sexta-feira, 31 de julho de 2009

“Olha lá os reis”

- Olha lá os reis, que estão a ser recebidos sabe por quem?
Não sabia.
- Então não viu o noticiário?
Não tinha visto, confirmei tristemente, com o peso na consciência. Desculpei-me:
- A essa hora dá o “Allô, allô” e logo a seguir o “Sherlock Holmes”, não posso prescindir.
- Mas já deram tanta vez!
- O que é bom nunca cansa. De resto, é mais uma necessidade de evasão das brutalidades da vida que me faz perder, às vezes os noticiários. Mas eles vão repetir
.
Estávamos a falar do aumento de inscrições na disciplina de espanhol em substituição do francês, nas escolas e logo a minha amiga considerou que não tarda aí a integração do nosso Portugal na Espanha.
Estrebuchei de raiva, incapaz de assumir tal perspectiva. Continuou, indiferente ao meu estrebuchar:
- Então não sabe? Recebidos na Madeira, por aquele doido do Jardim. Ele tem que se portar bem à mesa, tem que ter cuidado!
- Ah! Os Reis de Espanha já estão habituados às parolices, mesmo em espanhol. O Rei Juan Carlos até mandou calar o Hugo Chaves, cheio de razões para isso. À Madeira vai só de visita, e o Alberto João sabe com quem lida. Servilismos são connosco e o Jardim não foge à regra, se lhe convier.
- É verdade, mas eu acho que é o doido que ainda faz obra!
- Mas foi ele a recebê-los?
- Não, o Cavaco foi lá à Madeira, com a esposa, prestar vassalagem. Não vi o Jardim. Mas ele deve ir a qualquer repasto de gala.
- Esperemos, então, que se porte à altura e que não trate desta vez o Presidente por Sr. Silva.
Vivemos num país em franca erosão, é certo, mas não se pode admitir tudo, mesmo ao Jardim, que, embora rei na sua quinta, não lhe dá isso o direito de desconsiderar o Presidente do seu país da maneira como o faz.
A propósito disso, porque me parece que ambos o amam, já que pertencem à velha guarda que respeitava o solo pátrio, vou contar uma fábula de La Fontaine sobre a necessidade de sermos todos solidários, para salvaguardarmos a nossa independência e as nossas vidas, embora em diferentes escalões:
É a história de um burro que levava o dono no dorso, ao mercado, acompanhados do cão. O dono adormeceu e o burro não esperou mais: pôs-se a roer os cardos à volta, até ficar de papo cheio. O cão pediu então: - “Baixa-te um pouco para eu poder comer do pão do cesto.” – “Estás maluco, respondeu o burro. “Espera que o nosso amo acorde primeiro”. O cão, esfomeado, submeteu-se, não estando em condições de competir, por ser baixo. Nisto, um lobo aparece ao longe. –“Amigo, pede o burro apavorado, defende-nos do lobo.” – “Ná, agora não posso, que estou debilitado. Espera que o nosso amo acorde primeiro. Podes sempre ferrar um par de coices no lobo.” Mas o lobo foi-se ao burro que nem sequer teve tempo para tugir, quanto mais para escoucear! E o lobo o levou na goela, que estava também a precisar de retemperar as forças da sobrevivência.
Tinha razão o cão. A solidariedade é imprescindível, nesta coisa da sobrevivência, na luta contra o inimigo. Se o burro que leva o dono quer tudo para si e trata com cinismo o cão, chegada a ocasião quem fica cínico é o cão, como aliás lhe compete por etimologia.
E lá vai tudo por água abaixo, a ponto de nos perguntarmos, por o desconhecermos, preocupados com mais este alerta integracionista que várias vezes tenho escutado à minha amiga e que faz parte de uma corrente antiga de iberismo salvador: “Que mais nos irá acontecer? Será que vamos parar à boca do lobo?”

“Parece que lhe prometeram”

Desta vez éramos três à mesa do café quando a minha amiga chamou a atenção para a pessoa que ia a passar.
- Parece que ainda não tem trinta anos. Foi há dias à televisão. Não ouvi tudo, mas parece que está há muito tempo à espera da banda gástrica.
Era um rapaz enorme, descomunalmente largo e redondo, mas, pelo andar, parecia ágil.
- Coitado! Parece que há muita gente como ele, em lista de espera da banda gástrica. Porque parece que há muitos casos no país, assim gordos, ou quase tanto. Não sei o que se passa com a banda gástrica, está no limbo dos pareceres.
- Parece que a operação é cara.
Tento demonstrar simpatia, aliás, sincera. Mas sou distraída, a minha amiga é que conhece os casos.
- Esta gente sofre muito. E não arranja emprego em lado nenhum. Este parece que foi chamado para uma entrevista, mas quando lá chegou, assustaram-se e mandaram-no deixar o contacto, para telefonema posterior.
- Como fazem com os magros, aliás. A crise é geral e parece que vai aumentar, na questão dos empregos.
- Lá na minha rua há um mocinho brasileiro, quase como este. É muito infeliz, muito, muito.
Agora foi o terceiro interlocutor que falou. Como homem, mostrou-se incisivo, parece que ainda ressabiado com os traumas da infância:
- Às vezes são as mães as responsáveis pelo excesso de peso em adultos, com as papas ou o excesso de comida que dão aos filhos, em crianças.
- É preciso cuidado com a alimentação infantil – a minha amiga a falar, doutoral. – O corpo do bebé alarga demais, se é habituado a muita comida, e depois torna-se menos fácil encolher, até porque embalado no hábito, e assim se chega à obesidade.
- Parece que pode conduzir ao estado desesperante de bulimia, que é uma doença bem grave.
Neste momento fui eu que falei.
O nosso interlocutor ressabiado também não ficou atrás nos detalhes:
- Também a anorexia, que é o seu oposto, é grave. E os apresentadores da moda têm a sua quota parte de responsabilidade na doença, que mata.
- E bem, diz a minha amiga. Como é possível tal estado de alienação?
- Parece que há umas cápsulas para se emagrecer,
suspiro eu, esperando informação.
- Ora, ponha-se a andar e coma menos doçuras, e verá o resultado.
Fico sentida, que sou pessoa sensível. Parece-me, aliás, uma grande crueldade, esta das pessoas elegantes que vão tendo tempo para os passeios no paredão até Cascais e que sabem sacrificar a glutonaria aos seus ideais de beleza, para poder mandar bitaques.
Mas parece que não é esse o caso dos da banda gástrica. É mais meu.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

“Vão haver acórdos, dissestes bem”

Três erros, um talvez menos grave do que os outros, mas todos ferindo um qualquer ponto sensível da nossa alma. Com raiva. Porque são constantes, os media utilizam, as pessoas repetem a cada passo, brinca-se na revista com os dislates de cariz popular ajavardantes, e os erros gramaticais vão-se insinuando cada vez mais fundo na língua, a ponto de pessoas com responsabilidade intelectual os utilizarem.
Perdoa-se facilmente o calão, é até “porreiro” e muito “bem” usá-lo, mas certos erros de acentuação ou de morfologia dão imediatamente a noção de deficiente estudo gramatical na escola, de falta de leitura, da permissividade ao erro como estratégia pedagógica.
É o caso do plural “acordos” cuja sílaba tónica tenho ouvido tantas vezes com o aberto. De facto, há em português inúmeras palavras que alteram no plural o timbre da vogal tónica, caso de “ôsso”/“óssos”, “sôgro”/“sógros”, “jogo”/“jógos”. A esse fenómeno fonético se chama “metafonia”, e, para amenizar a leitura destas notas, lembro António Gedeão, e a primeira estrofe da sua “Impressão Digital”, expressiva do conceito de relatividade próprio da diversidade humana: “Os meus olhos são uns olhos. / E é com esses olhos uns / Que eu vejo no mundo escolhos / onde outros com outros olhos / Não vêem escolhos nenhuns.” No exemplo citado, a sílaba tónica do plural das palavras olho e escolho, pronuncia-se com o aberto.
O mesmo não acontece com o plural de acordo, piolho, bolo, namoro, piloto, estojo, etc. Há imensos exemplos de excepção à regra da metafonia, como se pode ver, por exemplo, na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (“Nova Gramática do Português Contemporâneo”). Mas enquanto ninguém pensa em abrir o o tónico no plural de repolho, de lobo, de estojo, mais os outros exemplos citados, com o danado do “acordo” até advogados lhe abrem o o tónico no plural: acórdos. Não é. É acôrdos, acôrdos, acôrdos, irra! acôrdos!
Os outros casos são constantes, ainda hoje ouvi na TVI o “vão haver” da nossa melancolia. Porque haver, significando existir, é um verbo impessoal, tal como nevar, chover, saraivar que ninguém pensa em conjugar nas várias pessoas, a não ser por metáfora: “vai haver”, “houve”, “haverá”, “há”, haja”, houvesse, “houver” ... ocasiões, factos, dias, tempestades, o que for, que esteja no plural, que serve de complemento directo e não de sujeito. É um verbo sem pessoa, sem sujeito, fica sempre no singular, como o il y a francês, il pleut, il tonne... É indigno esse erro!
Bem assim a segunda pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo, que nunca leva s, ao contrário dos outros tempos verbais, com o s de proveniência latina: tu comes, tu estavas, tu dirás, queiras tu se puderes.... Resulta de um tempo latino do sistema do perfeito que não leva s na segunda pessoa do singular: fecisti > fizeste; fuisti > foste; dedisti>deste; amavisti> amaste.
E já agora: Na segunda pessoa do plural do mesmo pretérito perfeito, ao contrário de outros tempos verbais em “eis” - fazeis (vós), fazíeis, fizéreis, fareis, faríeis, fizésseis não é - steis - (vós) amásteis, fizesteis, comesteis, dançasteis, etc, mas (vós) amastes, fizestes, partistes, fostes, comestes, dançastes ... na segunda pessoa do plural, de sujeito vós (Latim amavistis, fecistis, fuistis...)
Como é possível que não se insista em combater estes erros e tantos outros no ensino básico?
A língua é algo de precioso que deveríamos cultivar com amor e não a acanalhar como fazemos constantemente. Merece o nosso respeito, segundo os acordos com o fechado que devíamos aprender todos, tal como bebemos o leite materno da infância. Mesmo que os vamos adaptando aos acordos linguísticos próprios da evolução das línguas, ou dos interesses políticos, que, todavia, deverão preservar o bom senso e o bom gosto em função de valores como a decência. Se é que esta ainda conta.

terça-feira, 28 de julho de 2009

“Não se trata propriamente de uma marafona!”

