terça-feira, 23 de abril de 2024

Torneando

 

Voltando sempre à vaca fria das contestações…

Liberdade não tem mas

É um caminho perigoso que se vai tomando. A democracia é conceito formal e processual, e não substantivo e programático.

Nuno Gonçalo Poças

Colunista do Observador. Advogado, autor de "Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril"

OBSERVADOR, 23 abr. 2024, 00:202

É uma daquelas raridades a que não estamos habituados. Pedro Passos Coelho, no podcast de Maria João Avillez, falou sobre os anos da troika, expôs a sua visão, fez notar divergências, enfim, exerceu a sua liberdade. Paulo Portas respondeu a várias das afirmações do ex-Primeiro-ministro e expôs a sua visão, afirmando que via a troika como um mal necessário ao passo que Passos Coelho a entendia como um bem virtuoso. E fê-lo, naturalmente, também de forma livre.

Não me compete, por variadíssimas razões, julgar as duas opiniões. Na verdade, saber quem tem razão, neste caso em particular, é até de uma irrelevância só capaz de excitar o jornalismo mais incapaz. O que Passos, primeiro, e Portas, depois, fizeram foi um exercício de liberdade e de respeito pela memória histórica. De resto, as duas visões, aparentemente contraditórias, não o eram tanto assim, ou pelo menos visavam objectivos semelhantes, já que, com mais ou menos dificuldades, o processo de ajustamento financeiro foi concluído, o Governo chegou ao fim do seu mandato e a coligação entre os partidos que ambos lideravam até conseguiu ser a força mais votada nas eleições seguintes – embora esse resultado se tenha traduzido numa maioria de esquerda, num movimento de que a direita ainda não recuperou totalmente.

Ambos falaram sem rodeios e, de forma quase inédita em Portugal, contribuíram para um desenho da História que deve ser feita com a memória fresca, e, ao contrário do que entre nós é mais habitual, não colocaram num túmulo as percepções, as opiniões e os factos. A grande vantagem de se falar da História recente (ou recentíssima, como é o caso) com todos os intervenientes vivíssimos da silva é precisamente esta: os factos podem ser oferecidos ao futuro acompanhados das devidas visões sobre os mesmos, para que os cidadãos do futuro possam julgar os factos objectivos do passado com as diversas perspectivas subjectivas diante dos olhos e aí, então, tirar as conclusões que entenderem.

O nosso hábito tem sido, infelizmente, mais o de fazer com que saia vitoriosa, uma das narrativas em combate, para que dela seja cristalizado, então, um facto incontornável. Ora, os factos stricto sensu não podem ser ignorados, mas a História, a política e a sociedade são mais do que factos. Como escreveu em tempos Lucas Pires, o regime onde só há factos é uma ditadura.

Sucede que as democracias modernas, de forma inorgânica e social, têm feito um caminho perigoso no sentido dos factos absolutos, em detrimento da liberdade de opinião e de expressão, por exemplo. Foi também esse o caso em que se viu envolvido o mais recente «livro negro», o tal apresentado por Pedro Passos Coelho. A velocidade pós-moderna a que circulamos já colocou Identidade e Família num arquivador histórico, mas talvez valha a pena aqui regressar não ao livro, mas às reacções que o mesmo suscitou. Se é certo que uma coisa é o conteúdo de cada um daqueles textos, analisado de forma individual, também é certo que outra coisa é o direito a que tenham sido escritos e possam ser lidos. Uma coisa é criticar substantivamente um ou outro texto, em divergência livre e fundamentada; outra coisa é adjectivar todos os que ali escreveram, culpando-os, incluindo o apresentador do livro, de serem «de extrema-direita» ou «fascistas» (aliás, um dos factos interessantes a que assistimos foi à certeza com que tantos acusaram o apresentador do livro de radicalização, ao passo que, pelo menos, dois dos autores, Manuela Eanes e Oliveira Martins, sobreviveram aos epítetos). É um caminho perigoso que se vai tomando. A democracia é conceito formal e processual, e não substantivo e programático. Se começamos a tomar como não democratas todos aqueles que, de alguma forma ou nalgum momento, discordam das verdades oficiais, das opiniões tornadas factos ou de determinada posição política mais apreciada do que outras, acabaremos mesmo todos por ser, de alguma forma, não democratas, controlados pelos alegados verdadeiros democratas, uma casta pura de tiranetes que decide o que cada um deve ou não pensar. Se há coisa que devíamos fazer, ainda por cima nesta semana em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, era dedicar mais tempo a ouvir aqueles de quem discordamos e a responder-lhes com mais substância do que com adjectivos. Suponho que o país que se diz inteligente e culto não aguente o esforço. Boa parte do jornalismo, então, era capaz de ter uma apoplexia.

