não participa, a não ser para aplaudir os do seu partido.
Quanto à limitação das autoestradas ou um TGV por módulos à medida das exequibilidades financeiras, aparenta uma prudência sempre necessária, e sobretudo num país sem meios financeiros, vivendo em grande parte num ilusório novo-riquismo provinciano, de esbanjamento folclórico, no deslumbramento de importâncias que obteve, não pelo esforço dum trabalho útil, como fazem tantos outros países europeus, mas cedidas por uma Europa não generosa mas irónica, cada vez mais credora do nosso endividamento externo que deixamos como herança aos nossos vindouros.
Sem “dimensão social”, diz-se também. Mas propõe-se eliminar o absurdo modelo de avaliação docente e isso é dimensão social; propõe-se estabelecer normas de civismo, disciplina e assiduidade para os alunos, e isso é dimensão social; propõe-se tomar como prioridade o combate à pobreza senior e infantil e isso é dimensão social; propõe-se aumentar os poderes policiais, combater a corrupção, refazer uma Justiça e uma Saúde defeituosas e isso é dimensão social em vários níveis.
Contenção, moderação, respeito pelos seus indivíduos, são dados operacionais. O ponto é que deixem operar quem os propõe aplicar – no caso de poder vir a executá-los.
Mas, sobretudo, que fosse vontade de todos querermos isso mesmo - civismo, ordem, respeito, disciplina, rigor, profissionalismo, em suma – e não preferirmos a esses parcos dados sem dimensão, a indisciplina, a desordem, o desrespeito, a fraude, a incompetência, a “balda” , apanágios da nossa dimensão real.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

“E deixarem construir aquelas casaronas!”

Voltámos aos fósseis. Isto é, às nossas falésias mortas. A minha amiga tinha escutado a Helena Roseta na Sic.
-Só ouvi ontem aquela Roseta, ela é arquitecta, parece que faz parte de alguns serviços de conservação da natureza e diz que toda a costa algarvia está pejada, e que a natureza prega partidas. Devia haver uma lei que proibisse as vivendas riquíssimas nas arribas. Cada martelada está a abrir lá qualquer coisinha.
Eu ainda não me habituei bem às expressões da brusquidão da minha amiga. Maravilhei-me, na hipótese de descoberta de quaisquer cofres da pirataria antiga que pudessem ter aportado à costa. Mas também não se me dava que os cofres fossem mais recentes, da pirataria moderna, por causa da simplificação no câmbio.
Creio que esta minha suposição resulta da influência sherlockiana que está a passar na TV Memória, e que também o Diário de Notícias nos tem fornecido gratuitamente, para nossa informação em criminologia. Mas ela passou a minha hipótese em branco, indiferente a incompreensões descabidas na nossa gravidade panorâmica:
- Então há desleixo ou não há desleixo? Mentira! Não houve técnicos a ver falésias! O Governo diz que houve técnicos. Toda a gente sabe tudo. Não há ninguém que não saiba. Mas depois deixam cair. E não há ninguém a ir para a cadeia!
-Para quê?-
digo eu sempre conciliadora e solidária, na minha claustrofobia de nascença.
- Aquele desastre na linha do Douro! O que é aquilo senão desprezo pela conservação da natureza? Todos os engenheiros sabem. Tem que haver grande cuidado!
- Pois! Mas o dinheiro...
- Falta dinheiro? Mas então não fizessem essas estradas, por trás da linha das falésias! Até só a passagem dos camiões pode abrir fendas com a trepidação. Foram as câmaras e as rodoviárias que autorizaram. E vêm culpar o povo! Tem que ter cuidado o povo! E não apanhar combóios em escarpas, ou andar por estradas de perigo, ou abrigar-se à sombra de rochas inseguras. Senão sujeita-se. Mas quem fez as estradas fê-las para o povo. Ou não? Será que eles os das estradas vão de avioneta?
- Também se fala de um café aqui perto do Estoril, de risco, na falésia...
- O café em S. João, na Praia da Poça. Estiveram a filmar. Estive lá há poucos dias. Ninguém sabe desse perigo. Não tem medo quem lá vai. Agora usam-se redes metálicas para evitar que as pedras caiam sobre a gente incauta. Isto está perigoso!
- Mas está num belo sítio.
- Sim! Eu já não estou interessada em ir lá! Só pergunto quem é que autorizou o café a abrir, já há bons anos. Ainda bem que a TV veio mostrar. Há muitos pelo país fora. Não há é um bom trabalho. Isto dito pela Roseta, é porque é mesmo.
- Sim, ela parece séria no que diz.
- Está uma lei para sair, vamos a ver o que a lei prevê. Mas há direito? Com certeza continua tudo na mesma! E deixarem construir aquelas casaronas!...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

“Até hoje não caiu”

Tratou-se da questão da falésia que soterrou cinco pessoas em Albufeira. Está a ser destruída, agora que cumpriu o seu destino e das cinco pessoas que se abrigavam à sua sombra, não mais acolhedora. Tinha um aviso cimeiro, indicando “perigo”. Mas nós não estamos habituados a obedecer, que nos faltou a disciplina de deveres e direitos cívicos na escola. Esses terão que ser ministrados na família, mas com a desorganização dos lares, andamos todos à balda e, por vezes mesmo, vamos parar aos Manes, sem passar pelos Penates, à conta da desobediência.
Até contei à minha amiga que costumamos encontrar um pai e uma filhita no café, desde a cadeirinha de bebé. A mãe é alemã, às vezes também aparece, o pai talvez seja um inglês, que fala bem português mas tem uma postura diferente dos pais portugueses. A criança já anda e corre atrás do meu Fox, e há dias afastou-se demasiado. O pai não se mexeu, sombra protectora, de pé, velando. Disse apenas: “Para aí não”. A criança virou-se, olhou para ele, e voltou. Os nossos meninos teriam ouvido várias vezes chamar, as mães teriam corrido atrás, teriam gritado em alvoroço de pânico. E a criança mais correria, na desobediência da sua liberdade – nós dizemos personalidade, cedo ainda para lhe chamar democracia – até ser apanhada, às vezes com uns açoites inúteis, porque não educativos, fruto apenas do nosso transtorno nervoso. Não, não estamos habituados a uma obediência que respeite normas. Somos brandos, individualistas, sem educação. E gritamos demais, com a indiscrição do nosso atraso.
Tudo isto a propósito das pessoas que se sentaram, pela última vez na vida. À sombra de uma falésia com inútil aviso de perigo.
Mas a minha amiga estava indignada.
- “Nasce-se com o destino”, disse agoniada, bem no rasto do nosso fado triste.
- "Destino marcado!" acrescento, sorumbática.
- “É muito perigoso, aqueles pedregulhos semeados em toda a costa algarvia. O que fazia aquele morro ali no meio? Aquele morro devia ter sido tirado. Até hoje não caiu. Chegou-se à conclusão de que não estão em condições. Vão deitar abaixo. Costumam cair mais no inverno, não no verão. Mas no inverno ninguém lhes procura a sombra.”
- “A ASAE devia tomar conta, que é mais eficiente no tratamento das falhas” digo eu no descontentamento sem tréguas contra tantos podres no nosso país.
- "Mas não as tectónicas. Eles têm uma coisa a que se agarrar: tiveram um sismo. Pobre gente! Nasce-se com o destino! Agora também compreendi porque é que não se alerta mais: porque não se pode estragar o turismo. Não se pode avisar que é perigoso. Desde Lagos, toda a Costa Azul é rocha e barro. Todas as praias têm aquilo. Mas não se pode avisar. Agora andam a ver se há mais falésias fósseis a ruir."
- "Mas as pessoas voltam a sentar-se, não à sombra da bananeira ou da faia, que essas estão a arder, mas da rocha."
- "Pois! Elas pensam que não volta a acontecer. Não acontece no mesmo dia nem no mesmo ano! Não volta a acontecer é o que pensam. Por isso estar o aviso ou não estar é o mesmo. Só vedando:
Aqui não passas!”. Alguém sabia que estava a correr perigo de vida? E as pessoas brincam, e levam as crianças para as grutas, na aventura de entrar em castelos fictícios..."
- "Mas há dias li um comentário sobre os tais avisos, informando que muitos há entre nós que não sabemos ler. Daí que sejam inúteis avisos destes. Mas o seu pessimismo foi porque não ouviu o nosso Primeiro Ministro, acho eu. Sobre o nosso actual sucesso escolar.
"

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Manobras vulpinas

Uma tempestade arrasava os campos, as árvores, os bichos, tudo ia pelos ares. Não a raposa. Essa escondeu-se num buraco da árvore e assim podia ir comendo as galinhas do galinheiro próximo, que as entreabertas lhe permitiam conquistar. E troçava do esquilo que, no cimo da árvore, tentava abrigar-se sob a sua vasta cauda, quase inútil, porque também ensopada. –“És um tolo, disse ela, julgas que a cauda te basta para te cobrires, assim pesada da água que cai? Eu meto-me no buraco e de lá comando a vida."
Mas a tempestade, causada pelo deus das intempéries – e também das bonanças, temos de ser gratos - amaina. La Fontaine o afirma. E ei-la, agora, a raposa, a tentar safar-se da fúria do dono do galinheiro. O esquilo, do cimo da árvore, a roer as poucas nozes que a tempestade poupou, avista-a ao longe, a fugir, da matilha que a persegue. Mas, sério, sabendo das contingências da vida, causadas pelos que comandam as tempestades, não ri da raposa:
“L’écureuil l’aperçoit qui fuit / Devant la meute qui le suit. / Ce plaisir ne lui coûte guère, / Car bientôt il le voit aux portes du trépas. / Il le voit ; mais il ne rit pas, / Instruit par sa propre misère ».
Não ri da raposa, porque sabe que outra virá, se não a mesma, “sabedor arguto da sua própria miséria”, de impotência contra os que voltam sempre, no rodopio das retomas, cada vez mais semelhantes entre si.
Entretanto, na questão da Educação, uma vez mais a nossa age matreiramente, atribuindo ao povo caçador – “la meute”, a matilha – intenções que ela própria fomentou ao criar - ela-própria e a companheira ministerial - a tempestade favorecedora do ataque aos esquilos – os professores sem qualidade, responsáveis pelo insucesso escolar.
Agora ela afirma, com a apoiante ministerial, que isso foi um insulto da matilha aos esquilos-professores, que atravessaram a tempestade - criada não pelo deus das intempéries e das bonanças mas por si própria, raposa tempestuosa - com as caudas pejadas dos portefólios das instruções e dos labores, tentando não sucumbir aos pesos e às acusações; e que o ensino foi um êxito em resultados e em aumento de população escolar; e que quem os acusa de facilitismo e passagens imerecidas – a tal matilha perseguidora - está só a ofender os professores.
Vê-se que a nossa raposinha esperta trabalha bem para o voto dos esquilos em si própria, raposa matreira que inverte as questões, nas sem-razões das suas acusações, resultantes, antes, das suas maquinações.
Com efeito, eu sempre ouvi dizer que todas as reprovações escolares tinham que ser devidamente justificadas, e que bom seria, e mais eficiente, os esquilos trabalharem para o sucesso discente. Caso contrário, haveria insucesso na docência esquilina.
A haver insulto aos professores, ele foi fomentado, sim, por quem comandou a nossa vida colectiva.
Mas o resultado foi positivo, que o sucesso se fez. Como a luz, no primeiro dia.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Nós também os temos”