- “Não se trata propriamente de uma marafona!”
- “Hein? Marafona?”
A minha amiga devia estar a seguir qualquer dos seus pensamentos exaltados, nem deu grande importância ao que disse.
O assunto era sobre as nossas mulheres mediáticas, tirando as antigas: a advogada – Elisabete Chaves - que mereceu prisão pelas ilegalidades que praticou a legalizar estrangeiros, com casamentos fictícios à mistura e falsificação de documentos, etc, a Fátima Felgueiras, velha conhecida, que foi acusada por burlas diversas no seu mandato em Felgueiras, mas que lá se vai safando, a escritora Carolina Salgado que não tem comparecido em Tribunal devido ao estado de saúde que a inibe, embora o seu advogado afirme que no próximo julgamento tudo indica que sim, que já irá, excepto se o seu estado de saúde sofrer algum agravamento, Isabel Sanfona, a advogada que tão bem defendeu o BP das muitas acusações que foram feitas sobre a incompetência do seu governador VC a respeito das burlas do BPN e outros bancos, e agora, por pura questão de rima com Sanfona, a que mereceu a frase descontextualizada e surpreendente da minha amiga: Joana Amaral Dias do BE, que Louçã diz que Sócrates arrebanhou para as suas listas – dele Sócrates – o que muito irritou o nosso PM, que até negou tudo e tristemente condenou a acção: “É muito feio atribuir falsas acções e falsas intenções aos dirigentes de outros partidos, só para angariar votos para o seu, denegrindo aqueles”.
Quanto à questão da “marafona”, por causa da rima com Sanfona, eu logo concordei e acrescentei que a Sanfona também não era. Duas bonitas jovens mulheres que estão a fazer boa carreira política, a Amaral Dias até foi apoiante de Mário Soares nas presidenciais, nem se percebe porque é que Francisco Louçã se abespinhou tanto ao transmitir a informação sobre o convite de Sócrates, ou dos responsáveis do seu partido pelas listas, para as suas listas, da jovem tão séria e bonita que Sócrates ainda por cima diz que não vê há mais de dois anos.
Tecemos argumentos – a roca, o fuso e o tear desaparecidos das nossas práticas femininas, ficaram os argumentos entre outras práticas de tecer – sobre as falsidades que se urdem nestas coisas políticas e lamentámos que se vexassem as nossas jovens que demonstram ter capacidades intelectuais e físicas para entrar no governo da nação, que outrora foi regida por gente indiscutivelmente velha a abater, como muito bem se fez, embora alguns dos que censuravam a longevidade dos governantes no poder ainda por lá andem agora, a dar a cara e a governar-se, sem se preocuparem com presumíveis críticas, porque se defendem disciplinadamente bem.
E por aí fora – as conversas são como as cerejas – fomos argumentando sem consequências de maior, só as de mais um pouco de atraso nas nossas questões domésticas de que não prescindimos, honra nos seja, como um bom exemplo, para bem da Nação.

domingo, 26 de julho de 2009

Valha-nos Santa Maria!

Outra questão que tem preenchido os nossos diálogos de café é sobre a inesperada cegueira – pedimos aos céus que seja passageira – provocada em seis pessoas, não se sabe bem porquê, pelo uso de um medicamento proibido para os olhos, mas usado sem efeitos de risco anteriormente, e agora responsável pelo horror que nos recusamos a aceitar como definitivo.
- “O Hospital Santa Maria devia ter fechado há que séculos!” – é a minha amiga que diz do caos em que aquilo funciona.
Eu só me lembro dos corredores infindáveis que tínhamos que percorrer para chegar a qualquer ponto do nosso percurso, há muitos anos já. Eu, apenas para visitar uma pessoa de família, o meu primo Camilo para a acompanhar para os diferentes médicos, com diferentes marcações, num esgotamento atroz.
Mas a minha amiga conta também o caso de um irmão de uma amiga que, de Pôncios para Pilatos em adiamentos oftalmológicos, acabou por ficar cego de um olho; e mais contou do caso recente de um amigo, dos que já mal pode andar, as vezes sem conta que teve que lá ir, ou porque o médico faltou, ou porque chegado àquele, mandavam-no para outro, tudo por conta de uma catarata dificultada por outro problema ocular, inflectindo para compartimentos, horários e competências diferentes.
Continuou:
-“Qualquer desgraçado que seja da linha – a nossa, de Cascais – tem que sair às seis, para lá estar às nove, ser atendido à uma da tarde e às vezes regressar à linha sem ser atendido, com qualquer desculpa que engendram, sem respeito pelas pessoas que atendem. Agora mais isto da cegueira! Cegueira! Já pensou bem o que significa?
Expus os meus sentimentos, de horror pelos seis casos, de indignação por tanta incompetência, tanto descuido, tanta falta de profissionalismo, com a previsão do aumento de casos futuros, devidos aos males presentes do nosso resvalar sem tréguas para um qualquer buraco negro sem retorno.
-“Mas é assim neste país. Eles lá se desculpam, dizendo que a culpa não é do remédio, mas sem saber de quem a culpa é, e se houver processo, será arquivado ao fim de uns anos. Veja o caso de Leonor Beleza, que nunca pagou pelo que fez. Champallimaud escolheu-a, o processo dos hemofílicos caducou. Ela aí anda serena e impávida e bem falante, em novos cargos de arromba.”
- “É. As vidas valem pouco, quando são os poderosos os responsáveis pelas mortes, cegueiras, estropiamentos ou outras doenças. Se os médicos responsáveis por incúrias fatais nunca são condenados, como queria que uma (ex-)Ministra da Saúde, que ainda por cima tem um nome enorme, prova de que é de boas famílias, fosse condenada, mais a família? E logo cá, onde se diz que a Justiça também não vê!”

sábado, 25 de julho de 2009

“A mim ainda ninguém me explicou”

Lá está a minha amiga a exigir explicações. Gratuitas ainda por cima, as minhas, que o meu esforço de esclarecimento é todo à borla. Mas também porque a maioria das vezes não obtém resultado positivo com ela, que se julga superior em competências, só porque tem uns meses mais do que eu e lê e ouve mais imprensa diária.
- “Ainda ninguém me explicou cabalmente as vantagens do novo aeroporto nem do TGV”.
Apreciei o “cabalmente”.
- “Ora essa! Estão fartos de o dizer, com o nosso PM à cabeça! O TGV permite uma maior rapidez, entre Lisboa e Madrid e entre Lisboa e Porto, com ligação a Vigo. Num ápice, estaremos na Europa. Já viu as nossas possibilidades de evasão ao nível europeu? Maior que a do Cesário: “Ocorrem-me em revista exposições, países: / Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!” Agora até podemos ir parar a Vladivostok, tomar a carreira para o Japão, dar um salto ao Alasca, um ver se te avias de experiências viageiras na aldeia global. Quanto ao aeroporto, servirá de escoadouro do tráfego aéreo – e do tráfico de qualquer via – para libertar o espaço aéreo da capital.”
- “Pois! Mas quem paga isso?”
- “Acho que a União paga vinte por cento, não sei se já pagou há anos e até se eles já foram desviados para outros fins.”
- “Ai, não! Não podem ter sido! Tudo menos isso, que a União exige as contas correctas! Esses dinheiros dos empréstimos para os fins a que se destinam são sagrados, eu sei. Mas...e o resto?”
-“Qual resto
?”
- “Os oitenta por cento, claro!”
- “ Ah! Isso vai-se pagando, com mais uns impostos aqui, mais umas dívidas aos fornecedores e aos trabalhadores além, vai ver que se consegue.”
- “Vê-se mesmo que somos um país de novos ricos, que construíram auto-estradas em excesso, talvez pelo muito que padeceram com a falta delas nos tempos fascistas.”
Nada a contenta, protesta sempre.
- “Eu tive um professor de italiano, nos meus tempos de estudante – tinha um Fiat que era o “non plus ultra” da beleza automóvel, para leigos como eu – que costumava afirmar que um país sem estradas não se desenvolvia. Vivi sempre com esta imagem do progresso ligado às vias, e quando chegámos à administração do Dr. Cavaco e Silva e dei um passeio pelas terras, passando pelas aldeias do abandono fascista, fiquei muito feliz, ao notar a rede de autovias”.
- “Pois, mas quando não se pode, tem que se racionalizar! Estamos encravados até dizer chega! e vamos encravar-nos mais ainda com meios de transporte ou espaços aéreos que o nosso bolso não contempla!”
- “Ah! Mas é que não conhece a opinião dos que afirmam que os que subtraíram em fraudes de bradar aos céus e que são tantos que dava para, com esses dinheiros que eles deviam ser forçados a repor, pagar os tais gastos da nossa megalomania e mais as dívidas das câmaras, e ainda sobraria para repor as fábricas a produzir e os trabalhadores a trabalhar, e ainda com umas sobras para os pobrezinhos desabituados de trabalhar.”
- “Isso parece história de magia, ou de fadas que também são magia. Os que mergulharam no saco roto das massas não vão repor os dinheiros subtraídos; e tudo o resto é fantasia.”
Nada a fazer, com a minha amiga. Quando diz que não acredita no milagre não acredita mesmo. Eu sinto-me na pele do chinezinho Badaró: “Como ispilico?”

sexta-feira, 24 de julho de 2009

“Quem tanto tem feito pelo défice”

Quando ouvi a observação, pus-me a procurar outras personalidades igualmente dotadas da responsabilidade no défice, não queria que o nosso PM se sentisse tão amarfanhado na constatação da sua, e, num ápice, abarquei muitos, tantos que já nem vale a pena referir, desde que soube das Universidades privadas surgidas logo depois do 25 de abril, que usaram os dinheiros dos alunos sem acesso à Pública, não para lhes facultar o curso, mas para se locupletarem à custa dos professores a quem não pagaram. Agora já estamos na Banca, mas até aqui chegarmos, foi toda uma longa caminhada que pudemos fazer, graças a Deus, é certo, mas também às muitas e boas autoestradas que foram surgindo, para ajuda do longo e eficaz percurso dos fazedores de défice de que, a tempo, fomos informados.
Não, não queria de modo algum ver o nosso PM a sofrer lágrimas de sangue pelo défice pelo qual ele diz que tanto fez, mais do que ninguém mais. E até me comovi, pois custa sempre ouvir injustiças sobre as pessoas inocentes e quanto a mim não havia motivo para tal auto-incriminação, como acabei de justificar.
E enquanto limpava uma lágrima furtiva, porque o nosso PM é uma pessoa que irradia simpatia na sua modéstia activa e eu estava a imaginá-lo no lugar do Job que tanto sofreu, olhei outra vez furtivamente e vi-o, afinal, sorridente, arrogante e altissonante, como estava habituada a ver. Até me pareceu gabarolas, como também estava acostumada.
Espantei-me, eu tinha perdido o fio à meada, ou seja, a essência do discurso. Tratava-se, não de auto-incriminação mas de auto-elogio, não percebo como me deixei iludir, na procura do lenço de papel. O nosso PM, ao dizer triunfalmente que não aceitava críticas de ninguém, nem conhecia quem tanto tivesse feito pelo défice, acrescentou que o que era preciso era não ter vergonha das reformas que fizera, não ter vergonha de ser honesto e decente e isso foi bonito de ouvir, porque julguei que ele ia dizer antes que não tinha vergonha na cara, o que era despiciendamente errado.
Regressei ao pensamento inicial. Deixei de julgar o nosso PM o Job da minha pena, coitadinho, igual a todos nós, que passamos o tempo em lamúrias, como se não tivéssemos mais que fazer, e parece mesmo que não.
Espero, sim, do coração, que o nosso PM acabe como o Job dos finais das suas dores, aquele que tudo recuperou em benesses mandadas pelo Jeová. Tenho a certeza de que sim.
Porque quem não tem vergonha de ser honesto e decente como ele diz que foi e foi bonito ouvir isso, e não se dissesse antes que não tinha vergonha na cara, merece ter todas as benesses, tal como o Job dos finais teve.
Que o Jeová nem discute, quando se trata de recompensas aos que bem se esforçam por obtê-las.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Tábua rasa da tábua