DEMOCRACIA      SOCIEDADE

Factos e actos


A seriedade habitual de José Ribeiro e Castro na sua escrita de rigor e de vigor.

2.º assalto: o livro e Pedro Passos Coelho

Aquilo a que assistimos foi a um festival de distorção e manipulação. Do livro pouco ficou a saber-se. E, de Passos Coelho, “soube-se” o que ele não disse, em vez do que realmente disse.

JOSÉ RIBEIRO E CASTRO Advogado e cidadão

OBSERVADOR, 22 abr. 2024, 00:1564

Nesta fase totalmente nova em que a oposição é liderada a partir da comunicação social, o 2.º assalto tinha sido o livro “Identidade e Família”, apresentado por Pedro Passos Coelho, em 8 de Abril: um festival de distorção e manipulação, sobre um e outro. Do livro pouco ficou a saber-se. E, de Passos Coelho, “soube-se” o que ele não disse, em vez do que realmente disse. A transcrição integral está publicada pela CNN Portugal, não editada e não deixando, portanto, margem para dúvidas.

Pela manhã, o diapasão foi dado numa peça de David Dinis, no Expresso, intitulada «Passos Coelho apresenta um ‘manifesto’ contra “os adversários da família”», descrito, em destaque, como «um livro que reúne 22 contributos da direita mais conservadora, contra a “destruição da família” tradicional.» Tudo seguiu nesta onda hostil, imediatamente ampliada pelo velho Twitter (hoje, X).

O livro foi alvo premeditado de “guerra cultural”. Pela técnica de virar o bico ao prego, acusado de a promover. Amplo e variado, o livro reúne 22 textos de 22 pessoas diferentes, com opiniões próprias e abordagens específicas. Foi amassado num pseudo-manifesto (que não é) para linchar todos em bloco e de uma só vez.

Nas televisões, eclodiram comentários de autoridade contra o “manifesto”, sem sequer o terem lido. Mesmo em textos escritos, o tom, em geral, não teve sombra de seriedade. Rolou uma enxurrada extremista de chavões, insultos e desqualificações: “ultraconservador”, “revanchista”, “medieval”, “retrógrado”, “direita ultramontana”, “ideias regressivas”, “francamente reaccionários”. Evidência de como, em oito anos, o olhar “geringôncico” ocupou palco, frisas e camarotes – e quer manter-se pensamento único.

O livro é um acto de liberdade de consciência e de liberdade de expressão dos autores, cada qual com as suas preocupações, a sua visão e as suas ideias. Já os ataques parecem eco de uma voz coordenada: “afirmam estar a fazer uma defesa, mas fazem na verdade um ataque à liberdade de todos os que não vivem de acordo com os seus princípios e valores” (Carmo Afonso); “impondo aos outros todos a sua visão retrógrada sobre a sociedade” (São José Almeida); “o projecto é obrigarem todos e todas nós a vivermos de acordo com os seus princípios” (Susana Peralta). Surgem também inquietações exóticas:desconstrução da heteronormatividade, binarismo e cisgenderidade; historização do patriarcado, do racismo e da interseccionalidade” (Cristina Roldão). E, claro, lá vem o tique proibicionista: “ameaça [real] que todos eles representam a quem constituiu família fora do molde patriarcal e a quem não se coaduna com um modelo familiar. Isto não é admissível” (Carmo Afonso).