Fogo em Atenas! Aquilo é real? Como foi possível? “
Desta vez as nossas vozes quase se confundiam, tão uníssonas soaram.
Mas a minha amiga levou a melhor, na exuberância de um sentimentalismo sempre pronto a manifestar-se, e de uma rapidez de percepção panorâmica abarcando tudo o que lhe vem à rede, incapaz de passar ao lado das coisas sem reagir prontamente:
- “Ai aquela gente! E saber que vai arder tudo! Disse um deles que nem dez milhões conseguiam apagar isso. Não sei se falou apenas transtornado, na aflição do medo.”
-“Como deixaram?! Como foi possível?!”
As exclamações provêm-me da angústia verdadeiramente sentida, no pensamento daquele recanto clássico donde nos veio o mito e o ocidente e o pensamento filosófico, daquela pátria que aprendemos a amar quando, no liceu, estudámos a história da Grécia, quando aprendemos a língua grega no seu alfabeto e na sua fábula, quando lemos, em tradução, a aventura épica troiana e tantas das histórias do mito trágico tantas vezes recuperado pelos que seguiram na aventura da escrita. A pátria de Ulisses e da sua ilha fiel, mas também a história paradisíaca na sua Ogígia que o nosso divino Eça tão divinamente tratou, lembrando quão mais feliz é o homem no pensamento da sua miséria e finitude do que no seu bem-estar e perfeição quando os supõe perenes. “Como deixaram?! Como foi possível?!”
-“Sabe? Estão a culpar o governo. Não é a primeira vez. Já há dois anos, ali à volta de Atenas... Mas este é pior.”
- “Pensar que de Atenas nos veio a luz...”
-“Eu acho que está tudo a arder! Olhe aqui no nosso país! Nunca houve tanta extensão de incêndios.”
- “É! Mas o Sócrates nem fala nisso! E o que ele se gaba do que fez! A Educação foi um êxito, com uma taxa de insucesso reduzida a quase metade. E nem se tratou de facilitismo, como acusam os velhotes do Restelo e arredores. Mas dos incêndios não fala.”
- “Sim, nós também os temos! Olhe o de Belas, que tem campo de golfe! Há um clube em Belas recente. Aquilo ia ardendo tudo. Apareceram moradores a dizer que é fogo posto. A gente foge porque não pode lá ficar. E lá fica tudo, nas casas a arder...
- “Sabe o que me choca muito? Que ardam os álbuns de fotografias! É como se se matasse o passado, a nossa vida toda!”
- “Mas estes da Grécia! Não é gente rica! A Grécia é um país pobre, cheio de dificuldades. O povo está revoltado. Tem que haver uma verdadeira política contra os incêndios. Felizmente há países da União Europeia que os vão ajudar agora.”
- “Deviam ser bem castigados os malfeitores que os provocam. A brandura política contra estes escapa-me. Que interesses económicos estão por trás dos incêndios? Que escandalosos sadismos haverá nestes Neros da actualidade que ninguém pune exemplarmente? E o mundo vai ardendo por todo o lado. A benemérita democracia salva os criminosos.”

sábado, 22 de agosto de 2009

“Eles já vendem sem pandemias”


Falámos no texto recebido via Internet com o título – “A Ironia ao seu melhor estilo” - de que vou extrair alguns items:

« - 2 mil pessoas contraem a gripe suína e todo o mundo já quer usar máscara. 25 milhões têm SIDA e ninguém quer usar preservativo.

PANDEMIA DO LUCRO

I- Morrem anualmente, sob o silêncio dos media:
- milhões de pessoas vítimas da Malária. Bastava prevenir com um mosquiteiro;
- 2 milhões de crianças com diarreia, evitável com um soro de 25 centavos;
- 10 milhões de pessoas com sarampo, pneumonia e enfermidades curáveis com vacinas baratas.

II - Há cerca de dez anos, apareceu a gripe das aves: Uma epidemia, a mais perigosa de todas...
-Uma pandemia! Só se falava da terrífica enfermidade das aves, que, em dez anos matou 250 pessoas – 25 mortos por ano. A gripe comum mata, por ano, meio milhão de pessoas no mundo.
-A farmacêutica transnacional Roche, com o seu famoso Tamiflu vendeu milhões de doses aos países asiáticos. Ainda que o Tamiflu seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população.
-Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro.

III - Agora começou a psicose da gripe suína. E todos os noticiários do mundo só falam disso.
- A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflu. O principal accionista desta empresa é Donald Rumsfield, secretário da defesa de George Bush, artífice da guerra contra o Iraque.
- Os accionistas das farmacêuticas Roche e Relenza têm novamente vendas milionárias com o duvidoso Tamiflu.
- A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde.

IV - Não nego as necessárias medidas de precaução tomadas pelos países.
- Mas se a gripe porcina é uma pandemia tão terrível , como anunciam os meios de comunicação,
- Se a Organização Mundial de Saúde (conduzida pela chinesa Margaret Chan) se preocupa tanto com esta enfermidade, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza a fabricação de medicamentos genéricos para combatê-la?
- Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos gratuitos a todos os países, especialmente os pobres. Seria a melhor solução


A minha amiga não se poupou a críticas, nos seus comentários escandalizados:

1º - A fortuna doida dos laboratórios! Não devia ser possível essa monstruosidade de lucros!
2º - Eles já vendem sem pandemias, quanto mais! Como é que esta gente pode vender tanto?!
3º - A quantidade só para os Chineses é qualquer coisa de bárbaro!
4º - Realmente, se há pandemia, os medicamentos deviam ser distribuídos gratuitamente!
5º - Claro que não se consegue nada porque são poderes colossais!
6º - A imprensa tem uma força danada!
7º - Deus nos livre que a coisa fosse a sério! Alguma vez estes números de telefone e os hospitais eram suficientes!?
8º - Além do Tamiflu, é preciso lavar as mãos. Mas os Portugueses não estão habituados a lavar as mãos. Há-de ser bonito!
9º - Eu acho que esse artigo devia ser passado e dado a conhecer.

Ainda rebati com a fraca projecção do meu blog, e mesmo do do Sr. Casimiro Rodrigues, mas, no fundo, estava a tentar evitar a tarefa ingente da cópia dactilográfica, por meio de um só dedo moroso, que nunca criou automatismos de urgência.
Mas, depois de referir outras epidemias anteriores – de vacas, de galinácios – certamente que também com objectivos tenebrosos de boicotes comerciais, de mistura com o real ou o fictício das doenças que liquidaram tantos animais e seus donos, obrigados a desfazerem-se deles (as pessoas são timoratas e as leis fabricam-se na urgência dos cataclismos), dispus-me à cópia do texto “A Ironia ao seu melhor Estilo”.
Na realidade, eu nunca deixei de comer bife nem frango, com a garantia do estado de saúde dos animais em questão, pelo meu talhante, nas alturas dessas pestes. Também espero não vir a apanhar a gripe. Sou das que lava as mãos, sobretudo nos exageros da confecção culinária. Mas enfileiro na pandemia do terror, sabiamente instilado pelos media, de conivência com os meios nisso interessados, atrás referidos. Terror pelos meus netos, sobretudo, que frequentam locais propícios à sua propagação.
Terror, mas também asco, pelo bombardeamento diário mediático e médico – ministerial! - sobre a progressão dos dados da Gripe Porcina, mais sofisticadamente, Gripe A.
E agora, que o texto supra nos alertou para a pandemia do negócio lucrativo que a ela preside, desprezo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Entrevista com Judite de Sousa