-“Se os homens passassem a ferro, talvez já tivessem descoberto a fibra necessária para não ser preciso fazê-lo”.
Mais uma vez a minha amiga, nas suas exuberâncias de protesto, se excedeu na expressão das suas expectativas críticas. Mas continuou, lançada:
-“Não há direito! Nada se fez para que isto não acontecesse! A gente continua com a tábua e o ferro! Tanta gente que foi à praia! E tenho a roupa por passar! Não há direito! Mete-me cá uma raiva! Ainda por cima no verão!”
Parecia o Solnado, nos tempos áureos dos seus sketchs humorísticos. Tento apaziguar, com os ditames do meu saber e da minha condescendência para com a vida:
- “Hoje já há homens que passam, que as mulheres não estão para isso, adeptas de uma democracia igualitária. Além disso, há lavandarias em que os homens passam, restaurantes em que os homens cozinham.... Hoje já todos os trabalhos são, de um modo geral, sem fronteiras de sexos”.
-“ Mas o que era preciso é que os tecidos não precisassem de ferro. Fazer tábua rasa da tábua! Nada de tábua, nada de ferro, só roupa sintética! O ferro a desaparecer, a tábua no forno, a arder, e a gente a espairecer... É tão estúpido passar a ferro! Nunca esta coisa passou de moda, e já tanta coisa foi inventada! Estou a referir-me, é claro, aos que não têm dinheiro para mandar passar na lavandaria!”
-“Eu também detesto passar a ferro, e não só isso: toda a casa é um peso de mortificação, sempre a exigir o que não apetece dar. Em África tínhamos criados para esses trabalhos, bem sortudas que éramos, entre as mulheres do planeta. Em todo o caso, a roupa sintética não é tão saudável! E a gente sempre tem que alguma coisa fazer, para não entristecer...” O trabalho fonte de prazer...
Condescendeu, que os discursos racionais conduzem a ponderação.
-“ Só espero é que o nosso Senhor não fique zangado comigo!”
Mas quando atravessámos a passagem de nível, enfiou o tacão num buraco e torceu o pé.
- “Eu não lhe disse? Não posso protestar, que Nosso Senhor logo faz sentir o seu desagrado contra mim”. Só lhe faltava agora julgar-se o centro da atenção divina!
- “Foi porque não olhou para o chão! No nosso país isso é fundamental, procurar os lírios do campo, olhar para o chão, para evitar as topadas nas covas das calçadas, já há dias referimos...” Não quis ficar-lhe atrás na conversa de pendor bíblico, resultado da sentida crença de que Deus providenciará o alimento ao nosso povo, como faz aos lírios do campo.
- “Pois, mas não se lembra de que, por causa disso, levou há tempos uma cabeçada, ao embater contra os protectores transparentes da cabine telefónica erguida no chão, como um cogumelo?”
Nada lhe escapa. - "Realmente, bati nas abas transparentes da cabine, porque ia distraída a olhar o chão, à procura de lírios. Não encontrei os lírios, mas fiquei a ver estrelas, às onze da manhã. Há sempre compensações poéticas nos embates por cá, e esse da cabine não me saiu da cabeça tão cedo. A Câmara deve apreciar o efeito das abas transparentes sobre os distraídos, se assim não fosse, tratava de colocar abas apelativas nas cabines!” Também eu me sinto mordaz.
- “Mas a tábua!” insistiu, insensível aos desvios. “Oxalá os nossos jovens cientistas que até têm obtido prémios lá fora em descobertas de valor – as coisas que ela sabe! - achassem, finalmente, o abracadabra que fizesse enviar tábua e ferro para o planeta Marte, que os marcianos talvez ainda estejam na pré-história da sua história e achem ferro e tábua um requinte de engenharia técnica.”
É sempre compensador ser-se optimista.

"Faz medo a um susto"

Nunca tinha ouvido esta. Foi na sequência da conversa sobre as questões da Educação. Tinham tido reunião, longa reunião, em que o discurso de auto-elogio da coordenadora, só equiparado ao seu portefólio volumoso, meteu nojo. Trata-se da prática usual nas escolas, não é trabalho sério.
Antigamente, quando se podia estudar mais, porque os professores eram respeitados na sua condição de docentes, de veiculadores do ensino, ninguém se lembrava de ir para uma reunião geral – ou mesmo particular - de escola gabar-se das suas realizações pessoais. Quando muito, no caso de conselhos de turma, em que se julgavam os alunos mal comportados de quem um professor participara, havia sempre um ou outro professor – dos camaradas e conhecedores das pedagogias da doçura – que faziam auto-elogios, de reconhecimento da extrema má educação do infractor, mas nunca para consigo, note-se, que não “tinha razões de queixa” . “Reconheço que é um aluno difícil, mas eu não tenho razões de queixa”. Claro que nunca acreditei nisso, e disse-o um dia, pois um aluno mal comportado com um professor é-o com os outros todos, mau grado os Sebastiões da Gama inventores do elixir de bem gerir uma aula, sem a preocupação de obedecer a programas, porque “o que faz falta é animar a malta”, como eu também cuido que sim...
Mas voltando ao grosso portefólio de papéis do Ministério, de avaliação dos docentes segundo os papéis do Ministério, que complicam o tipo de informações que exigem para a avaliação – tanto dos professores como dos alunos – para melhor os reduzir à condição de robôs de comando a distância - ele define o preciosismo de excesso e vanidade em que se transformaram as regras exigidas para fabricar as personalidades dos discentes e criar a nova personalidade do professor ideal, segundo uma nova ordem social criada por uma estranha figura de Primeiro Ministro que se não importa de continuar a ser um aprendiz de feiticeiro, sem receio de que a inundação subverta o seu país.
Mas as coordenadoras sentem-se felizes com os seus portefólios monstruosos contentores das monstruosidades da papelada ministerial para avaliação dos portefólios dos professores.
E eu só me pergunto como é nas escolas de música, de artes, de ciências para o progresso de uma nação. Será que ao professor que ensina a música de Beethoven também são exigidas reuniões de horas e horas massacrantes de um vazio absurdo, que lhe não permitirá o estudo aturado para as suas funções?
Não, o professor das artes está noutra dimensão, o Ministério da Educação não intervém. Mas os professores de História, de Matemática, de Português, etc., também precisam de tempo. Já não digo para a família, que sempre tiveram pouco – os que amavam o seu trabalho.
Mas para estudar, seja o que for, é necessário tempo, incompatível com tais portefólios, balões de ar que uma picada de agulha esvazia e nada deixa a não ser o auto-elogio inane de quem se contenta com esse pouco da nova ordem, apoiado, aliás, pelos cabecilhas do elogio mútuo que são os respectivos dirigentes.
Pobres Portugueses que alguém já chamou “poucos quanto fortes!” Mas também garantiu, é certo, “que um fraco rei faz fraca a forte gente” – em que, de resto, a maioria não acredita, complexados como somos.
Mas realmente fortes, são, agora, os fazedores de portefólios. E a gente deixa, que nos convém a nulidade alheia, que estamos a criar, com que justificamos a nossa, já bem criada, mesmo em termos de instituição nacional.

terça-feira, 21 de julho de 2009

“O ser humano foi malfeitinho”

Julgava eu que a razão da observação, não em tom carinhoso, aliás pouco costumeiro nela, mas em tom muito irónico, dizia respeito às nossas mazelas de povo sujeito a um triste panorama de desequilíbrios, ou, mais elegantemente, de “décalages” embrutecedores – sociais, económicos, culturais, policiais, jurídicos, prisionais, hospitalares, fenomenais, em suma – que mesmo sem estetoscópio – fonendoscópio em designação mais preciosa – ela vai descortinando no seu dia-a-dia atento às entaladelas de hoje em dia, da maioria.
Não dizia respeito. Tratava-se apenas das quatro refeições que ingerimos diariamente e que obrigam a uma sobrecarga de carregos e gastos, para manter uma casa a girar com o dinamismo necessário.
E assim: - “O ser humamo foi malfeitinho. Porque come demais. A vida da mulher é uma calamidade. A mulher que tem filhos, que trabalha, tem uma vida sacrificada. E a razão principal é essa. Comemos demais.”
Utilizei o lugar comum sobre os que às vezes nem uma refeição ingerem, eu própria também atenta às “décalages” sociais e não só às nacionais mas também às internacionais, mas não lhe interessaram, de momento, as misérias dos esfomeados, sabendo, embora, que muitos são, manifestamente apoiada a sua confiança na erradicação da fome, nos povos ricos que enviam os cereais - e as armas, estas como medida profiláctica que fará reduzir o quantitativo dos sacos dos comestíveis a enviar.
Estava cansada de compras, preferia não ter que fazer nada, sobretudo em termos de alimentação do corpo, mais votada ao alimento espiritual que a imprensa escrita, falada e visionada nos carreia em exagero sem tréguas, provocando a revolta nas falas.
Eu não se me dá o alimento, às vezes mesmo num excesso condenável, como o colesterol acusa. Mas gosto de repartir com os que me são queridos. Tenho mais jeito para doçuras, o que se vê no meu feitio acomodatício, ela prefere os salgados, mas a elegância física revela que nem mesmo nesses se apoia, sempre parca e disciplinada.
O ser humano malfeitinho porque come demais?”
Tem razão, a minha amiga. Mas esqueceu-se de expor sobre as comezainas que a cada passo têm lugar no convívio humano, sobretudo no votado às altas lides de governação, de qualquer coisa que seja – nação, banca, empresa nacional ou particular, lutas pelo guinness book - e de que Vieira aponta mesmo a antropofagia no magnífico “Sermão de Santo António aos Peixes”,de que não resisto a trazer à luz o intróito - “Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos.... - e o seu final de desmesura triunfalmente conceituosa e actualidade perfeita: “enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra e já o tem comido toda a terra”.
Estamos lá todos. O Padre António Vieira bem sabia, génio de predestinação.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