Uma dose concentrada e violenta de radicalismo e, por vezes, de extremismo pertenceu a Manuel Carvalho. Contra os autores: “a apologia das famílias que os autores do livro fazem é a clássica família tradicional, binária, ungida pelo sacramento divino, tecida para a vida, orientada para a procriação e para a reprodução dos valores tradicionais.Contra o livro: “um modelo salazarento da Pátria e da Família”, “ideologia castradora dos ‘portugueses de bem’”, “doutrina contaminada pelo saudosismo autoritário”. E contra Pedro Passos Coelho: “prócere do arcaísmo da direita radical”, “fantasma movido pelo calculismo, pelo cinismo, pela reacção”, “apoio à falange conservadora e católica dos moralistas da família tradicional”, “reflexo da direita videirinha e arcaica”, “periferia do radicalismo”.

Carmo Afonso confessou: “Nasci numa família a que todos chamariam tradicional. Tenho um pai e uma mãe que se casaram e que vivem juntos há mais de 55 anos.” (Ficou a dúvida sobre se seria o modelo zurzido por Manuel Carvalho.) E também surpreendeu: “Compareci à apresentação do livro ‘Identidade e Família’, por Pedro Passos Coelho.” Presumo que foi bem tratada na sala, se não teríamos sabido. Ou talvez nem lá tenha estado. Escreve: “Passos Coelho falou pouco sobre o livro e fez da apresentação um comício político no qual (…) deu destaque à defesa de um entendimento com o Chega, expondo publicamente uma exuberante rota de colisão com Luís Montenegro.”  Afinal, Carmo Afonso esteve certamente noutro sítio. Eu estive lá e o que ouvi foi Passos Coelho falar muito do livro e nada sobre o Chega.

Aquela foi a narrativa imposta pela comunicação social: Passos pressiona Montenegro a entender-se com o Chega. Assim queriam, assim fizeram. Sigamos, por exemplo, o guião da SIC-Notícias, em peças de Diogo Teixeira Pereira.

Numa, aludindo a um isco de André Ventura na campanha eleitoral, o jornalista abriu logo a apontar Passos Coelho como “força viva” do PSD que quer Montenegro a repensar o “não é não”. O oráculo apoia: “Ex-PM pressiona PSD a entender-se com Chega”. As frases de Passos a seguir, sobre pessoas desiludidas, são genéricas e passíveis de interpretações várias. Usadas em separado e vestidas com aquele colete, dão para pintar a narrativa.

A citação seguinte – “Quando nós dizemos que respeitamos as pessoas, mas não respeitamos as suas opções, as suas decisões, isso é um bocadinho um insulto às pessoas” – é exibida com recurso a sugestiva arte técnica: as imagens de Passos Coelho são intercaladas por um plano de corte (minuto 09:45), mostrando brevemente Ventura a ouvi-lo e a acenar com a cabeça. A montagem sugere que Passos estava a falar para o líder do Chega e este concordou. Ora, não só a frase é genérica, como aquele plano resulta de filmagens de Ventura na assistência noutro momento. O mesmo plano de corte é usado na peça seguinte do mesmo jornal, para sugerir a mesma interacção Passos/Ventura noutro trecho sobre família e educação (minuto 12:57). E ainda noutra peça. Nada disto é real. Mas a narrativa foi embelezada a jeito. O telespectador pode dizer: “Eu bem vi o Passos a falar p’ra ele e o Ventura a dizer que sim.” Estará enganado. É montagem. É “fake”.