Mais uma vez, ao ouvir Manuela Ferreira Leite, me deixei fascinar pela sua presença de contenção elegante, e pela sua voz de discurso não empolado em retórica favorecedora de esperança, como aquela em que temos vivido mergulhados, mas um discurso simples que alerta para o perigo, deixando antever soluções, não mirabolantes mas sensatas.
Em todo o caso, há muito quem a acuse de não ter um discurso político, habituados que estamos ao falazar estentóreo do nosso Primeiro Ministro, que ataca e promete, que promete e não cumpre, e volta a prometer e a mal cumprir e vai adiando o que promete, alguma coisa fazendo – alguma coisa havia de fazer – publicitando o que vai fazendo, em grande alarde, calando o que não fez, ocultando o que fez mal, exagerando o que realizou, na deferência geral do seu vasto círculo apoiante.
Manuela Ferreira Leite apenas afirma, singelamente, que não promete – em caso de vir a ser governo – nada que não seja exequível. Nem para conquistar votos promete mais do que isso. Tem um discurso modesto, sim, mas a mim parece-me forte e preciso, ao informar sobre o que não fará, ao expor sobre o que fará, certamente que no respeito pelos cidadãos da sua Pátria, e não no espezinhar dos seus direitos.
Não tem em mãos todos os cordelinhos da acção – não é governo – mas, sem empolamento, apresenta dados sobre realizações futuras plausíveis, sobre a forma de recuperar do défice – em função do desenvolvimento económico, com vista ao aumento de exportações – sobre a recusa em continuar políticas económicas suicidárias, quais as dos transportes megalómanos esbanjadores, em opção pelo apoio às pequenas e médias empresas, factores do desenvolvimento económico nacional.
Há muito que sentimos o terror de um futuro sem perspectiva para os que nos seguem na escala do tempo, no buraco cada vez mais fundo e negro de um país a cada hora mais endividado, num mundo que parece todo ele ruir sem sentido, com cada vez mais gente sem emprego, cada vez mais gente na opulência, cada vez mais gente na prevaricação e na fraude, cada vez mais cavado o fosso entre ricos e pobres...
Quando ouvimos Sócrates, sentimos – desde sempre – o calor da confiança, na convicção altissonante das suas realizações. Mas a pouco e pouco fomos duvidando. Porque, em vez de responder, ataca, em vez de citar, acusa. E quando, em via de eleições, acentua as suas realizações, é na base da megalomania, na presunção de uma grande obra feita. Mas a grande obra não correspondeu à promessa, porque, como diz Ferreira Leite, não foi assente num estudo prévio. Prometeu 150.000 postos de trabalho - podia ter prometido menos, podia ter prometido mais. Não disse como.
É a adivinha da meia: “Uma meia meia feita, outra meia por fazer, diga lá minha menina, quantas meias vêm a ser?” Sócrates também só fez meia meia e não se espera que acabe o par. Porque na meia meia gastou o novelo inteiro.
Não é o único culpado, sabemo-lo bem. Nós todos somos culpados. Somos chorões, pedinchões, trapalhões, não temos muitas vezes adequadas formações, muitos de nós somos burlões.
Por isso, não podemos esperar muito de Ferreira Leite. No seu círculo de apoiantes também haverá muitos da mesma igualha que nós, mas esperemos que, como ela, sensatos, honestos e determinados, também haja, além de competentes.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

“Vendeu que se fartou”

Começou por me trazer o Jornal Dica de 20 de Agosto para eu me informar sobre a personalidade de Mia Couto, de quem lera alguns - poucos - livros. Era sobre o lançamento do recente “Jesusalém” e à pergunta sobre como correra, ele respondeu analisando os seus conflitos íntimos, modestamente duvidoso da eficácia dos seus contactos com o público da promoção e bordando sobre isso, à maneira das lantejoulas com que borda o seu discurso literário.
De resto, expôs bem, sobre o efeito do seu curso de biólogo sobre as histórias que narra, e logo me ocorreu a analogia com António Gedeão, que também usou do seu de Física e Química para enriquecer os seus magníficos poemas. Até citei o muito conhecido “Lágrima de Preta”, revelador da íntima e fraternal comunhão de certos espíritos literatos na desmontagem dos seus sentimentos anti-racistas.
Eis o poema em quadras quinquessílabas, de Gedeão:
“ Encontrei uma preta / que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar.
Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado.
Olhei-a de um lado, / do outro e de frente: / tinha um ar de gota / muito transparente.
Mandei vir os ácidos, / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais.
Ensaiei a frio, / Experimentei ao lume, / de todas as vezes / deu-me o que é costume:
nem sinais de negro / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio.”

Li, seguidamente, à minha amiga os meus comentários aos de um meu amigo no meu blog, defendendo Mia Couto não só como escritor mas como construtor de língua, como já nos seus tempos de Moçambique os moços utilizavam expressões dos falares locais, o “maningue”, “bué” angolano, etc., achando mais desconstrutiva a corrupção linguística dos moços de hoje, nas suas mensagens por telemóvel e orais, e a língua brasileira, na sua facilidade e corrupção gramatical, mais atentatória da dignidade da nossa língua.

1º Comentário: “Não se trata de amar os termos locais - isso há muito quem o faça, de Moçambique, Angola, Portugal de Norte a sul. Grandes escritores - e pequenos - usaram o processo, com mais ou menos arte e graça e também para mostrar o amor pelo pobre povo nosso tão espezinhadinho e ignorantezinho sempre. No caso de Mia Couto há uma construção capciosa e inteligente, muitas vezes poética, muitas vezes grotesca, grande parte das vezes para desprestigiar a língua portuguesa, não para a elevar mas tudo feito com arte & manha. E realmente é isso que me choca, tanto desamor pela pátria em que nasceu, tanto amor (fictício?) pela sua terra natal que era portuguesa quando ele usou cueiros.
Mas tanta beleza também, e criatividade. Concordo em absoluto. A mim, choca-me a traição. Porque amo a minha Pátria, pátria dos que me precederam, na sua língua, nas suas sensibilidades e realizações, e respeito mais os que, escrevendo pior, revelam igual amor e sofrimento pelo destroço em que se está a tornar. Nunca Camões seria tão amado, creio, se, embora criticasse, não tivesse mostrado tanto amor por ela. Nem Garrett, nem.
Mia Couto pode pertencer ao mundo que o louva e louvaminha, não pertence a Portugal.”


2º Comentário: “Mas, inegavelmente, o português de Portugal é uma língua bonita de se amar e não de se macaquear. Já o disse António Ferreira na sua "Carta a Pero de Andrade Caminha" que poetava em castelhano:
"Floresça, fale, cante, ouça-se e viva / A Portuguesa Língua! E já onde for, / Senhora vá de si soberba e altiva. / Se até aqui esteve baixa e sem louvor / Culpa é dos que a mal exercitaram: / Esquecimento nosso, e desamor.”
Mas o mal é que o desamor continua cada vez mais vivificado entre nós. E a culpa também é do Governo.”

Li-lhe, a seguir, o comentário de Ruy Miguel ao meu texto anterior sobre Mia Couto, que achou esplêndido de oportunidade e precisão:
Uma análise crítica muito oportuna para um “gato (mia) escondido com o rabo de fora. Para miados destes há no Portugal de agora as maiores honrarias. Realidades.”

E ei-la agora, a minha amiga dos tempos de África, a todo o vapor, sem me dar tempo a responder, numa fluência sem travão, aos borbotões, via-se quanto sofreu, via-se bem o que sofre. Porque o que lá deixou, nunca foi recuperado. A África não paga a ninguém. E sente pelos que lá vivem, no seu infortúnio sem horizonte.
Hoje, Mia Couto vive bem. Deve viver bem. É um escritor famoso. Mas os pretos não passavam fome. E hoje passam. E andam nas ruas esfomeados.”
Ela já lá voltou, fala com conhecimento.
E os ricos vivem nas suas vivendas cercadas de arame farpado electrificado e alguns com piscinas e courts de ténis.
“Antigamente viviam bem mas não ostensivamente, a não ser os casos pontuais dos useiros e vezeiros.
“Não sei nada do Mia Couto, se tem piscina. Mas os pretos vivem malérrimo.
“Há uma parte preta que vive bem, também com as suas vivendas com piscina. Os do governo e os interligados.
“Agora diferenças há muitas, porque o seu povo tem fome. Nós não tínhamos os pretos na rua com fome. Nunca vi.
“São uns desgraçados. Espero que ele também escreva um livro sobre isso.
“Lançou o seu novo livro com o maior sucesso. Vendeu que se fartou. Ninguém está contra. Já deve ter metido na cabeça que o que escreveu foi injusto. Porque as coisas pioraram muito. Aí é que está.
“Os Portugueses não prestavam. E ele descobriu um filão. Com certeza. Deve-se à sua inteligência e engenho. As suas histórias são poéticas, bem feitas. Contra os opressores colonialistas. Ele descobriu um filão.”

Finalmente, a minha amiga calou o seu desabafo, tomando, já frio, o seu café. Eu tomava as minhas notas, bebi o meu, frio também. Mas concluí, não sei se perversamente:
“Sim, são histórias poéticas, outras menos, num mundo de magia que tem o seu encanto. A mim cansa-me, não só o repetitivo mórbido - "à la longue" - das expressões embrulhadas, de efeitos complexos, como também a magia, que me faz lembrar o Harry Potter e o mundo irreal que encantou e encanta ainda a mocidade e algum do mundo adulto. Nunca consegui ler, acho intragável esse mito moderno, sem solidez nem seriedade, causa de desequilíbrio emotivo e de irresponsabilidade. Mas dá milhões e isso é que é sólido hoje. Devemos curvar-nos, por isso, ante esse poder dos fantásticos milhões.
Como, de resto, se costuma fazer.”