As mãos da profilaxia anti-gripal

Foi num café chique, de boa pastelaria, da Parede. Ouvimos um espirro e lembrámos a gripe. Se realmente iria tomar as proporções que dizem que vai. E nas medidas profilácticas que se estão a tomar com calma, sem excitações inúteis.
Lavar as mãos é fundamental, diz a Ministra da Saúde, e tecemos comentários a esse preceito tão antigo que nos chegou por via bíblica. Mas nem todos os que passarem a lavar as mãos e que dantes não lavavam, mesmo em locais que pediam esse recurso posterior imediato, não se vão desresponsabilizar dos seus compromissos, como fez Pilatos. A desresponsabilização já existe em grande quantidade cá, mesmo sem a lavagem das mãos, que nem é assim tão usual. Por isso a epidemia que está para vir, para não fazer alastrar mais ainda a desresponsabilização, não sei se será mais benéfica com o preceito higiénico.
Mas há outros preceitos. A questão da hóstia, por exemplo. E logo a minha amiga:
-“Esse assunto já está a ser tratado”.
Calei-me, ela sabe, de leitura e de ouvido, mas também falámos na pia baptismal, que convém deixar seca, no pino da gripe, lamentando a falta da água benta. E nos beijos e abraços da paz eclesiástica durante a missa, que é bom que se interrompam para não contagiar, isto ouvi eu hoje.
- “E a fruta, nos mercados, e as hortaliças?” – pergunta a minha amiga desde sempre escandalizada, já muito antes do surto, contra a falta de embrulho próprio e as mãos, que não se sabe se estão lavadas, a mexer nelas, sem a ajuda de um plástico ao menos!
- “Pode ser que passem a ser embrulhadas, tal como o pão”...
- “Já viu este balcão?” Tratava-se do balcão do café chique, de boa pastelaria, mesmo ao lado da farmácia. “Tabuleiros com bolos e outros com bolas de carne, em cima do balcão, o pão mal coberto, as pessoas a passarem perto, o café cheio de gente a respirar e a poluir o ar... Um nojo! E quando tossirem e espirrarem? A Asae não vê isso, que esta pastelaria é das chiques, só se encarniça a sério contra os pobres diabos dos pequenos comerciantes...”
- “O que vale é que tem a farmácia ao pé!” – Como sempre, sou mais contemporizadora. “E ouviu aquela que o governo está a tramar, de mandar os professores dar aulas às casas dos alunos doentes?! Será assim? Devo estar errada! Ou é de anormais!”
- “Pois! Convém não deixar os nossos alunos doentes sem aulas, que eles podem-se prejudicar nos estudos! O nosso Governo está mesmo consciente da vantagem de estudar! Deve ter sido uma proposta imposta pela Ministra da Educação, que tem feito muito no estímulo à educação!”
-“Talvez os professores aí, à entrada das casas, tenham mesmo que se descalçar e lavar também os pés, quer para maior consubstanciação com o corpo de Cristo, quer para maior identificação com a doutrinação educativa ministerial portuguesa...”
P.S Mas não se tratava de os professores irem às casas. Foi engano meu, que não ouvi o prefixo e estou sempre em dúvida. Trata-se, puramente, de teletrabalho, nada a ver com ir às casas como as empregadas de limpeza.
P.S.

sábado, 18 de julho de 2009

Quem mais poderia?

A cascata e o rio”, eis uma fábula do La Fontaine que a proposta de João Jardim me levou a procurar, que me fizesse perceber quanto ele exagerava ao exigir banir o partido comunista da nossa democracia.
E encontrei: Uma cachoeira poderosa, torrencial, não direi como as conhecidas cataratas Vitória, do Niagara, do Iguaçu, mas suficientes para levar tudo diante de si, descendo da montanha em grande estrondo, fazendo tremer campos e homens, serviu de passagem a um que, na pressa de fugir aos ladrões que o perseguiam, não viu outro remédio senão lançar-se-lhe na corrente e assim escapou. Era mais o medo do barulho das águas despenhando-se, o facto é que se sentiu vitorioso com a proeza. Mas os ladrões não despegavam atrás dele, e não teve remédio senão, muitos quilómetros adiante, se decidir a atravessar um rio que deslizava manso e discreto, nada assustador. Lá foram, ele e o cavalo, dispostos a atravessar para a outra margem – não havia ponte de passagem – mas foram antes parar ao Estígio, que o rio de deslizar suave tinha covas fundas e redemoinhos que o pobre homem nem o cavalo notaram.
O PC dos repúdios do Dr. Jardim, faz estardalhaço – já fez mais – como cascata convulsa que parece tudo atropelar, mas são almas generosas que querem o bem do povo, que esse, sim, é que tem sido sempre prejudicado em todas as governações.
Os outros partidos governam – à vez – constroem amenamente – aproveitando para si dos benefícios que fazem para os outros, em manobras silenciosas de que os incautos se não apercebem, silenciosamente levando ao Estígio, uma pátria sem fibra.
Porque haveríamos de prescindir da cachoeira PC? O mal que fizeram, fizemo-lo todos, ou porque não soubemos ver, ou porque nos não interessava ver, ou porque fomos arrastados.
O certo é que o PC é indispensável, como controlador dos desmandos e dos desperdícios dos partidos no governo. Além de que tem as festas do "Avante" para animar os comparsas e organizar as greves que levaram o país ao estado em que está, mas em que todos colaboramos com garra, desejando todos comer do mesmo prato, esquecidos, não só de que o número de pratos cá foi sempre circunscrito, mas de que as greves, a breve ou longo prazo, nos vão a todos afundando. Como se vê.
Não, não acho feliz a expressão tão autoritária do Dr. Jardim contra o PC que não lhe serve. Não temos outro, mas todos somos irmãos, embora o Dr. Jardim se julgue com a autoridade de pai ou mesmo do avô que se vai mantendo, imperturbável, na suposta impecabilidade do seu mandato na Ilha.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

“Chorar faz a tristeza...

... afastar-se de nós, as lágrimas transformam-se em água que limpa os olhos...”
É da minha netita de quatro anos a frase. Fui a correr buscar papel e caneta para a transcrever, tão extraordinária me soou. Quando, pela mão do vovô, me disse que a vovó estava velhinha, fingi que chorava e logo ela largou a frase do meu arrebatamento.
E não se calou mais, ante a surpresa e o riso que causou.
Também ela fica “triste e a chorar quando a Blacky (a gata) parte as plantas do vovô, que tem que as substituir”.
“Vocês como já não andam no trabalho já não têm coisas. Por isso é que quando os vejo vos dou muitos abraços” o que fez, juntando a acção à palavra, ao colo do avô chamando-me também para me incluir nos seus beijos e abraços, em provável reminiscência das histórias da Heidi, que costumava ver aos dois ou três anos.
“Ainda bem que o cabelo da vovó já não está branco porque fica feio”, deu pelo corte e pintura o que não aconteceu com ninguém mais cá em casa.
O avô gabava-lhe a cabecinha e logo: “Se não me lembrar de uma tenho muitas coisas na minha cabeça”.
“Debaixo da língua é que está o cuspo”.
“Vocês são um bocadinho velhinhos não têm dinheiro porque não trabalham. Têm que dizer ao Fox
(o cão) para ter cuidado com a bola para não a perder”. Uma boa gestora de finanças futuras, se as houver.
É claro que a criança, nos seus jeitos, na sua memória, nos seus talentos de argumentação, não fala assim porque seja um génio, mas porque teve quem a orientasse nos raciocínios, no estímulo, na ternura que a cada passo a envolve, chamando a atenção para as coisas, e os nomes e as reflexões sobre tudo.
O mundo infantil é um encanto, como seria bom que o saboreássemos todos assim, como fazem os seus pais, que sabem sacrificar os seus gostos aos da filha, não deixando, todavia, de a partilhar desde pequenina, com a família. E a pequenina, embora mimosa, não mostra o mimo de muitas outras crianças, sempre encantadora, sempre argumentadora, sempre espantando, de longa data, com o seu poder de memória e reflexão.
São de alegria, as lágrimas do nosso prazer.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

“Mas os Portugueses estão assim?”

A quantidade de homens altos que entram neste café!”
Até parece que a nossa vida gira em círculos que apanham as tiradas inesperadas da minha amiga sempre num qualquer café de esquina, onde ela capricha nas suas exclamações extravagantes, que acordam os meus neurónios adormecidos para as coisas em que Cesário Verde também reparava, e de quem Alberto Caeiro disse que tinha pena por ser “um lavrador que andava preso em liberdade pela cidade”.
Pego na bic e escrevo, que ando muito esquecida para fixar. Não me volto para olhar, porque ela acrescenta logo sotto voce: - “Olhe disfarçadamente e veja o tamanho do homem atrás de si, ao balcão!”
Rodo disfarçadamente o torso, a cabeça mais discretamente, e confirmo. Tratava-se de um homem verdadeiramente alto.
- “Deve ser estrangeiro” – disse eu, nos complexos da minha condição pouco expressiva.
- “Não, não é, já o ouvi falar, já cá tem aparecido mais vezes”.
Acredito, pois nenhum pormenor lhe costuma escapar, dos jornais, do que a cerca, do que a incomoda ou lhe agrada. Neste caso, agradou-lhe. Acha que os Portugueses cresceram, deve ser da alimentação.
- “Ou da miscigenação”, acrescento eu, em tom doutoral.
Teceu comentários de apreço e eu referi as virtudes do espírito como superiores em importância. Se não, veja-se: O Adamastor! Um bruto que se fartou de agoirar os malefícios que iria provocar a tantos dos nossos mareantes, que até poderiam vir a ter sido bons empresários, com as riquezas colhidas nas suas viagens! O Polifemo! Gigante de um só olho e muita maldade, vencido pela astúcia do Ulisses, não só na saída da caverna, agarrados, este e os companheiros, à barriga dos carneiros, a supor, inteligentemente, que Polifemo só apalpasse o dorso do seu rebanho – o que aconteceu - mas também, quando, ao gritar por socorro, no seu vozeirão lancinante, para que os outros Ciclopes lhe acudissem, Polifemo tenha respondido, à pergunta daqueles sobre quem lhe tinha espetado o único olho, que “Ninguém” lho espetara, nome com que se identificara Ulisses e que lhe valeu, pelo trocadilho que também celebrizou Garrett na identificação do seu “Romeiro”, o safar-se do socorro dos Ciclopes ao companheiro agora cego, e poder regressar às naus são e salvo, com os companheiros sobrantes da matança do Polifemo na caverna, antes de Ulisses e os companheiros o embebedarem.
Muitos gigantes mais antigos e outros mais modernos ainda poderia referir, tais como o Titã Prometeu que roubou o fogo de Febo, mas ficou bem tramado, com os fígados roídos, que o pai Zeus não era de graças. Entre os modernos conta-se o São Cristóvão que, ao contrário de Prometeu que Zeus castigou no Cáucaso, teve a sorte de ser levado para o Céu, pelo Menino Jesus.
Actualmente, conhecem-se bons atletas altos, com bons resultados em provas desportivas, como o Obikwelu, mas os mais baixos também se safam bem quando querem. É o caso do nosso Carlos Lopes, o primeiro português medalhado com ouro olímpico.
Não consegui convencer a minha amiga sobre os valores do espírito superiores aos do corpo, adepta como é, afinal, do “mens sana in corpore sano” dos Humanistas. E se a satisfação dela pela altura física portuguesa correspondesse a uma elevação espiritual dos mesmos, partilharia do seu prazer.
Pode ser que sim. Afinal... que sabemos nós? O que reparo é que os Portugueses bem posicionados na vida, em resultado do bom aproveitamento na Banca, são geralmente altos, bem parecidos, bem escanhoados, dá gosto ver. Será que se alimentam bem, e por isso se elevam acima dos mais mortais?
Estão assim, os Portugueses”!... É por isso que derrapamos?