A outra peça é bastante pictórica, coligindo imagens e ditos de vários momentos. Começa em 2017 com a candidatura de Ventura a Loures pelo PSD, sendo líder Passos Coelho. Daqui, voa para a Livraria Bucholz, em 2024, para a apresentação do livro. Volta a ser usado aquele plano de corte, agora para pintar um trecho da narração: “Ambos voltaram a perceber que é muito mais o que os une do que o que os separa”. Posto o que, sem que se perceba em que se apoia, o jornalista assevera que “o novo Primeiro-Ministro [Montenegro] confirma uma suspeita que eventualmente já tinha: Passos não gosta do cordão sanitário ao Chega.” Recuamos, então, ao Campus da Justiça, em Dezembro de 2023, para afirmações de Passos Coelho, a que o jornalista contrapõe que, “se [hoje] fosse o tempo de Passos, o Chega não ficava a agitar bandeiras sozinho”, saltando a peça do Campus para o comício de Faro, em Fevereiro, para, com bandeiras da AD a agitar-se, Passos falar de imigração e de segurança. Novembro de 2023 é a nova escala: em texto, Passos Coelho diz que o Chega não é antidemocrático. E, seguindo às arrecuas, aterramos em Agosto de 2022, na Festa do Pontal, com Montenegro a brincar com o “papão do passismo” e a elogiar Passos Coelho primeiro-ministro. Depois de andar para trás e para diante, a peça termina em avancismo acentuado: “O grande Primeiro-Ministro que já inspirou Montenegro, tem agora um apoio prometido pelo Chega para uma eventual corrida presidencial, mas talvez Passos Coelho ainda sonhe com o regresso a São Bento.”

A comunicação social foi, em geral, assim: inventiva quanto baste. A RTP pareceu-me ser mais objectiva e factual. Já a TVI e a CNN alinharam pelo enviesamento. Cito a entrada de José Alberto Carvalho no “Jornal Nacional” de 9 de Abril: “Numa intervenção de 45 minutos, o antigo Primeiro-Ministro disse que não percebe a falta de diálogo à direita. Daí, o apelo à conversação e negociação com o Chega. E considera que o “não é não” de Montenegro pode acabar por maçar os portugueses.Três frases, três ideias falsas: não falou de diálogo à direita; não falou de negociação com o Chega; não falou do “não é não”.

Correndo o mesmo risco, é a minha vez de fazer citações de Passos Coelho, na livraria. Primeiro, um trecho que foi enviesado como favorável ao Chega e crítico para Montenegro:Eu acho, sinceramente, percebendo que isso aconteça, que era preferível que oferecêssemos às pessoas uma imagem diferente. Há muitas pessoas que se começam a cansar desse teatro, porque se trata de uma teatralização, porque não é genuína, não é autêntica, é posicional, é táctica. Fazem-se discursos para a bancada, para agradar, para mobilizar certos apoiantes, para condicionar os outros.” Estas são, como se vê, considerações genéricas. Mas, quer na altura, quer agora, pareceu-me que, a vesti-las a alguém, caberiam ao Chega como uma luva: crítica clara à forma como abrira a nova Assembleia da República e ao espalhafatoso teatro armado em torno da eleição da Mesa.

Depois, palavras ditas à chegada à sala:Hoje, a família não só nem sempre é considerada nas políticas públicas, como as políticas públicas muitas vezes desconsideram a família, em qualquer das suas visões ou idealizações. E isso não é bom. Quando nós queremos discutir as coisas com seriedade, temos de tomar as diversas visões e discuti-las, com o espírito aberto e o espírito tolerante que devemos ter. A mim, impressiona-me um bocadinho que o espaço público esteja demasiado dominado por caricaturas.” E mais à frente: “Acho muito importante que as sociedades mantenham espaços de racionalidade, que saibam caldeá-los com a emotividade com que às vezes certas coisas se discutem, mas sem os exacerbamentos que prejudicam uma análise séria e, sobretudo, muitas vezes prejudicam que haja uma integração dessas visões numa visão comum da sociedade.

Enfim, as últimas palavras do discurso, na Livraria Bucholz: “Os motivos que reúnem esta associação são muito nobres, eu neles me revejo nesse sentido, mesmo que possa não subscrever todas as opiniões que são expressas – e ainda bem. Julgo que ninguém se revê em todos os pensamentos que existem. Mas devemos respeitá-los de uma forma íntegra e é isso que eu espero que os próximos anos possam devolver ao espaço público português.”