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mia Couto, um inteligente fabricador de mitos “deslinguísticos”

Ele um dia pensou:
“Vou desrevelar o meu povo, o povo a que eu despertenço, vou criar um universo de anedotário poético, vou desapontar sofrimento, e ansiedade e grotesco, vou destrancar malvadezas dos homens que pilharam as terras e as subjugaram com cruelvadez, vou mitificar um universo de risota e dor, vou mostrar toda a minha empatia, vou seguir na esteira de Gabriel Garcia Marquez na mitificação, Vergílio Ferreira e outros, talvez franceses, na desconstrução verbal do estilo “nouveau roman”, vou ser astuto e subtil e inteligente, como poeta, como prosador, como linguista. E serei célebre.”
E todos os que o leram e lêem, abrem os olhos de espanto, as bocas de riso, as almas de encanto.
Pela originalidade, sim, do discurso de alianças verbais e semânticas, ou de incorrecções gramaticais que, traduzindo influências lusófonas, insidiosamente pretende troçar dessa lusofonia que os portugueses não conseguiram promover totalmente nas terras que lhes pertenceram por direitos de descoberta e de conquista.
Como fizeram outrora, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Visigodos, Árabes, nas invasões progressivas aos solos distantes das suas pátrias, levando comércio e criando civilização nessa Península Ibérica que também o foi da gente lusa.
Mia Couto sabe que pode torpedear esses aventureiros lusos de outrora, pois encontrou campo aberto, no solo nacional dos lusos de agora, para o acolher com ternura, na concordância com os ódios anticolonialiatas, e com os afectos africanistas.
Sendo branco de coloração, a desempatia pelo branco da colonização é claramente sugerida na meigice arteira com que descobre a raça negra da sujeição, e da altivez também e da revolta. Também no grotesco da caricatura, e na poeticidade dos seus vários mitos.
E tudo isso lhe fornece prémios. E fama. Talvez merecidos.
Mas o encanto e a admiração que sinto, transforma-se em desprezo. Pelo simples facto da sua coloração exterior branca.
Fosse ela negra e admiraria as capacidades indiscutíveis da imaginação e do discurso, Viriato moderno no ataque ao intruso “Romano”.
Assim, sinto o desprezo pela traição aos da sua raça.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

“E depois não os apanham”

Tratava-se de um jogador de futebol. Levou tantas ou tão poucas que foi parar ao hospital, com traumatismo craniano. Mas tinha história no caso, não foi como os outros casos que a minha amiga contou, excepto o da rapariga a quem despiram e bateram e queimaram o BMW. Parece que foi um casal que a obrigou, puseram-na atrás, levaram-na no carro, guiado pela mulher, e num certo sítio deixaram-na nesse estado e o carro queimado. Ainda não se sabe porquê.
- É de uma violência tão grande, tão grande, tão grande! Vai ser fácil apanhá-los.
Eu não estou assim tão segura.
- As pessoas que cometem crimes vão ser apanhadas ou quê? Se deixam a vítima com vida... Chega-se à conclusão que não querem matar, porque não quiseram, não interessou matá-los!
- Cá por mim é porque há um recrudescimento de virtude, respondo eu com uma boa fé no género humano, que a minha amiga desdenha com muita segurança.
- Veja os casos em Óbidos. Agora já só há violência. É muito estranho o que está a acontecer. O combinado devia ser não matar. E foi assim que escapou o casal de franceses, e os de idade, portugueses, a senhora que conseguiu fugir saltando pela janela, depois de violentada, o marido fingindo-se morto com a tosa que lhe deram, gente rica, mas parece que não chegaram a roubar grande coisa.
- Ainda bem!
- Mas estes assaltos eu não os entendo, o dinheiro não está lá, está no Banco. Não li nada sobre isto.
Eu também não lera, a vida ocupada nas violências domésticas, o espírito interessado em diversão mais prazenteira, com os filmes da Agatha Christie das ofertas amigas recentes, no comodismo do sofá.
- Também tratam de violência, explica a minha amiga com autoridade.
- Mas mesmo que assustem, a gente sabe que não são reais.
- Quem dera que houvesse agora muitas Misses Marples e MM. Poirots a descobrir os criminosos!
É uma aspiração da minha amiga, em que ela, de resto, não crê, os detectives inteligentes pertencentes, de preferência, à imaginação dos escritores. E eu acrescento, descoroçoada:
- Pois, mas os crimes reais são tão repelentes, os casos de pedofilia, rapto de crianças, filicídios, assassinios, violências que nos fazem temer pelos filhos, e pelos netos, por nós também...
- E depois, aquelas pessoas não têm defesa nenhuma. Ai meu Deus, não sei como é que aquela mulher não morreu, a saltar da janela. Dá a impressão que não é pelo dinheiro. Essa gente vai esperar que a pessoa vá ao Banco no dia seguinte? As vivendas dos dois casais, lá em Óbidos, parece que estão bem fechadas, com os portões e os alarmes como deve ser, e os fulanos sabem ultrapassar isso tudo!
- Parece que é gente doutros países...
- Sim, com aquela história do “deixe entrar”, entrou muito bandido. Mas toda a gente que viu a abertura das fronteiras viu logo isso. E depois não os apanham.

domingo, 16 de agosto de 2009

Não é preciso jurar

A longa frase “Juro pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas” que os funcionários pronunciavam antes de assinarem o seu contrato de trabalho, foi chavão que continuamos a ouvir, aquando da eleição de um novo governo, a cada figura do elenco governativo, pronunciada compenetradamente, se não com íntima ironia, como já no tempo de Salazar se fazia, por serem palavras vazias, no seu ritual imposto. De facto, os sentimentos, se existem, não requerem longas tiradas retóricas para serem verdadeiros. E a maior parte de nós não acredita, infelizmente, na honra nem na lealdade, a não ser em função dos interesses de cada um.
Quando o Sr. Casimiro Rodrigues afirma “Lutarei – em tudo quanto interesse à Diáspora – por não dar tréguas aos meus pares da Assembleia da República, até que os seus direitos sejam implantados e respeitados” – o seu discurso chão não requer a confirmação com juramento pela honra e cumprimento leal, expressões da vacuidade e do cinismo protocolares.
São frases que tocam nos pontos-chave da acção futura: a luta sem tréguas, a realização dos interesses da Diáspora.
E nós acreditamos, não sorrimos interiormente, como na eleição dos governantes.
Porque são palavras de força, de um homem probo, que um dia assumiu uma atitude corajosamente nacionalista - a de levar o incentivo aos Portugueses patriotas espalhados pelo mundo, e a de recolher deles – até então intimidados, despercebidos ou menosprezados, por não comungarem nos novos ideais só aparentemente libertários e só aparentemente solidários – os testemunhos das suas vivências ou dos seus pareceres e lutas, desde o 25 de Abril de 74.
Nunca aqui em Portugal se vira um protector desses, com tal carisma de hombridade e patriotismo.
Por isso, ao ler o seu “Programa” de apoio à Diáspora e as suas propostas que apontam para a autenticidade e o conhecimento e experiência dos problemas odisseicos dos Emigrantes no Mundo, sentimos um verdadeiro respeito por alguém que assumiu corajosamente um papel que reputo “histórico”, porque de uma heroicidade a lembrar os fundadores da Nação Portuguesa e aqueles navegadores dessa pequena Nação que outrora desbravaram mares e terras sem grandes preocupações culturais, mas com um real amor pelo espaço físico da sua criação.
Por isso, apoio incondicionalmente este grande Homem, verdadeiramente amante da sua Pátria e, que, nesse sentido, tem estendido a mão solidária – jamais inferiorizada, mas irónica perante as críticas – a todos, como um pai experiente, conhecedor das tramas que se vão urdindo em torno.
O seu Programa é a voz de um defensor dos direitos dos Portugueses que, pelo Mundo fora, pela indiferença dos Governos nacionais, se têm rebelado ou afligido em vão.
Um grande abraço de parabéns ao Sr. Casimiro Rodrigues, pela sua coragem em assumir um papel de competidor, desejando-lhe, do coração, a Vitória.
Para bem da Nação Portuguesa.

sábado, 15 de agosto de 2009

“Fizeram um mau serviço? Vão para Bruxelas!”

Perguntou-me o que pensava sobre o Medina Carreira, mas o que ela desejava mesmo era dizer-me o que pensava, pois quando alvitrei, timidamente - Ele tem muitas razões, mas a forma de dialogação é bastante displicente... logo a minha amiga, depois do seu apoio - Sim, o jornalista merecia elogio, aceitou muito bem, sem se zangar, as opiniões agressivas, espero que os directores dele reconheçam isso , embalou num entusiástico louvor ao ilustre causídico que disse coisas que nos caem no goto.
- O que Medina Carreira diz é tudo verdade.
- Pois, mas a forma como o disse teve muito pouco nível. Lembro que disse: “qualquer pateta faz o mesmo”, “vocês contentam-se com qualquer coisa” “o problema não é esse...” , como se fosse o rei do mundo ou o detentor do saber, ou se estivesse em conversa exaltada de botequim.
- Mas também disse que os que vão para o governo não passam de pilha-galinhas antes, e saem todos ricos e bem governados depois. Além dos conluios que apontou entre Empresariado e Banca e Governo. E os empregos para os amigos e familiares dos governantes... E não é o que se tem visto?
- Isso é, mas ele também já foi governo, não sei se tem culpas no cartório, ou se está a lutar por o reconquistar.
- Não deve precisar, pois tem bastante obra, ao que parece.
- Mas esse facto devia torná-lo mais modesto, menos grosseiro nas afirmações, e não tratar quem o entrevista – neste caso o José Gomes Ferreira – com uma má-criação do estilo do nosso Jardim. Afinal, Jardins não nos faltam. O que nos falta é bem-estar, mesmo mediano. E a dívida ao Estrangeiro, cada vez mais catastrófica.
- E já viu como o Governo também faz de nós atrasados mentais? Vêm umas informações lá de fora – precisam de ser lá de fora para terem credibilidade – sobre a retoma e logo o PS embandeira em arco, em auto-elogio descarado, para os votos dos parolos. Quantas vezes já estivemos em retoma com este governo? E as fábricas continuam a fechar, e o desemprego a aumentar e nós a importar e a exportar menos e menos. Ele tem toda a razão.
- Ninguém nega isso. Mas acha que é uma pessoa como ele, tão “saracoteante” que merece a nossa confiança?
- E haverá alguém que a mereça? Saracoteantes são todos, a atacar-se uns aos outros, sem educação. Somos um país sem rumo e sem freio. E se derem más provas e tiverem que ser despedidos, logo melhores soluções se fabricam para as suas vidas. Fizeram um mau serviço? Vão para Bruxelas!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os melhores preparados são os que ficam/estão/são mais bem preparados

Ouvi, uma vez mais, pela televisão. Foi a respeito da gripe: “Temos que estar “melhor preparados” para a enfrentar”. Mas com tais incorrecções de linguagem, morremos todos de gripe, ou, pelo menos, gripados. É certo que ninguém se importa.

As formas melhor/pior são o comparativo dos adjectivos bom/mau, tal como dos advérbios bem/mal.

No tempo em que o ensino do francês era bem tolerado – mais bem tolerado – costumávamos explicar que os comparativos dos advérbios franceses bien/mal eram mieux/pis, sempre invariáveis, enquanto que os dos adjectivos bon/mauvais eram meilleur/pire, variáveis – un meilleur élève, une meilleure élève, de pires élèves.... Diferentemente, pois do caso português de homonimia - melhor/pior, comparativos sintéticos tanto dos adjectivos como dos advérbios, variáveis em número ou não, segundo os casos.