terça-feira, 14 de julho de 2009

“Ela hoje tem-os todos guardados”

Estávamos à mesa do café, a minha amiga a falar nos efeitos poderosos do mangostão xango sobre a saúde – ouvira ontem no programa do Goucha, dez pessoas que foram lá contar sobre os efeitos miraculosos do xarope na saúde de cada uma delas – cura peles, depressões, asma, diabetes, rinites, alergias, colesterol, cancro, colite, um cem número de doenças sobre que a Internet expõe – e de repente, no meio do seu entusiasmo na fé do milagre causado pelo mangostão, abrandou a voz, chegando ao sussurro: “Ela hoje tem-os todos guardados!”
Pensei em jóias, em “taco”, em “alqueires bem medidos”, e bem enfiados na caixa craniana, em qualquer coisa de menos púdico – segundo restos de convenções a desfazerem-se neste século – que anteriormente estariam mais visíveis em alguém que, de momento, se perfilava sob o ângulo de visão da minha amiga. Tratava-se, simplesmente, ó céus!, dos cabelos tapados com touca, da dona do café, que é uma simpatia de senhora, mas costuma ter os longos e anelados cabelos esvoaçando, enquanto faz as torradas ou serve os queques, o que provoca as agonias espirituais e fisiológicas da minha amiga implacável.
Não me voltei para constatar o facto, mas alegrei-me, e passei a sussurrar com ela, pois entra em paranóia quando não vê a touca nas padarias ou nos cafés envolvendo os cabelos das balconistas - para assim evitar os embaraços das suas dicas irónicas a meia voz contra a tacanha resignação portuguesa que compra o pão, “malgré la queue de cheval”, como eu faço.
Voltámos ao programa do Goucha e contou dos casos de recuperação de saúde, todos de níveis diferentes, que as dez pessoas referiram. Passou-me o papelinho com a direcção que colheu no Goucha, no benemérito desejo de salvar grande parte da humanidade, incluindo-me a mim e aos meus males: “Xango – Sumo de mangostão – WWW.superfruto.com – T. 917553140.
Vim consultar a Internet: Está lá tudo – a história, a geografia, a medicina, a comercialização, no seu início, em Portugal, que promete grosso êxito, provavelmente seguido das nossas habituais derrapagens nas nossas habituais habilidades fraudulentas, contra as quais não há mangostão eficaz. E o sem número de benefícios na saúde devido a um produto - Xanthonas – anti-oxidante e anti-inflamatório – responsável pelo êxito nas diversas curas.
E logo a minha amiga comentou: “Quem toma o mangostão fica por cá então, ou, pelo menos, fica saudável até dizer chega”.
Não quero contestá-la na sua fé. Deixo o recado. Creio que vou experimentar, mas não deve ser barato o produto asiático.
Em todo o caso, se o preço me puser os cabelos em pé - não tenho rabo de cavalo - poderei sempre guardá-los com a touca do bem-estar fisiológico e espiritual da minha amiga.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Mais uma fábula

Não, não se trata do “Fado da Carta” da nossa querida Fernanda Baptista, porque eu poderia usar a expressão “Para tu veres que estou farta”, ao contrário dela, que não está.
É mesmo uma fábula do La Fontaine que estou a seguir, da “raposa e os perus”, utilizando estes, como fortaleza contra os ataques manhosos da raposa, uma árvore frondosa onde eles se resguardavam por cautela, com grande surpresa daquela. Realmente, a pérfida deu a volta à cidadela e verificou que todos estavam de sentinela. Contra ela. Ficou indignada, até mesmo ofendida com a desconfiança atrevida dos perus, que não merecia a sua figura de mansa doçura. O sangue ferveu-lhe de indignação. Atirou-se ao chão, fez-se de morta, ergueu-se palpitante, de olhos no céu, ergueu a bela cauda ao luar que apareceu. Os perus, indiferentes na sua cidadela, durante muito tempo não caíram na esparrela. Mas o sono os foi vencendo, e de vez em quando um ia caindo, para regalo da raposa atrevida que assim os foi comendo ou transportando para a sua despensa falida.
Foi tal o desbaste que o fabulista, preocupado, concluiu: “A demasiada atenção que se tem contra o perigo, é causa, muitas vezes que nele se caia, como maduro figo”, embora a chocha comparação tenha sido acrescentada por conta da rima pobre da versificação .
Mas não seria essa a moral que eu escolheria para os nossos jovens, os perus da história. Estes, apesar de haver excepções, que ressalvo sempre, há muito que dormem, mas na cama. Nem dão pelos discursos de quem os quer seduzir, para os votos eleitorais, pois preferem brincar no jardim.
Quem ouça os argumentos de uma determinada facção dos jovens iranianos, como tenho ouvido, a respeito de umas eleições que lhes pareceram fraudulentas, repara na seriedade, na responsabilidade, na desenvoltura desses jovens, rapazes e raparigas, que nada têm a ver com as manifestações cantantes e farfalhudas dos nossos.
E no entanto, a raposa da fábula existe ainda, hoje mesmo a ouvi, gabando as políticas seguidas, de abertura para os jovens, falando nas muitas vagas universitárias, nos muitos magalhães, nas suas políticas de modernidade por amor desses mesmos jovens e do seu futuro de seriedade. Não fala na inexistência de vagas para as profissões dos adultos, nem nos milhares de desempregados e mais os que aí vêm. A esses não escuta, porque esses não se deixam tanto seduzir, mais esclarecidos sobre a “canção do bandido” ou “da sereia”, como se lhe queira chamar.
Não, não garanto que o resultado para a nossa seja idêntico ao da raposa da fábula. Mas bem posso enganar-me, “que a sereia canta bela”, tal como a doce raposinha, e os incautos são mais que muitos aqui.

domingo, 12 de julho de 2009

“Les moutons de Panurge”

Tive – tenho – uma prima abastada que, nos tempos da nossa adolescência, comia requintadamente por receita, receitas extraídas do melhor livro de culinária, segundo dizia – o “Pantagruel” – o que me fazia sentir grande respeito por esse nome, traduzindo enormidade de pratos que colidiam com a trivialidade dos pratos da minha mãe – todos sem receita e apenas com o requinte do asseio – embora bem saborosos – a carne estufada, o belo peixe frito africano, em postas, com o arroz refogado, as sopas, os bifes, aos domingos o caril, com o pudim de sobremesa, ou a aletria ou o leite-creme que o meu pai queimava com os ferros da sua lavra, aquecidos no fogareiro da serradura, colhida pelo nosso Armando, na serração perto de casa.
Mais tarde li que o Pantagruel era filho de Gargantua, este, filho de Grandgousier, tudo nomes simbólicos de enormidades, evocando força e gigantismo físicos, altissonância de vozes, avidez na comida, na bebida, nos estudos, nos prazeres da vida ... Um deslumbramento!
Rabelais (1494-1554?), o seu autor, monge, humanista, no sentido de conhecedor das Humanidades, tradutor de latim, estudioso de direito, viajante, médico, escritor, revela, no seu primeiro livro “Pantagruel” e no “Gargantua”, soma intraduzível de conhecimentos além de uma irreverência e sentido crítico, em que a facécia e a fantasia se aliam a um poderoso realismo descritivo, acompanhados do preceito aristotélico de que “le rire est le propre de l’homme”.
É no “Gargantua” que define os preceitos de uma educação humanista, segundo uma formação equilibrada de espírito e corpo, numa exigência de saber mergulhado nos clássicos, e no desenvolvimento do corpo pelos jogos em liberdade, mas numa superabundância extrema, que me transportou à actualidade das nossas exigências escolares.
É que me chegou à caixa do correio um panfleto encimado por um grupo de belos jovens sorridentes, com livros e um violoncelo, com o sugestivo título “Novas oportunidades” – Aprender compensa”, com, em destaque, a informação “Há cada vez mais profissões na tua escola” “Faz o Secundário, aprendendo uma profissão”, e, dentro, “+ de 130 Profissões nas Escolas e Centros de Formação Profissional de todo o País”, (...) terminando por “AFINAL PODES SER QUEM TU QUISERES!” (...)
A última folha contém a lista das tais mais de 130 Profissões, que se iniciam pela de Actor e acabam, após a multiplicidade de Técnicos, na de Topógrafo- Geómetra.
Mas, contrariamente à insensatez das exigências formativas de Rabelais, de um gigantismo incompatível com a mediana natureza humana, mas revelando um abarcar de conhecimentos admirável do seu autor, a insensatez fora da realidade porque desonesta, falsa e megalómana do panfleto, ao contrário do orgulho que pretende incutir, só me deixou indignada.
Lembrei o meu percurso de professora, de uma exigência que não significou, ao contrário do que se diz da exigência, rigor de férula, mas profissionalismo, e vontade de formar os alunos que ano após ano me iam cabendo em sorte.
E hoje em dia, em que as evoluções maneiristas das pedagogias, confluem em critérios de pseudo-exigência que se traduzem por uma quase nulidade de êxito real, deixando, nos professores – os que o são de facto – o sentimento de vazio e de incompetência, pelo panorama cada vez mais aflitivo de impreparação escolar, com reflexos sobre a vida profissional futura, um panfleto como este das “Novas Oportunidades” só pode merecer o tal “riso próprio dos homens”, embora amarelo de impotência, neste desfilar para o abismo quais os “moutons de Panurge”.
Era Panurge um companheiro de Pantagruel, espertalhão refinado, que, embarcado num navio onde ia o mercador de carneiros Dindenault, ao querer comprar a este um carneiro, teve que se haver com as manhas do vendedor e acabou comprando-lho, mas por um preço exorbitante. Logo Panurge, sem tir-te nem guar-te, atirou o carneiro borda fora. E os outros de o seguirem e de se afogarem com ele, e bem assim Dindenault, agarrado ao último, a tentar impedi-lo.
Somos bem os carneiros de Panurge, atiram-nos com um panfleto aparentemente belo, brilhante, radioso, e só falso, irreal, falacioso, e caímos borda fora atrás dele, para, nos afundarmos sem remédio, na renúncia definitiva ao equilíbrio e à racionalidade.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

“Será que o cidadão e a “cidadoa”...