Dir-se-á, pois, “ter melhor / pior figura” como adjectivos, sendo incorrectas as formas mais boa / mais má – (fr. meilleur / pire); “isto vai melhor / pior”, advérbios, (sendo incorrectas as formas mais bem / mais mal – (fr. mieux/pis).
(Usar-se-á, todavia, as formas analíticas mais bom, mais mau em caso de expressão de duas qualidades do mesmo sujeito. Ex: “Xavier é mais mau do que grosseiro ”; “Micaela é mais boa do que eficiente”.)

Mas há na língua portuguesa uma forma verbal chamada particípio passado que tem uma construção especial no comparativo. Os advérbios bem e mal, precedendo os particípios passados, no caso, pois, do comparativo, empregam-se segundo a forma analítica mais bem / mais mal em vez da forma sintética melhor / pior. Igualmente, no superlativo analítico: o mais bem ( estimado...) / o mais mal (estimado...)
Alguns exemplos:
- “Folques. é mais bem / mais mal educado do que Guilherme.” – e não melhor / pior educado. No superlativo: o mais bem / o mais mal educado.
- “Aquele prédio está mais bem / mais mal construído do que o outro” – e não melhor / pior construído. Superlativo: o mais bem / o mais mal construído.
- “Aquele país parece agora mais bem / mais mal governado / regido/ defendido / protegido do que dantes” – e não melhor / pior governado, melhor / pior regido, melhor / pior defendido, melhor / pior protegido. Superlativo: o mais bem / o mais mal governado, defendido...
Outros exemplos de particípipos passados no comparativo e no superlativo relativo de superioridade, o advérbio anteposto ao particípio:

Mais bem / mais mal (do que); O mais bem / o mais mal

lido; escrito; desenhado; traduzido; justificado; argumentado; explicado; barbeado; esculpido; lavado; cozinhado; amado.......

Não se diga, pois: (o) melhor lido, escrito...

Poder-se-á usar a forma sintética (melhor / pior) todavia, em caso da sua posposição ao particípio:

Ex: O discurso foi aplaudido melhor do que se esperaria.

Mas o mais frequente será, na anteposição do advérbio ao particípio, como mais bem traduzido, o uso da forma analítica.
Se é que a correcção linguística ainda merece alguma atenção entre nós, após um falso Acordo Ortográfico da nossa subserviência ao Estrangeiro.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

“Eu acho que eles deviam pagar do bolso deles”

Li à minha amiga o comentário da minha filha ao texto sobre a entrevista a Santana e a Costa: “Haverá diferença entre as palavras e os actos de uns e os actos e as palavras de outros? Gosto mais de ti e da tua amiga”.
E logo a minha amiga, desembestada, sem me dar ocasião a repontar, no orgulho de quem se acha com o exclusivo dos saberes:
- Eu acho que eles deviam pagar do bolso deles. Não é que fosse o Santana! Todos fizeram despesas estúpidas, de país rico. Acho um escândalo, tão grande, tão grande, tão grande! Nunca se pôs a hipótese de alguém ser castigado. Fizeram tudo como se estivessem num país rico. É assessora p’ra isto, assessora p´r’àquilo! E os prédios lá ficaram, todos a cair, e as instalações eléctricas completamente perigosíssimas, naqueles prédios podres. Há muito prédio podre! É o Santo António que os protege. E depois há a outra parte rica. Metade, metade.
Timidamente lembrei as favelas do Rio, como termo de comparação, e informei que os da parte rica também se queixam, da falta de verde, da falta de limpeza, da poluição dos carros... Não quis ouvir.
- Gostaria de saber qual foi o melhor presidente da Câmara.
- Nuno Abecassis?
- Não sei se foi melhor mas trabalhou com menos mordomias. Eles são os primeiros a reconhecer que não prestam, eles dizem isso, essa é que é uma verdade. Deviam ter feito mais. Lisboa é de facto uma cidade original. Deixaram degradar. Eu, quando ia de autocarro, fartava-me de olhar para os prédios. Está tudo muito estragado. Uma cidade com o Tejo a seus pés!
Eu também costumava olhar, no tempo em que por lá andava, via o típico das ruelas, mas as roupas nas varandas sempre me envergonharam. Uma capital com tanta lavagem de roupa suja à mostra! Não achava graça.
E os Jardins de S. Pedro de Alcântara, onde levava os alunos para lerem as descrições de Lisboa n’ “Os Maias” sob esse ângulo! Tudo sujo das folhas caídas, mas tão belo! Tudo tão belo e tão em ruínas!
Mas as ruínas vão progredir, pois em alguma coisa merecemos ter progresso.
No fundo, todos damos razão a Medina Carreira quando refere que os governos aqui se processam numa alternância partidária de colocação dos familiares e amigos dos governantes. A maioria entrou pobre e saiu rica. E Medina Carreira apresenta números.
As nossas ruínas são para continuar.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Histórias das nossas vidas

Começámos por nos sentar fora, no passeio, com o toldo podendo proteger melhor do sol, se fosse um pouco inclinado. Mas, informado o dono, do pedido, logo se escusou com pormenores de estragos causados pelos que costumam entortá-lo.
Logo a minha amiga sempre donairosa e sempre pronta a comparar, segredou, mal o dono virou costas:
- Era preciso que o dono fosse espanhol! Ah! Virava com certeza!
Referi, em tentativa um tanto chauvinista, que em La Manga, onde um meu amigo fora passar umas cómodas férias, este ano já se sentira também a crise e o desleixo. Mas logo ela citou o caso de um paraíso espanhol vivido por uma sua amiga que esteve em Palma de Maiorca.
- É certo, que depois de sair de lá, houve terrorismo e mortes. Mas mesmo assim, eles são fantásticos, o turismo é levado a sério.
Afinal, o dono do café veio dar um jeito, para podermos estar de cabeça à sombra e comentámos sobre a indispensável grosseria prévia, que lhe põe a casa às moscas.
- Sim, quando aqui se vai a um sítio e se é bem atendido, é porque o empregado é brasileiro.
Eu não costumo generalizar assim, não só por amor ao nacional, mas porque a minha experiência turística e até mesmo das pastelarias é mais exígua.
Falámos, então, no caso dos emigrantes, e no que lera a respeito do consulado brasileiro, num texto do sr. Cipriano Rodrigues, que, muito frontalmente, escrevera sobre o usufruto dos cônsules, nos respectivos consulados, de mordomias e descurando os deveres para com a emigração. E logo a minha amiga:
- É como em África. Tudo o que é cônsul, é com casa, piscina, carro e chauffeur. Casa embora cercada de muros, não é como dantes, de jardins à vista.
- Caramba! Como sabe isso tudo?
- Conheço uma moça, que, depois de se separar do marido, foi mandada para Bruxelas. Uns anos lá, viagens, às tantas foi nomeada para Moçambique. Adorou Moçambique, a filha frequentava a Universidade. Mas vieram, a filha casou-se, teve um bebé, separou-se... Uma pena, pois faziam um casal giro. Deixou de estudar.
- É pena, tudo isso.
- Mas a mãe é pessoa para voltar para Bruxelas, talvez a filha assente.
Soube de quem se tratava. A avó, fora uma sua amiga que estivera em Moçambique, tivera dois filhos, um marido mulherengo que tudo fez para abandonar a mulher, roubando-lhe os filhos à traição, entregando-os aos avós, em férias que a mãe não pudera partilhar. Sem posses, ela não conseguira reaver os filhos, que foram educados no ódio pela mãe, por meio de mentiras forjadas pelo pai e a avó, junto dos filhos.
- Era assim a Justiça?
- A Justiça requer muito alimento, e a mãe, reduzida a um fio, num sofrimento inenarrável e sem posses, não pôde conquistar os seus direitos. Era isto nos anos cinquenta, perto da guerra de que se falava, e que o marido, entretanto separado, utilizara, como pretexto para defender os filhos, pondo-os a salvo dos terroristas e da pobre mãe. O marido tinha posses. Mas mais tarde voltara com os filhos para África, esquecido do terrorismo, a mulher ausente, conquistada outra vida, em sorte grande.
As palavras do horror e da indignação surgiram no meu comentário inútil.
- Acha que agora isso seria possível?
- Não sei, creio que não. Os direitos das mulheres estão mais protegidos, talvez. Mas outras monstruosidades se passam, ao nível familiar, de que não tínhamos ideia naquele tempo.
- Afinal, em todos os tempos o homem cometeu crimes e crimes, a começar no de Caim. O nosso Camilo começou a sua vida literária com um panfleto intragável mas que se tornou muito popular na época, de grande expansão sentimental, intitulado “Maria! Não me mates, que sou tua mãe”, sobre um matricídio da época. Agora até os temos com mais frequência.
- É. E temos frigoríficos para preservar os corpos.
- Às vezes os caixotes do lixo também servem. Há recém-nascidos que têm sido apanhados nos contentores do lixo. E às vezes estão vivos.
Decididamente, o sol que apanhámos na cabeça, antes do dono do café virar o toldo, actuou sobre o nosso estado de espírito, pois realmente até embirramos com histórias macabras. Mas as conversas são fáceis de encadear. Como as cerejas, de comer.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

“Regresso ao passado”