...podem dizer e fazer isso?”
É assim que a minha amiga inicia hoje as perguntas das suas querelas importunas, logo na CGD, agarrando no “Global” e batendo com as costas da mão na figura aperaltada de Isaltino de Morais – bonita figura – para mim que nada sabia, inocente de olhos e ouvidos e que tive que ler e ouvir o motivo do drama da minha amiga, não precedido, é certo, do desagradável “Olhe lá”: “um Procurador pedindo cinco anos de prisão para Isaltino, por conta dos cinco crimes” – os do costume e mais um da absolvição – “e o réu Isaltino pedindo ao Tribunal que o dispense à tarde do julgamento, pois não está para ouvir mais mentiras contra a sua dignidade e o Tribunal dispensando-o, não se sabe se por conta dela.”
A minha amiga não quer acreditar que isto se passe cá, contra a minha opinião que tudo aceito aqui. “Se saísse caladinho e modesto, tudo bem, deu-lhe uma dor e foi dispensado. Mas que não está para ouvir!? Tem que ouvir, como réu, como todos os réus!”
Isto acha a minha amiga, mas eu recordo o caso de Pinochet, que até também foi beneficiado no seu julgamento por conta da velhice e doença, parece que não assistiu a tudo.
Não ligou à interrupção: “Ou será que qualquer cidadão e “cidadoa”, convertidos em réus, podem fazer o mesmo que o réu Isaltino? Será que já não há moralidade para comermos todos do mesmo tacho?" - embora acrescente que nesse ponto nunca houve.
O Procurador a mentir?! Terá diploma ou foi passado ao domingo?” A minha amiga está deveras irónica e sentida, nunca a vi assim. E só espera, para cúmulo da injustiça, que o Procurador vá preso e o Isaltino se safe.
Ri-me. Falou no Judas: “Então não sabe?” Não sabia.
Judas o nosso, não o dos dinheiros, embora também implicado em dinheiros. Era comunista e portanto, por definição, honesto e defensor do povo. Foi processado. O processo foi arquivado”, leu isso há dias. Supõe que caducou. Também Judas desapareceu do mapa, mas não apareceu enforcado na figueira, como o outro.
Mas o Procurador disse – em Tribunal - que estas pessoas devem ser punidas. Não vamos deixar que abusem assim. Um Procurador escandalizado e querendo impor justiça, é obra!
Isaltino pode sempre desculpar-se com o facto de ser um bom Presidente de Câmara, e a minha amiga, embora concordando, logo contrapõe que é sua obrigação, pois foi eleito para isso. Também acha que ele se pode defender com o Judas e outros presidentes autárquicos, que, por fraqueza, se deixam às vezes corromper.
A minha amiga acrescentou mesmo, numa já de contenção e de enternecimento bem português, que ele pode mesmo usar de outros exemplos, à mão de semear, dos que até nem são presidentes de câmaras.
Mas, retrocedendo, em rebate de consciência: “Nunca as mãos doam ao Procurador! É bom que estes tais sejam mais castigados do que os borra-botas como nós!”
Contudo, desta vez excedeu-se no comentário, pois, sem querer profetizar, acho que isso jamais sucederá.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

“Cartas na Mesa” com Paulo Portas

Um Homem. Correcto, honesto, frontal, sereno e educado, defendendo corajosamente o seu modo de ver, revestido do necessário envolvimento ideológico. Inteligente. Autêntico. Sem recorrer a truques de falsa “camaradagem”, na ambição dos votos.
Já há muito que o admiro. Por tudo isso e pela energia que põe nas suas ideias e ideais que, embora pareçam correctos - creio que, sem sectarismo, a maioria os acharia assim – não lhe concederão o mérito que ele realmente tem, e que a maioria não lhe reconhece, por ser sectária. E simplesmente por o CDS ser um partido conotado com o tal fascismo, que é expressão máxima do saber político neste país, para arrumar com aquilo que se designa de “passado”.
Lembro-me bem de como foi aqui, os partidos de direita, que até tiveram, inicialmente, bons resultados eleitorais, foram gradativamente passando à reserva, porque os que inicialmente os apoiavam, no susto dos fantasmas de leste, falsamente democráticos, se foram fixando num centro que defendia melhor os seus interesses – não os do país – e aqui estamos ainda hoje a defender os interesses desses a quem não interessam ideologias mas o “rico bago” de que Eça já apontara a importância.
Não resisto a transcrever, pelo pioneirismo analítico dos sistemas políticos que nos regem, e da população que se deixa reger, estas páginas de Eça, vibrantes de inteligência satírica e de uma actualidade perene. É do capítulo XV de “Os Maias”, no espaço da Redacção de “A Tarde”, onde Ega pretende publicar a carta de “Dâmaso Salcede”, que ele próprio elaborara. Contam-se anedotas dos políticos:

"Travou (Gonçalo) do braço de Ega, puxou-o para um canto da janela:
“...... Esta política, este S. Bento, esta eloquência, estes bacharéis matam-me. Querem dizer agora aí que isto por fim não é pior do que a Bulgária. Histórias! Nunca houve uma choldra assim no Universo!
- Choldra em que você chafurda! - observou o Ega, rindo.
O outro recuou com um grande gesto:
- Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e troço por gosto, como artista!
Mas Ega, justamente, achava uma desgraça incomparável para o país esse imoral desacordo entre a inteligência e o carácter. Assim, ali estava o amigo Gonçalo, como homem de inteligência, considerando o Gouvarinho um imbecil...
- Uma cavalgadura – corrigiu o outro.
- Perfeitamente! E, todavia, como político, você quer essa cavalgadura para ministro, e vai apoiá-la com votos e com discursos sempre que ela relinche ou escoucinhe.
Gonçalo correu lentamente a mão pela gaforinha, com a face franzida:
- É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária... Há uns compromissos... O Paço quer, gosta dele... Há aí umas questões de sindicatos, banqueiros, de concessões em Moçambique... Dinheiro, menino, o omnipresente dinheiro!
E como Ega se curvava, vencido, cheio só de respeito – o outro, faiscando todo de finura e cinismo, atirou-lhe uma palmada ao ombro:
- Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizemos como vocês, os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal... Hoje é a realidade, a experiência, o facto positivo, o documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrório... Nós mudámos tudo isso. Hoje é o facto positivo – o dinheiro, o dinheiro! O bago! A massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!
E de repente emudeceu, sentindo na sala um silêncio – onde o seu grito de “Dinheiro! Dinheiro!” parecera ficar vibrando, no ar quente do gás, com a prolongação de um toque de rebate acordando as cobiças, chamando ao longe e ao largo todos os hábeis para o saque da Pátria inerte!...”

Não importa que Paulo Portas afirme que o seu partido sabe o que quer, e assim o tenha revelado na sua entrevista com Constança Cunha e Sá, apontando, sem medo, as falhas de um morno Inquérito sobre a supervisão de um BP sobre um BPM; mostrando as suas divergências em relação às políticas do Governo – na Economia, com prioridade sobre o crescimento económico, partindo da redução da carga fiscal, em vez de tomar como prioridade o défice e o recurso à subida dos impostos, o que impossibilita o desenvolvimento económico e a saída da crise, como se tem visto; na Educação, que contesta em absoluto, na selvajaria impune de um Ministério demente; na Segurança, apoiando leis que garantam a protecção dos cidadãos e a segurança policial, considerando as leis actuais permissivas...
Disse não ao TGV e ao aeroporto, sem tergiversações, mas apoiou obras que geram emprego e desenvolvimento, como barragens.
Não, não rasgaria os projectos do actual Governo. Ao verbo “rasgar” opôs o verbo “mudar”, considerando, com equanimidade, os prós e os contras de qualquer governação, afirmando que “os Portugueses estão cansados de sectarismos”, a propósito das atitudes e afirmações drásticas de outros candidatos à governação.
Paulo Portas! Um homem corajoso, que se diz querer governar, não por vaidade ou ambição pessoal, mas para defender o seu país.
Eu acredito nele. Mas quem o escutou, na entrevista de Constança Cunha e Sá, em “Cartas na Mesa”, explicando singelamente, que o apodo de “Paulinho das feiras” lhe fora atribuído porque, por falta de dinheiro nas suas romagens para os votos das eleições, optara por percorrer mercados e sítios onde não tinha que dispender dinheiro, quem o escutou talvez considere antes o ridículo da actuação e não dê valor à coragem e desassombro dessa sua opção.
Eu vejo nobreza de carácter e a coragem da persistência. Além da elegância discursiva e a agilidade do pensamento argumentativo.
Afirmou: “Espero poder ganhar, a merecer isso”.
Foi ingénuo, mas tem o meu apoio incondicional: Desejo que ganhe, porque o merece.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Os cantos das nossas sereias

Nem sempre as fábulas do La Fontaine são espelho exacto da nossa realidade humana - ou pelo menos da portuguesa, pois não tenho a pretensão de me imiscuir nas realidades estrangeiras, não porque não aprendi a ler, desgraça-mor para o nosso João de Deus, que daria como resultado ficar a saber só o que se passa no lugar onde eu estiver, mas pela delicadeza própria de quem pertence a um pobre lugar, sem competência nem autoridade para apontar o dedo a mais nenhum, porque esse seu lugar lhe “abonda”, verbo regional inexistente no Dicionário da Academia de Ciências, como muitos mais termos, mas que o da Porto Editora contém, para vanglória do meu parco saber.
É o caso da fábula dos dois machos – um, humildemente carregado de aveia e o outro, impante com o peso do dinheiro da gabela, o imposto sobre o sal daqueles tempos.
Pois a quem é que os ladrões atacaram e feriram de morte? Não foi o da aveia, que passou despercebido, mas o da gabela, e logo aquele, numa vingança repudiável por qualquer cristão educado: “Amigo, nem sempre um alto posto é de fiar. Se tivesses servido, como eu, apenas um moleiro, não estarias agora a penar, por conta do dinheiro”.
Não, esta fábula não se nos encaixa minimamente. O que temos visto, entre nós, desde sempre, mas com amplitude maior no presente tempo, é que quanto mais alto se sobe, não em termos orográficos, que às vezes fazem perder os narizes, mas em termos económicos, sobretudo se a subida se deveu a desfalques, extorsões, fraudes, falhas, coisas assim pecaminosas, mais a coisa se torna imparável e não há quem lhe ponha freio.
Viu-se isso agora também, com o tal Relatório da Comissão de Inquérito de avaliação ao BPN da autoria de uma “sereia” na designação de Nuno Melo do CDS-PP – Sónia Sanfona, de sua graça – o qual, antes de partir para a Europa, quis deixar tudo em pratos limpos, e acusou o Relatório da “Sereia” de branqueamento do Inquérito sobre o BPN que toda a oposição chumbou, e só o PS aceitou, impassível quanto às fraudes e défices daquele, e achando até meritória a supervisão do BP efectuada por Victor Constâncio, mau grado as queixas de Miguel Cadilhe, que acha que o tal Inquérito também lesa o seu bom nome de presidente antigo do BPN, ao pretender defender o bom nome do governador actual do BP – Victor Constâncio, ambos, aliás, de uma honestidade impoluta, haja ou não queixas de que eles ganham somas astronómicas incompatíveis com o estado da nação sendo, por isso igualmente responsáveis pelo clima de fraudes, que levou Oliveira Costa a uma prisão preventiva depois de pôr os dinheiros roubados a salvo, na família, mas que o seu advogado quer livrar dessa penalização a pretexto de que agora já não poderá prejudicar os que confiaram no seu banco, e não tardará que assim será.
E por aí fora, são muitos os casos, tantos que nem se podem contar pelos dedos, e nisto tudo só nos ficou a imagem de gentileza e presumível picardia de Nuno Melo a referir o “canto da sereia” relativamente a Sónia Sanfona por ter tão bem defendido o seu clube, embora ele, como Ulisses, tenha resistido ao canto, este preso com cordas às vergas do seu navio, enquanto os companheiros tinham os ouvidos grudados com cera para não se deixarem assim seduzir. Mas Nuno Melo não precisou de cordas, escudado contra as cantorias de Sónia, com o grude da sua formação democrática.
E Maria de Belém, sorridente e também sereia no seu canto de doçura e eficiência, não perdeu a ocasião de o saudar, desejando-lhe boas manifestações no Parlamento Europeu, lembrando, insinuantemente, e com meiga ironia, que naquele, ele não terá igual tempo de antena, como no nosso.
E nestas pequenas flechas de boa disposição lusa, se passou mais um debate inútil.
Mas lá está Paulo Portas exigindo reabertura da análise ao Inquérito à supervisão do BP sobre a fraudulência do BPN, que ele exige competente e até incómoda, por respeito aos clientes do BPN, que têm as poupanças congeladas.
Entretanto, os nossos votos são para que o canto das sereias se não transforme em canto do cisne, afeitos que estamos à penalização que constantemente recai sobre nós - os machos carregados de aveia.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Olhar para o chão