Ouvi isto ao nosso Engenheiro de estimação e logo pensei atordoada: “Onde é que eu já ouvi isto?”
Pois foi nem mais nem menos que ao nosso gladidor também de estimação António Costa aquando da luta na arena da SIC, com a mediadora Ana Lourenço, numa terça feira, 28, do passado mês - já lá vão, pois, quase quinze dias - com outro que fora o gladiador anterior, Santana Lopes, indiscutivelmente de menor estimação do que o actual.
O que é facto é que o gladiador Costa atacou com galhardia o gladiador Santana que ripostou sempre com o garbo que já lhe conhecemos, a impecabilidade linguística, a seriedade de quem não põe nunca em dúvida as suas intenções de bem cumprir, e o seu amor pela coisa pública.
Confesso que eu até estava com má vontade contra Santana Lopes, cujo discurso correcto e bem fornido de informações e de boas intenções, nos seus tempos edílicos dos últimos tempos e nos, anteriormente, ministeriais, também dos últimos tempos, costumava ser seguido de jeitos e trejeitos de alegre precipitação sobre o abismo, de tal modo eram estapafúrdias de fausto e vanidade tantas das suas directivas, no Governo ou na Câmara de Lisboa.
Mas quando o ouvi, seguro de si, dos dados que citou referentes a aspectos da sua vigência e dos seus conhecimentos de uma Lisboa que António Costa pôs em dúvida, perfidamente insistente na derrapagem financeira do débito deixado na Câmara de Lisboa, e que Costa controlou melhor, segundo se vangloriou, admirei o porte do velho Santana e o seu contra-ataque seguro, em auto-defesa, lembrando que, se Costa pagara as dívidas fora por meio de mais empréstimos que a ele, Costa, foram facultados, e a ele, Santana, tinham sido negados. Apenas, pois, mais um débito a longo prazo para cobrir a dívida e não criação de estruturas que pudessem financiar essas dívidas.
Muito disseram os dois contendores, na sua vã glória de mandar, resumida a críticas, acusações e auto-defesas, que revelaram o velho leão, Santana, ainda rugindo, contra um mais jovem, ambicioso e mais matreiro, mas perdendo, por vezes, a compostura, face à segurança do adversário, devolvendo as paradas sem se perturbar.
Mas a conclusão de Costa, sobre o “regresso ao passado” caso ganhe Santana, afinal, mostrou ser estribilho, destacado pelo partido, como leit-motiv catalisador da opinião pública, “ritournelle” com que o comandante Engenheiro pretende definir a alternativa ao PS – um PSD que não mostra trabalho a não ser atacando, sem se comprometer ainda com propostas governativas, aparentemente, pois, a pretender elevar-se no vácuo. O que não parece ser totalmente verdadeiro.
O PS, como Governo, pode, de facto mostrar obra feita, indiferente aos desaires desse seu Governo, e propor obra a fazer, escudado na sua experiência governativa, de marcha para um futuro, ao que diz, mais técnico e forjador de riqueza. A alternativa PSD/CDS não passará de um regresso ao passado – não sabemos se da ponte Salazar (em adaptação onomástica à nova ordem), se a um passado mais recente, apesar de tudo, de maior equilíbrio económico e social.
É que, neste trilho PS, tão insistentemente propalado como em função do futuro, os tais valores de uma educação real são lançados pelo cano, e irreais surgem os projectos de estruturas megalómanas que um país empenhado como o nosso dificilmente poderá comportar.
Mas é verão, o país está a arder como lhe compete, o futuro dirá onde reside a verdade. Se futuro existir.

domingo, 9 de agosto de 2009

“Até nos tira o ar só de ver”

Passou por nós com as vestes negras cobrindo quase até aos pés o corpo de uma amplidão desconforme. Vestes largas e longas e pretas como as das ciganas viúvas, talvez para não se ver a largura das pernas e o negro dos tornozelos, um dos quais envolto em ligadura, da má circulação ameaçando trombose, úlcera varicoza, flebite, coisas assim de nomes assustadores.
Encontramo-la no café, aos domingos, às vezes com o filho, mais disforme ainda que a mãe, em tamanho exigente de roupas desmesuradamente amplas que deve ser complicado obter. Parece não ter ainda trinta anos, a mãe com cinquenta e cinco, ouviu-a a minha amiga dizer. O marido, magro e de olhar triste, com ar de quem sofre, sem esperança, uma tão pesada carga.
A minha amiga chama sempre a minha atenção, quando os vê passar. E desabafa a sua revolta, num quase monólogo em catadupa de frases :
- “Porque é que estas pessoas não são ajudadas de alguma maneira? Porque prometeram que, quando ficassem em listas de espera seriam mandadas para a Europa! Até nos tira o ar só de ver. Isto é uma doença gravíssima. Se estas pessoas não são operadas é porque estão em listas de espera. É muito mais que obesidade. É gravíssimo. Eu não sei como ela se senta naquela cadeira, deve ter mais de duzentos quilos. O que é que pode acontecer a uma pessoa dessas? Porque é que não há alguém com dinheiro que mandasse fazer a operação?
Acabrunhada, acrescenta:
- O pior é que a pessoa faz a primeira operação que é para pôr a banda gástrica. Sobram quilos de pele para operar, operar, ir operando... Se a operação fosse só uma! Mas não é, infelizmente. Eles sofrem muito e não é porque comam muito, deve ser alguma disfunção metabólica. Deve ser por isso que andam por aqui e ninguém vê.
No meu caso, prefiro, de facto, não olhar. Por delicadeza, acho eu, com receio de que se sintam ofendidos, como bobos em exposição.
Mas o quase monólogo da minha amiga saiu assim, como explosão de revolta inútil, tomada a bica do nosso “carpe diem” da coscuvilhice, em fuga breve à digna missão doméstica.

sábado, 8 de agosto de 2009

“Então a minha amiga naturista?”

Já falei numa amiga minha que, em vez de se sujeitar à ablação de um peito, por conselho urgente dos médicos que a radiografaram, decidiu, movida pelo horror do desconhecido e pela impossibilidade material de “adoecer”, por ter alguém doente totalmente dela dependente, e aconselhada por uma grande amiga sua que já passara por idêntico trauma, e se restabelecera sem a ablação, mas por meios homeopáticos, também a conselho de alguém amigo, decidiu, pois, seguir o conselho da amiga que a conduziu ao seu médico naturista.
Este prometeu-lhe a cura. Tratamento caro, demorado, cujo principal medicamento de reconstituição dos tecidos, reside na cartilagem de tubarão.
A verdade é que o nódulo do tumor diminuiu dois milímetros no último mês, segundo consta no relatório da última mamografia.
Aquando das primeiras, a médica que as fazia, aconselhava-a, gravemente, a reconsiderar, receosa pela minha amiga, não estivesse ela a lançar-se num despenhadeiro sem retorno. Tinha sempre uma justificação para as aparentes melhoras - ou porque os exames provinham de sítios diferentes do primeiro, ou porque de facto o tumor ainda lá estava, embora ligeiramente reduzido... Não, nunca deu esperança no tratamento naturista, nem quis ouvir disso falar.
O que dava ânimo à minha amiga era a sua amiga que passara pela mesma odisseia e estava curada após cinco anos, e lhe contava que com ela o médico que lhe aconselhara a operação urgente lhe dizia as mesmas coisas, sem querer saber do milagre ou das mezinhas da aparente recuperação sem faca nem quimioterapia.
Desta vez, a médica da minha amiga, verificando a diminuição de dois milímetros, não fez recomendações.
- Só me perguntou se eu me sentia bem. Aí, não disse mais nada.
E acrescentou abatida:
- Quem não tiver uma pessoa a dar muito ânimo, desiste, depois de falar com os médicos. O que me vale é a minha amiga, que já passou por isto tudo. Contou-me ela que, para o fim, o médico dela – o verdadeiro, o da receita da operação – quando ela lhe mostrava as mamografias gradualmente mais “limpas”, já não fazia comentários. Mas de todas as vezes que ela lhe aparecia, com os resultados dos seus exames, só lhe perguntava pelo seu bem-estar, muito bonacheironamente irónico: “Então a minha amiga naturista?”
"E esta, hein?! "
Será que não há hipótese neste país de os médicos de ambas as medicinas – oficial e alternativa – poderem trabalhar conjuntamente para benefício dos seus doentes, com idêntica comparticipação dos Serviços Sociais? Serão tão superiores os médicos dos estudos superiores que desdenhem em absoluto os das medicinas mais populares, sem curiosidade nem complacência, nem, afinal, grande perspicácia, e, menos ainda, humanidade?
Mas, houvesse colaboracionismo inteligente entre os vários participantes da Saúde e o Estado, será que a Nação não lucraria em termos financeiros, de solidariedade e de valor humano?