A pergunta da minha amiga hoje, feita do modo inquisitorial que não há meio de perder, como se fosse da minha competência a resolução dos problemas que a enervam, versou sobre a calçada à portuguesa, que ela achou própria de um mundo arcaico, sem funcionalidade, imprópria para o livre trânsito de pessoas, velhos, deficientes, senhoras de tacão alto e mesmo baixo, pois a cada passo uma pedra calcária ou basáltica, solta do seu lugar, rola sob a topada do nosso pé incauto, ou vamos parar ao chão nalgum baixio, após a subida de uma lomba, com que a calçada à portuguesa nos brinda sem contemplações. Aconteceu com ela, aconteceu comigo e com amigos respectivos. Mas também é da idade, concordo, e disso a calçada não é responsável. Por enquanto tem sido o pé o mais azarado mas ela tem amigos a quem foi o fémur que levou à cama.
O problema que põe é, pois, se os serviços de estatísticas, ou de sondagens que tanto nos apraz utilizar, já determinaram a percentagem dos acamados da calçada – a) os de ossos partidos, que apesar de tudo saem mais baratos, com a maior comparticipação dos serviços sociais, b) os de sobrolho esfarrapado, ou mesmo o olho, mais grave ainda, e óculos partidos, com menor comparticipação dos mesmos serviços. O c), dos outros casos, ela não explorou, apenas atenta aos da sua experiência..
Herdámos a calçada”, constata indignada, “o remédio é andar de cabeça baixa, a olhar para o chão”.
Isso já eu faço, numas cautelas imprescindíveis, ora apoiada no companheiro, de piso mais certo, ora nalgum corrimão ocasional, que não favorece a ligeireza ou a elegância da marcha, há muito retiradas da minha frustração, limitando-me a olhar apreciativamente o donaire das damas que passam de cabeça erguida. O chão, sempre o chão, por mim mirado com cautela periclitante, desdenhando, em orgulhosa aparência de aprumo, o apoio da bengala que me vão aconselhando, em função da calçada.
Comentamos estes luxos de paciência lusa, que já nos deram a azulejaria mourisca, e que nos conduzem directamente à romanização, e aos mosaicos das ruínas romanas com que enriquecemos a nossa conversa, depois de apaziguada a causa dela. Mas na Internet lemos que foi em meados do século XIX que se iniciou o trabalho dos calceteiros, “de cócoras, em linha”, “com lentidão, terrosos e grosseiros”, calçando, “de lado a lado a longa rua”, na visualização aliterativa de Cesário. E vimos belos exemplares de calçadas nas imagens também ali oferecidas, espalhadas pelo mundo lusófono.
Mas, na sua altivez progressista, a minha amiga desdenhou a arte e o esforço, exigentes de muitos gastos supérfluos a um país sem condições para os ter, nem sequer para os consertos, ainda lembrando as deficientes condições que nele se oferecem aos que sofrem de deficiências, e que os actores de revista, não sei se do Parque Mayer, com Marina Mota à cabeça, tinham, pouco antes, revelado exaltadamente e emotivamente, na TVI.
“A calçada à portuguesa lixa o português, trata-se de uma velha e danada herança penalizadora”, diz.
E eu apoio: “Um país que, assim atento a desenhar o chão, não só nos impede de progredir, como, a cada passo, nos tira o tapete de debaixo dos pés...”

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Primeiro joga à defesa

Tal vai o país!”, como comentou hoje a minha amiga! “O desgraçado do polícia primeiro tem que se defender e depois é que atira!” E às vezes mesmo morre, antes de poder disparar. Desta vez não morreu, mas ficou ferido, não chegou a atirar.
Foram dois. Baleados na cabeça, não há protecção para a cabeça e a protecção para o tronco – o colete à prova de bala - têm eles que pagar, pelo menos grande parte deles. Como sabem da protecção do tronco – quem sabe se todos a têm? - os facínoras disparam contra as cabeças.
São corajosos, os polícias. Ganham pouco e arriscam muito. Quem os manda sair do carro que nem sequer é blindado? Para mais com tanto emigrante generosamente acolhido no país, sem se estudar, primeiro, as impressões digitais.
Mas às vezes os polícias revoltam-se e atiram com os bonés ao chão, em greve de protesto contra o governo, fechado nos gabinetes, a legislar, ou a tratar de assuntos mais vultosos. Tais como os assaltos internos dos próprios dirigentes dos Bancos e outros. Os bonés a voarem para o chão são espectáculo de circo, ou de greves, os polícias têm o direito de as fazer, estamos em democracia, o governo concede-o, educadamente. O governo também está em democracia e trata do bem de todos nos gabinetes, sem escutar ninguém, além dos seus vários governantes, atido à ideia de que, se tem a maioria, é ele só que decide e não escuta o clamor em seu redor, dos outros partidos ou dos grupos sociais mais atreitos ao clamor, nem repara nos bonés no meio do chão, porque democracia para ele é gabinete, por conta dos que o elegeram, que foram a maioria.
Para mais, como povo fundamentalista que somos, entendemos que quem manda é sempre o mais forte, disse-o Drácon pelo menos relativamente aos direitos paternos sobre os filhos, li na Internet – (creio que não fala nas mulheres, de pouco relevo sempre, por consequência, de longa data habituadas). Quem manda, repito, é, portanto, o que tem mais força ou o que detém a maioria dos votos.
Também por isso, como informou também a minha amiga, os maridos podem limpar o sebo às mulheres e até aos filhos, segundo a higiénica lei do mais forte no nosso país, mas eu objectei que agora já nos podemos queixar e logo ela, impante e omnisciente, retorquiu que os maridos se podem cruzar com as esposas, nas ruas, e lá fica o caldo entornado. O castigo é suave para os crimes passionais e mesmo os avinhados.
Mas o Ministro da Administração Interna elogia o brio profissional e a dignidade dos polícias baleados e dos outros que ainda não o foram, não falou em reivindicações, mas em heróis.
“Os heróis servem-se mortos”, explicou Reinaldo Ferreira.
Por isso, e por conta dos provérbios que nos assentam como luva – “Depois de cavalo morto cevada ao rabo” ou “Casa assaltada, trancas à porta” - não quero ser menos que a minha amiga em frases de relevo, e concluo vitoriosamente: “O desgraçado do polícia primeiro tem que morrer e depois é que atira”.

sábado, 4 de julho de 2009

Depressões

Para as professoras que gostavam de ensinar, e de aprender ensinando, e iam mais aprendendo à medida que iam melhor ensinando, e se deixaram apanhar pelo complexo de que já não sabem ensinar e anulam tudo o que foi o prazer da sua carreira, de ensinar aprendendo e aprender ensinando, e que vivem presentemente imersas na frustração e na depressão que as levou directamente ao psiquiatra e tomam pílulas para conseguirem chegar ao fim deste ano lectivo, desinteressadas, apáticas, vogando, no horror da imensidão de papéis sem sentido que para elas têm que ter sentido e são cada vez mais os papéis a chegar constantemente do ministério, com cada vez mais exigências, papéis fabricados sem lei nem roque que deixou de haver – o roque é arcaísmo, a lei passará a ser - e com cada vez mais as horas perdidas no espaço da escola, por conta dos papéis e das justificações de não conseguirem fazer passar os alunos que não são bem alunos e não merecem transitar, juntamente com outros que também mal merecem, mas sempre se pode dar um jeito, para não ter que justificar mais reprovações que revertem em desfavor da avaliação que, aliás, deixou de interessar – aos alunos, porque é falsa a avaliação deles, aos professores porque é desonesta a sua – para os professores que também se sentem atribulados numa profissão que deixou de ter sentido e também se deixam abater e deprimir, eu lembro que não vale a pena o suicídio e relembro os versos de Camões, pela boca do Velho do Restelo:
"Já que prezas em tanta quantidade,
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a dá:

E mais: Preza a tua família, se não prezas a tua vida.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ceux qui croient, ceux qui croient croire, ceux qui croa croa


São deprimentes os versos de Jacques Prévert, no seu negativismo contra tudo e todos, na angústia que os percorre, pelo absurdo do mal e pelo cinismo ou a irracionalidade da actuação humana, como manto que abafa as vidas sem esperança, que são as de todos nós. O próprio Napoleão da “Composition Française”, de “Paroles”, quando menino era magro, ganhou barriga e países ao tornar-se imperador, e, quando morreu, ficou mais pequeno, apesar do ventre. Mas nem sempre o ventre se mantém, coisa que, de resto, não importa. Com mais ventre ou menos ventre “passamos, como o rio”, disse-o Ricardo Reis.
Vem isto a propósito da frase da minha amiga, na bica de hoje: “Chega-se à triste conclusão de que o que interessa é que nada fique bem”.
Depois deste esbanjar de falas, por vezes liminarmente reduzidas a gestos – como se não nos bastasse o da caricatura de Bordalo, ainda temos que suportar mais esta do Pinho para nos definir como povo preferencialmente ligado ao discurso gestual – verificamos as nossas anomalias rotativas, pois cada governo, cada procurador de Justiça, cada ministro de cada ministério, embora prometa que faz e conclua que fez, vê-se que nunca fará, nem nunca pode fazer, sempre manietado, sempre empeçado nas malhas de uma engrenagem conspirativa, quer dos donos do capital que impõem e usurpam, quer dos partidos da oposição que atacam e condenam, quer das suas próprias ambições que exploram e esbulham. Mas se são os partidos da oposição a governar, logo ficam manietados também, pelos donos do capital que impõem, pelos partidos que foram do governo, agora na oposição, que condenam e atacam, pelas suas próprias ambições que os movem e desacreditam.
E já ninguém acredita, nem nas propostas bem intencionadas da oposição que quer mandar para reformar o que está mal, segundo afirma, embora os ingénuos desejem que se concretize a mudança e se concretizem as reformas. Para extirpar o mal – na Educação, se é que se pode chamar assim, na Justiça, que finge que o é, na disciplina que devia ser, no tecido social que não devia gemer...
E aqui vamos nós “cantando e rindo” ... ou não - “ceux qui croient, ceux qui croient croire, ceux qui croa croa », ceux qui... même pas ça.




quinta-feira, 2 de julho de 2009

“A farturança do sol”

O desejo de notoriedade da minha amiga é notório. Depois de lhe transmitir o meu texto das cerejas a pedido do sr. Casimiro Rodrigues, lançou com a costumada energia: “Olhe lá! E quando é que faz um texto a meu pedido?” Embirro que me digam “olhe lá” sem vocativo, o que denota uma susceptibilidade a qualquer inadvertida atitude ou acção minha menos cordial, mas barafustei com modéstia que não tinha razão, pois grande parte dos meus textos são devidos às nossas expansões emotivas depois das compras sobre o mundo que vai, e de que ela constantemente me alarga os horizontes durante a deslavada bica. Além disso, quem era eu para colaborar na glória alheia, na humildade do meu deslizar existencial?
Mas, enquanto ela foi ao Mini Preço, virei eu para a loja dos congelados comprar umas postas de pescada do Chile - as últimas, pois a loja vai fechar.
Quando nos sentámos no cafezinho ao pé, contei-lhe do encerramento do peixe, ela, da extensão da única bicha no atendimento das três caixas do Mini-Preço, em poupança de pessoal. E falou-se de recuperação improvável na crise que nos corrói.
- O turismo... - objectei timidamente.
- Não dá! “Com a farturança de sol” que temos, “o sol devia vender-se ao grama”, para combater a crise, mas nem assim.
Admirei a expressão hiperbólica, mas achei que tal negócio nos conduziria directamente à desertificação. Mas, imperturbável, continuou:
- E se o Algarve tem condições! Hotéis bons, ruas para andar, terras viradas para o mar, praias fabulosas, belíssimas, de Vila Real de Santo António até Lagos, é tudo bom.
- E a Ponta de Sagres para a cultura, reflecti, embora não conheça.
Falo muitas vezes de cor, com nomes que me vêm dos primórdios da infância, quando me exigiam, na escola, que os despejasse: Faro, Lagos, Silves, Tavira e Portimão... Lembrei mesmo, como excelente promotor do turismo, Mário Gil, o cantor português que veio do Brasil recuperar saudosamente os caminhos de Portugal todos, nas suas belezas e nos seus sabores, e não só o Algarve.
Mas a minha amiga embicou para o Algarve, que conhece bem: Albufeira, pequeno espaço, mas terra onde as ruas cheias denotam que há turismo, Vila Moura que podia ter mais, pois tem marina e cafés, Monte Gordo, belíssimo espaço, Manta Rota...
-“Porque são só três meses, porque não é o ano inteiro”?
Quis ajudar:
-Talvez a nossa falta de motivos culturais, pois tirando o corridinho e o artesanato, com os “dons Rodrigos” e os bolos de amêndoa e até de figo, além das sardinhas assadas, a saber a mar, há muita falta de eventos de projecção... Repare que nas grandes cidades do grande mundo, o turismo faz-se o ano inteiro, graças às luzes culturais que o chamam.
- Mas nós temos as praias e o sol algarvio, o belo sol que devíamos vender ao grama, pois poucos países o têm como nós.
- Mas o meu amigo sr. Marques foi com a família para La Manga, na costa sueste de Espanha, onde há sol, conforto, gentileza para atrair turistas, onde se criaram as estruturas urbanísticas necessárias, e onde é mais barato... Será que é isso também que nos falta? Conforto e gentileza? Estruturas urbanísticas? Civilização?
Cá por mim, até acho muito complicada a arte de governar, se nós não colaborarmos com o mesmo arreganho empreendedor nas propostas do governo, valorizando-nos culturalmente, além de estruturalmente.
Os media fazem os possíveis, mas muito do que oferecem são programas de tipo popular, que, em vez de apelar para uma consciência formativa, vai ao encontro dos nossos pobres valores culturais, virados para a sensibilidade e o saudosismo popular, na confusão, em banalização narcísica e ruidosa do espectáculo televisivo, apesar, como factor positivo, dos debates, entrevistas televisivas ou radiofónicas para esclarecimento do público e reconhecimento do carisma das nossas figuras públicas ou das nossas figuras intelectuais.
Bom seria, como contributo formativo mediático, o estabelecimento de um serviço público que, menos condicionado por programações de tipo novelesco ou de intervenção juvenil pouco educada e serena, contemplasse propósitos mais culturais e mais sérios, com programas divulgadores da actividade cultural do país, ou programas de animação cultural sobre a língua, a literatura, a ciência em geral, a música clássica ou ligeira, a arte em geral - sem o carácter esporádico ou tardio com que por vezes se afirmam, e acompanhados de exemplificação imagística ou musical esclarecedoras.
Fôssemos nós menos tacanhos, obteríamos melhores resultados até mesmo no turismo.
Mas a minha amiga não desiste, nas suas propostas de recuperação económica:
- Pois, mas o sol obtém-se de graça, e o estudar fica caro, aos governos e às famílias...
Decididamente, não iremos longe.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Cerejas... como vos quero!

Fiz um texto sobre uvas - as uvas portuguesas da nossa apetência – e o sr. Casimiro Rodrigues pede-me que faça um sobre cerejas, “a fruta mais gostosa do mundo”. E vistosa, também, eu concordo. Era a fruta de que mais tinha saudades, nas terras de África onde elas não existiam.
É! O tempo das cerejas é breve, já diz a balada popular francesa, composta pelo revolucionário Jean Baptiste Clément, que recorda amores e prazeres com sol.
Ouço-a, pela Internet, na interpretação nostálgica de Yves Montand que nos transporta saudosamente ao passado de alegrias e fricções dos tempos da juventude.
Mas a canção “Le temps des Cerises” tornou-se igualmente o hino dos insurrectos da Comuna pelo ano de 1871, no simbolismo da cor vermelha do sangue e da bandeira, contido na cor rubra do fruto, e durante a segunda guerra, foi expoente da resistência à opressão, de liberdade, de solidariedade.
Contudo, Jacques Prévert, no poema “L’Âge des noyaux” de 1936 parodia o heroísmo e gratuitidade da guerra, pondo a ridículo os tristes pais enlutados que cederam os filhos à guerra, por submissão a mentores e a princípios que continuam válidos ainda, apesar dos poetas satíricos. Reinaldo Ferreira, no seu poema “Receita para fazer um herói”, retoma o tema com idêntica violência, saliente na explosão final do seu sarcasmo: “Serve-se morto”.
Mas as conversas são como as cerejas e volto às nacionais, que compro, quase diariamente, na recente casa da fruta - cerejas rubras, carnudas, bonitas, do Fundão. Irresistíveis, portuguesas. Creio que o Sr. Casimiro não as encontra no seu Brasil, e sugiro-lhe que faça férias brasileiras em Portugal pelo tempo das cerejas, para matar as saudades.
Nos campos abandonados e desertificados, bom seria que mesmo os licenciados que não encontrassem emprego nas especificidades das suas carreiras, fossem estimulados a regressar à terra, cultivando-a, com meios tecnológicos adequados, e vencimentos correspondentes aos que receberiam nos seus cursos específicos, para tornarem o país mais cultivado e mais culto. Mais rentável.
No programa francês “Questions por un Champion”, muitos concorrentes que lá vão trabalham a terra, fabricam o pão, cultivam jardins e demonstram ser cultos. Era assim que o nosso país poderia progredir melhor. Porque a terra não tem que ser revolvida apenas com o sacho e o arado, apenas por gente que toda a vida viveu subjugada a uma terra opressora.
Com o mesmo amor desses, sim, mas com outros meios, que tornassem este país mais verde, e com muitas árvores frutíferas, muitas cerejeiras, muitas laranjeiras e tomateiros que não seriam lançados fora por falta de escoamento para os mercados.
As conversas são como as cerejas, e sei bem quanto é utópica esta minha. E triste, por influência da balada do Yves Montand, talvez, lembrando a fugacidade do tempo bom, da polpa doce e rubra das cerejas que ficam na recordação, ou a dureza do caroço, do poema de Prévert, lembrando o absurdo da guerra.
Mas nós estamos na guerra, não temos que estar alegres. O Sr. Casimiro Rodrigues, compreensivo sempre, desculpar-me-á, e, para amenizar, adornará o post com um desenho de belas cerejas apelativas, para os brincos das orelhas e para o prazer gustativo.

“Palavra de Sócrates”

Não tem a ver com o nosso. É mais uma de La Fontaine, cheia da magia do seu verbo, pondo em destaque a qualidade intelectual do filósofo grego e também a sua.
Um dia, Sócrates construiu uma casa. Logo todos se puseram a sentenciar sobre a dita, que achavam indigna da sua pessoa, com apartamentos minúsculos, uma fachada deslavada, portas e janelas à míngua, nada a condizer com ele, universal na dimensão do pensamento.
Vai Sócrates e disse: “Quem me dera, assim minúscula, enchê-la de amigos verdadeiros!”
E la Fontaine a concluir, no seu saber incontornável:
«Le bon Socrate avait raison / De trouver pour ceux-là trop grande sa maison. / Rien n’est plus commun que ce nom / Rien n’est plus rare que la chose. »
Também o nosso Camilo, creio que já o disse mas repito, contou que dos cento e dez amigos que tivera, só um o visitara na cegueira. O que lhe valeu foi que pôde vingar-se, apodando-os de «cento e nove impávidos marotos.»
Diz-se que na adversidade é que se reconhecem os amigos leais, mas Sócrates, o grego, teve-os, apesar das suas dúvidas, até na hora da morte, em que não deixou nunca de falar e de explicar os efeitos graduais da cicuta sobre o seu corpo condenado, em demonstração de um estoicismo estarrecedor, a raiar o masoquismo e o despudor.
Não sei como será a questão dos amigos com o nosso Sócrates português, colorido e vistoso no seu poder, a casa cuido que bem frequentada pelo seu clube de fãs. Será que se manterão firmes a seu lado segundo a heróica divisa mosqueteira “Um por todos e todos por um”? É tudo tão fugaz!
Cá por mim, previno-o com mais uma fábula moralista, também do La Fontaine, que era um maganão cheio de saber sobre a imutável humanidade: Trata-se de um pastor e o seu rebanho que o lobo glutão ia despojando dos pobres ovinos. Mas quando desapareceu Robin, o valido entre os carneiros – que há sempre validos nos rebanhos – o pastor não conteve a sua dor e desancou verbalmente os carneiros, todos em pose de contritos, pela falta de coragem em se defenderem e aos seus, segundo a divisa mosqueteira. Todos se comprometeram a demonstrar mais bravura para o próximo atentado lupino, mas não foi assim. Deram às de vila Diogo, mal enxergaram o assaltante.
Assim, pois, industriado e fortalecido com este aviso da fábula, escusa o nosso Sócrates de estar com pruridos de parcimónia construtiva, como o seu antepassado grego, por conta das amizades. Pode edificar o seu ou os seus palácios com o tamanho que lhe apetecer e puder – e deve poder – indiferente à ideia de os encher de amigos. Outros recheios há, bem mais importantes e seguros.