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Como se eu tivesse culpa

Li um artigo de Jorge Miranda, professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa sobre “Mestrados em Inglês?”, no “Diário de Notícias” em 3 de Agosto. Protesta contra a proposta da União Europeia de tornar a língua inglesa como língua oficial dos mestrados de Bolonha, além de outras considerações que faz sobre os mestrados em si.
Também vi na Internet comentários pró e contra. Um dizia que porque não em “Xinês”?, e via-se que estava zangado, mas não há razão para zangas, quando se escreve assim em português, isto é, tanto lhe deve fazer, "ça lui est égal" como ao Meursault.
E a minha amiga :
- Ai, a língua vai ao ar! Troca-se tudo e não se leva a mal. E vai ser mais e mais e mais, e nós não temos a mínima força. Lá aparece um ou outro a defender...
Ainda por cima, ela diz as coisas sempre numa entoação extremamente vigorosa, que me deixa caída e com peso na consciência. Como se eu tivesse culpa. E como, por vezes, no momento, estou a levar a bica à boca, lá me cai um pingo com o sobressalto. Tento justificar:
- Que o Inglês é uma língua poderosa, isso é mais que sabido, basta-lhe a língua e o porte e o mundo que os Ingleses construíram, pelo mundo fora, para lhes dar direito à universalidade linguística.
Como me estava a correr bem o discurso, continuei com digno saber:
- Ainda bem que os Chineses não se lembraram – ainda! – de impor a sua, que parece que é a língua mais difundida. Mas eles são pacatos, até ver, diz-se, sem o que, lá teríamos nós que aprender a desenhar, da direita para a esquerda, os seus logogramas, no caso da escrita.
- E no caso da fala , nem se fala, se tivéssemos que o aprender. Então é que era o caos.
- Pois, mas antigamente foi o Latim, foi um ver se te avias de estudiosos do Latim e de línguas que se forjaram a partir do Latium onde aportou o troiano Eneias, depois de despedaçar o coração da rendida e depressiva Dido.
- Nunca ouvi falar.
- Hei-de trazer-lhe a “Cantata de Dido” de Correia Garção. Foi a fundadora de Cartago, que se apaixonou por Eneias, e se suicidou quando ele se fez à vela direito ao Lácio. Vem na “Eneida”. Acaba assim, a cantata, muito bonita: “...Dido infelice / Assaz viveu; / D’alta Cartago / O muro ergueu. / Agora, nua, / Já de Caronte, / A sombra sua / Na barca feia / De Flegetonte / A negra veia / Sulcando vai.” Eu costumava dar isto em literatura portuguesa dantes, e tentava que os alunos descobrissem o fio condutor do discurso labiríntico por ser alatinado: (“Agora, a sua sombra nua já vai sulcando a negra veia de Flegetonte na barca feia de Caronte”). É muito giro.
- Realmente! Temos tanta coisa bela que queremos enterrar!
Continuo, embalada, a minha lição, mas a minha amiga acha-se com direito à retribuição das suas e não se importa:
- O latim foi permanecendo entre o clero e os eruditos, que não se davam mal nem protestavam, pois falavam entre eles e compunham obras de grande calibre, que enchem as bibliotecas dos conventos para os estudiosos modernos, se não para as moscas e a traça. Mas o latim esmoreceu e até mesmo a Igreja o sacrificou nos actos litúrgicos da missa.
- Sim, bem me lembro! Deve ter sido pelos anos sessenta. Falou-se muito nisso, na altura. A missa agora tem menos solenidade, acho eu.
- Eu também! Perdeu o secretismo do sagrado. Mas o efeito é o mesmo.
A minha amiga não se conforma:
- Agora é o Inglês! Mas ainda não para a missa.
- Não. Fala-se nos mestrados segundo Bolonha, em Inglês, e até já há adeptos da uniformidade no Parlamento Europeu.
- E nem avisam, nem consultam os outros povos da União, ao que consta!
- Ah! Mas nós, não tarda, estamos lá caídos! Já cá temos o Acordo! Porque não o Inglês nas nossas Universidades? Mesmo no ensino do Português e seus escritores, porque não os havemos de fazer em Inglês? Para estrangeiros também, que somos muito tímidos.
- Pois é! A nossa língua vai mesmo ao ar!
- O que eu não entendo é o pedantismo disto tudo. Se nem o português aprendemos convenientemente, como temos a pretensão de aprender um inglês capaz?
- Também pouco importa. Isto está por pouco, que o que nós não aprendemos é nada.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Victor Espadinha

Falou-se do caso Moniz. A minha amiga tem pena de que ele tenha sido despachado da TVI, embora reconheça que os milhões da indemnização compensam. Mas estranha, agoniada:
- Porquê tanto dinheiro? Não é jogo de futebol!
Ela tem a mania de atribuir todas as jogadas financeiras ao futebol, mas está provado que não são todas.
- Qual foi a principal força que o fez sair, não sei. O que é certo é que ficaram todos com pena.
- Como é que sabe que ficaram com pena?
- Pelos elogios que lhe fizeram.
- Ah! não vi. Costumamos ver o telejornal no canal 1. O José Alberto Carvalho, o José Rodrigues dos Santos...
- Sim, são bons jornalistas. Mas porque é que o Rodrigues dos Santos, quando acaba o Jornal, pisca o olho? Nossa!
- É verdade!
- Ri-me. Acrescento:
- Pensando bem, não há, de facto, motivo. A menos que seja um código especial, para um qualquer detective que o ajuda a desfazer, à distância, os nós das meadas que se vão urdindo no nosso dia-a-dia... Até podem servir de matéria para novos livros.
- Não sei se sou eu que já estou passada. Mas embirro com a piscadela. Mas a camaradagem na TVI é fabulosa. Todos a colaborarem, deve ser uma raridade, tal ambiente de trabalho, não tem nada a ver com os outros.
- Nem com a SIC? Também cantam e dançam e dão prémios.
- Mas são todos mais formais. Na TVI reina a simpatia e a alegria.
Por isso a minha amiga ficou contente com os milhões que o Moniz recebe, embora estranhasse. Pôs-se o problema da esposa, a Moura Guedes. Parece que não sai, não seria justo, foi o Moniz que disse, na entrevista, segundo a minha amiga, a menos que mais milhões cobrissem a saída.
Eu nisto, só admiro a sua competência de leitura, que me passa ao lado sempre. Prefiro ouvir por transmissão oral, mas reconheço que é insuficiente. A cultura moderna exige maior empenhamento sobre as vidas célebres de hoje.
Falámos também dos actores. Do Herman, que a minha amiga admira, e eu também, embora com ressalvas:
- Fala bem, conhece línguas, tem uma belíssima voz, sentido de humor, é um grande, grande actor. Mas a SIC prejudicou-o, com os papéis miseráveis que distribuiu pela sua equipa.
E logo refere os companheiros que o deixaram, Ana Bola, Maria Vieira, Joaquim Monchique e mesmo Maria Rueff...
Contraponho:
- A SIC não fez mais do que explorar as tendências para a desvergonha que o caracterizam. Mas foi, realmente, bom, em tantos papéis e figuras dos velhos tempos! Creio que lhe devemos muito. Mas agora reduziram-no a papéis apagados e a horas mortas.
Ambas lamentamos com o coitado! da nossa ternura lusa.
A minha amiga falou no Monchique, grande actor que está noBrasil.
E ambas nos debruçámos sobre o Victor Espadinha, que achamos o máximo, um extraordinário actor.
- Mas em Portugal não vão longe, pá! Não vão longe!
É a minha amiga exaltada, dolorida, como sempre agoniada com o país e as gentes que temos :
- É do melhor que há! Mas já ouviu alguém dizer que Victor Espadinha é do melhor que há?
Nunca ouvi, a não ser a nós próprias, quando falávamos sobre tantos belos actores cómicos dos “Malucos do Riso”, lamentando que só postumamente, talvez, tenham a chance de ser reconhecidos. Embora fiquem na Internet, com um ou outro comentário sentimental, dos que recordam e lamentam a morte.
E entre eles, vivo ainda, mas tão pouco visível, o maior de todos: Victor Espadinha e a sua canção imorredoira, entre outras, no seu tom de voz grave, que escuto pela Internet: “Tudo são Recordações” ou “Recordar é Viver”.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

“Gabo”, ou a importância de se chamar Severo (Earnest, no original)

José Saramago gabou, numa crónica do seu “O caderno de Saramago” do Diário de Notícias de 3 de Agosto. Gabou Gabriel García Marquez.
Mas só depois de dividir os escritores em dois grupos, de dimensão diferente, ressalvando, embora, a hipotética repulsa destes em se deixarem dividir assim. Foi o primeiro, o dos que rasgaram caminhos à literatura, os da dimensão menor; o segundo, o dos que viajam no rasto daqueles, que são, naturalmente, da dimensão maior.
Estou convicta de que Saramago, ao considerar Garcia Marquez, dos pontífices do rasgão, que o traumatizou aquando da leitura dos “Cem Anos de Solidão” – e penso que, não só lhe causou trauma como lhe serviu de um dos seus modelos – não deixa de pretender que o situemos no grupo dos que também rasgou caminhos à literatura, mesmo com modelos respigados aqui e além. Como afirmou Mallarmé, segundo citação de Laurent Jenny, no estudo “Estratégia da Forma” contido em “POÉTIQUE – INTERTEXTUALIDADES” (Liv. Almedina): “Mais ou menos todos os livros contêm, medida, a fusão de qualquer repetição”.
É por isso que eu acho a tese de Saramago de estremadela dos escritores – os que rasgam o caminho e os que vão no trilho – pouco convincente. Porque teria que excluir uma quantidade dos que até aqui achei génios e passariam a não ser, porque usaram o trilho. Tal foi, no nosso caso português, Camões, e Eça e Pessoa e não me importo de considerar Gil Vicente no grupo. E se eles seguiram trilhos!
A Agustina, quando fez a "Sibila", foi outro deslumbramento de realismo e magia, nem sei mesmo se o Garcia Marques a não teria lido para a sua "Solidão", seguindo-lhe um pouco o rasto.
E depois, há tanta gente que nos deslumbra, desses que escrevem! oh! a querida Agatha Christie! E os dramaturgos franceses do século XX, relidos e amados os dos séculos anteriores! Como eles criaram coisas originais, a partir de modelos. A “Antígona” do Anouilh, é diferente da do Sófocles, mas tão plena de encanto! E bem assim “La Guerre de Troie n’aura pas lieu”, de Giraudoux, como é expressiva de conceito! Oh! a Simone de Beauvoir!
Não pretendo alargar-me em exemplos, bem conhecidos de Saramago, e, certamente, em maior quantidade e qualidade do que aquela que poderei citar. Só quero observar que achei o seu texto pedante, de uma arrogância imprópria de um prémio Nobel. Porque um prémio Nobel deve saber dos condicionalismos que presidem à própria escolha para o ser.
E trazer para a arena de um julgamento os motivos de análise que presidem aos partidarismos usados em relvados de futebol, é usar de um critério extremista pouco sensato, que não gabo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

“A César...”

Sucedeu ontem, pelo telefone, o erro de informação da minha amiga:
- Olhe lá, então que me diz da sentença? Foi ilibado, ao que parece.
Tratava-se do Isaltino.
- Ai é?! Mas a sentença ainda não foi decretada, pelo menos segundo a Têvê! – digo eu, embora pouco confiante na minha ciência audio-visual.
E logo a minha amiga informou que lhe parecera ouvir isso pela rádio, quando regressava de carro, de conversa com outra amiga. Acrescentou:
- Tenho a impressão de que aquela quantidade de crimes são inventados. E venham mais presidentes de Câmara para serem julgados! Este quase descompôs o Ministério Público. E os seus apoiantes a gozarem à brava.
- Sim! -
concordei - Estava tudo sorridente. Mas talvez fosse para não darem a entender que se sentiam comprometidos. Ou então para melhor o adularem, que ele tem poder, parece que isso foi demonstrado.
- Eu digo uma coisa: se é verdade o que ele diz, que nada daquilo de que foi acusado ficou provado, como também no caso da Felgueiras, eu acho que o juiz é que vai preso, ele vai meter o juiz na cadeia,
afirmou a minha implacável amiga no seu jeito altamente dramatizante.
- Realmente! Mas não é caso único, já vai sendo um hábito! Há tantas histórias dos Presidentes das Câmaras, para falar só desses! Porque devíamos incluir também os Valentins e os Pintos dos futebóis, e os da Banca e das empresas como a Freeport, e os Azevedos que fogem para Londres e outros sítios... Não nos faltam bons elementos de justiçados injustamente. Pobrezinhos como somos, o que temos de maior riqueza, ainda são os casos de Justiça dos indevidamente acusados, porque não se provou nada, como no caso Isaltino. Fora as pedofilias, que passaram à história. E os que ainda não foram detectados, por ignorância ou por tabu. Que há sempre receios nisto.
Mas pouco depois, a minha amiga voltou a telefonar, como sempre incapaz de persistir no erro, após a descoberta da verdade:
- Afinal, tinha razão, a sentença ainda não estava dada, sempre foi condenado.
E exaltou a coragem da Juíza. Também aprovei, que condenar a sete anos de cadeia, sem poder concorrer à Câmara, uma pessoa rica e com poder, não é para todos os juízes.
Todavia, ele vai concorrer na mesma à Câmara, já que pode. A Constituição parece que permite, pois indo ele recorrer da sentença, é considerado inocente atè à nova sentença, que chega habitualmente tarde.
E vai concorrer, primeiro, porque são coisas díspares: “À Justiça, o que é da Justiça, à Política o que é da Política”. Foi ele mesmo que o declarou. Segundo, porque obedece desse modo aos Oeirenses que o conhecem e o amam, na sua obra, acrescentou gravemente. Acho que também afirmou, não sei se em terceiro lugar, que se sentia inocente e motivado e isso é muito positivo.
- E não tenha dúvidas de que vai ganhar a Câmara de Oeiras – considera a minha experiente amiga.
Não tenho dúvidas, não tenho. Que “o povo é sereno”, já dizia o nosso antigo Primeiro Ministro, Pinheiro de Azevedo, que Deus tenha em seu eterno descanso.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Para arredar o desastre

Falámos no Sócrates.
-Vai ver que ele ainda vai ganhar.
Sou eu que comento, mais para arredar o desastre, embora não acredite na recuperação que os outros prometem, com as medidas que ainda não prometeram e mesmo que tivessem prometido também não daria para acreditar.
- Não, não é possível! Não acredito que votem nele! - diz. a minha amiga assustada.
- Mas está à frente nas sondagens!
- Mas com o aumento dos impostos, com a recessão... Olhe o Algarve! Os restaurantes que eu sei, do Algarve, vão fechar, não conseguem suportar as rendas. O que acontece? Os empregados ficam sem emprego, mais desemprego aí vem.
- Mas nem todos fecham!
- Claro! Não vamos falar daqueles sítios riquíssimos, lindos, belíssimos...
Só me penaliza que ninguém se aperceba deste tom publicitário tão empolado da minha amiga, que, fosse ela outra Marisa ou outro Ronaldo, mas ainda com mais qualidade dramática, lhe poderia valer um bom cachet. Continua, indiferente ao comentário:
-Há coisas maravilhosas no Algarve. Mas já estão a dizer que vai baixar muito o turismo, ainda há dias ouvi. Agora vamos ver p’r’ó ano, - conclui, esmorecida.
Fã do seu Algarve, durante muitos anos a minha amiga falara, com muita raiva, da auto-estrada para lá, que Cavaco Silva, que é de lá, nunca quis acabar, não se sabe se por modéstia, como aquela a que Salazar nos habituou, para não dizerem que estava a puxar a brasa à sua sardinha, ou da sua terra, sem se lembrar que a sardinha algarvia tem brasa que chegue, e só, de facto, precisava de uma auto-estrada completa por via do turismo que iria comer a sardinha sem perder tanto tempo, como poderia suceder agora, não fosse esta crise danada.
- Os Ingleses e os Americanos eram os grandes turistas. Mas a crise é mundial. Aí o Sócrates não está a exagerar. O milionário que vinha já não pode vir, não dá. Vive na América muito bem, com piscina, não vem cá, porque havia de vir, se também tem crise que chegue?
- Pois é, coitados! Ainda para mais com os incêndios, não há água que chegue para as piscinas agora.
Felizmente, para nosso governo, já se completou o troço da auto-estrada que faltava para o Algarve. Assim o nosso Presidente da República pode ir ler mais depressa os dossiers com a documentação relativa à legislação que tão bem nos legisla, e sem a qual não teríamos chance. Enchem um jeep, foi ele que disse.
Decididamente as conversas são como as cerejas.

domingo, 2 de agosto de 2009

“Está a fazer pouco do pai e da mãe”

O discurso foi quase todo da minha amiga, nem quase me deu tempo a recalcitrar. Porque tentei defender o nosso Sócrates, considerando que ele deve ter sido uma criança educada na poupança e desejosa, já adulto e Primeiro Ministro, de difundir os valores dela, habituando os meninos que ele quer que nasçam, logo que nasçam, a valorizar o tostãozinho, agora cêntimo, que, quando tiverem dezóito anos, com os juros em cima, já deve dar para a casa, se não tirarem o curso como ele também deseja.
Mas ela não quis ouvir, completamente vencida pela cólera:
- Duzentos euros? Um fulano que diz isto devia ir preso. Está a fazer pouco do pai e da mãe. Fico parva! Não acredito que o Sócrates seja analfabruto!
- Pode crer que não é! –
tentei furar o bloco iracundo, com os dizeres da minha compreensão camarada e avessa a discussões. – Não deve dizer essas coisas do nosso Primeiro Ministro! Afinal, os outros Primeiros nunca se interessaram pelo problema.
Não quis saber:
- Como é possível tal proposta, que, para mais não passa de promessa! Os espanhóis dão 2500 euros.
- Ah! Mas esses até podem pagar mais, que são mais abastados!
- Pois! Ele julga que os 200 euros, que vai buscar ao bolso dos contribuintes, são um estímulo para que a família e os amigos vão ajudando e depositando na conta-poupança do bebé que nasce agora, com os duzentos euros da generosidade ministerial. Quando chegar aos dezóito anos está rico. É o que ele quer dizer aos futuros pais: “Façam favor de terem filhos, que aos dezóito anos eles terão um pé de meia.” Eu nem quero acreditar no que estou a ver!
- Mas olhe que a esmola é um estímulo para o aumento da natalidade.
- Qual quê! Os Portugueses não podem ter filhos, a maior parte não pode.
- Só o povo, coitado.
- Já não. Têm um e depois aprendem que não há razão para ter. Ninguém já tem condições, o Governo não dá condições.
Concordei:
- É. Os pais a trabalhar, os infantários caros, os subsídios insuficientes, a vida é complicada.
- Ontem assisti na TVI a entrevistas de famílias com muitos filhos. Uma delas foi porque teve trigémeos, a acrescentar ao filho que já tinham. Queixaram-se. Os dois a trabalhar, são vidas quase heróicas.
Contraponho, convicta:
- Heróicas.
- A senhora dos trigémeos disse mesmo que este país não serve para as portuguesas terem filhos, não é país para se ter filhos. Eles não tiveram ajuda nenhuma, nem sequer para pagar as vacinas, por não serem funcionários do Estado. É um país de velhos. A menos que os emigrantes dêem uma ajuda.
- O pior é que a emigração, que contaria para o progresso, não vai querer educar os filhos cá, com o ensino como está!

sábado, 1 de agosto de 2009

A haplologia na deficiência vocabular da nossa competitividade deficiente

Trata-se de um palavrão elegante, este da haplologia, de origem grega, vocábulo que também poderia ter sofrido o fenómeno fonético de síncope silábica (haplogia), por simplificação, que o seu significado traduz, e só tal não aconteceu por ser de origem erudita, pouco conhecido e menos usado.
Outros termos, mais gastos pelo uso, de duas sílabas contíguas semelhantes ou iguais, suprimiram a primeira das sílabas, exemplo do adjectivo saudoso, que, formado a partir de saudade, deveria dar em saudadoso, tais como bondadoso, maldadoso, piedadoso. Da mesma forma idololatria convergiu em idolatria, mineralologia em mineralogia, formicicida em formicida.
São fenómenos fonéticos provenientes do uso corrente, que justificam outros casos de elisões que todos praticamos: (“inda” por "ainda", “bora” por “embora” , etc.), obedecendo ao princípio muito humano da lei do menor esforço, que está na origem de tantos fenómenos de adulteração dos sons das palavras, propiciando a sua evolução, para só nos determos na prática da língua, desprezando outras práticas redutoras do esforço, que, com boa vontade, até podem conduzir à estagnação.
É este fenómeno de haplologia que justifica, certamente, a redução da “competitividade” a “competividade”, pronunciada por gente de formação superior, que nos bombardeia sem tréguas com a supressão de uma das sílabas -ti- indiferentes à maculação da língua, na sua ânsia, talvez, de expandir o fenómeno em causa - a competitividade com os países estrangeiros.
No caso de saudoso, bondoso, etc, são os substantivos - saudade, bondade, piedade, maldade - que estão na origem dos adjectivos, a que se acrescentou o sufixo -oso. No exemplo citado acima é do adjectivo competitivo que se formou o substantivo com a junção do sufixo -(i)dade.
Temos assim que, de competitivo + (i)dade se formou competitividade, e não há estômago que se não contraia de asco, pela repetida supressão de uma das sílabas repetidas, na pressa inútil, talvez, de atropelar verdades e iludir os crédulos.
Se não sabemos sequer utilizar os termos com que pretendemos enriquecer o nosso país na área económica, como podemos, de facto, incrementar os esquemas ideológicos que poderiam tornar mais real a nossa competitividade?