Manuel Carvalho, naquele seu texto escrito com a vergasta, citou Passos Coelho em 2008: “Sou um liberal, sou um homem que acredita na democracia liberal, sou um reformista porque sou contra o imobilismo, sou solidário acredito que a sociedade não pode ser uma selva com a lei do mais forte.” E fechou o parágrafo, perguntando: “Onde está esse Pedro Passos Coelho?”

A resposta parece simples. Quanto a esta substância, está no mesmo sítio: nada disse ou fez que o contradiga. Só ele pode dizer e explicar se houve alguma evolução. Há que perguntar-lhe. Mas, depois, contar o que ele disser. “Fake news”, “fake words”, “fake pictures” – não presta. Usar o bornal de insultos e chavões também não.

PEDRO PASSOS COELHO     POLÍTICA     

COMENTÁRIOS (de 64)

Maria Nunes: Excelente artigo JRC. 50 anos depois do 25 de Abril, são os jornalistas a fazerem censura. Nunca pensei em assistir a isto. São a nova PIDE travestidos de democratas..             Velha do Restelo: Muito obrigada pelo artigo e pela paciente inclusão, passo a passo, dos factos que presenciou (também lá estive) e do "Cozido à Portuguesa" adulterado que a CS nos pretendeu servir.                S N: Excelente e completamente rigoroso registo do muito baixo e horripilante estado em que se encontra hoje e para o qual se deixou arrastar a "comunicação social" portuguesa, para qual a verdade factual deixou de importar. Os casos referidos do Expresso, da Sic, da TVI e do Público são demasiado evidentes e repetidos que comprovam um padrão inequívoco, apesar das exceções, que também existem. A propagação pelos restantes meios de comunicação da campanha de fake news descrita no artigo revela que o problema é muito mais grave e quase geral em Portugal. Obrigado ao autor por mais este verdadeiro contributo cívico.            Rosa Silvestre: Ainda bem que escreveu este artigo. Quase todos os dias apetece fazer uma recensão crítica às peças das diferentes televisões de tal maneira distorcem o que se passa neste País, mas para além do trabalho que dá fundamentar a análise é também necessário ter a objectividade e independência necessária. Não costumo agradecer artigos ou opiniões, porque uns são o trabalho do autor e outros o exercício da liberdade própria, mas, hoje, agradeço-lhe este artigo tão raro quanto necessário. Muito obrigada!                 Ricardo Lacerda Dias: A Carmo Afonso não merece um traque. Não se combate um com outro. É claramente uma frustrada, invejosa e malévola. Está á procura de um sentido na vida na busca de lutas e causas, qual D. Quixote pelas quais lutar. É uma triste. Bloco de esquerda até dizer já chega!                Carlos Chaves: Como disse o Jorge Marrão no último Think Tank do canal da cor do dinheiro (Camilo Lourenço), a CS deixou de ser “media”, mediadores, passou a ser interveniente activa, o que é o oposto do que o jornalismo deve ser! Não raras vezes os convidados a debater o(s) “jornalista(s) não promove(m) o debate entre eles, mediando, mas ao contrário é ele/ela próprio/a que interfere no debate e critica/ou elogia os convidados a debater! Sendo assim a maioria da CS não tem legitimidade para se prestar a este papel, pois não foi eleita para o fazer, ao contrário do poder politico o único com essa legitimidade, pois foi eleito por todos os eleitores que votam! O PS ao financiar a maioria da CS (durante o confinamento), reverteu aqui os papéis, originando a situação completamente inaceitável em que nos encontramos! Tudo isto faz parte de uma estratégia, não é por acaso que a “direita” tem má imprensa, pior é constantemente atacada, menorizada e deturpada pelos “jornalistas” lacaios da esquerda! Cabe-nos a nós eleitores correr com esta gente toda!       “Cito a entrada de José Alberto Carvalho no “Jornal Nacional” de 9 de Abril: “Numa intervenção de 45 minutos, o antigo Primeiro-Ministro disse que não percebe a falta de diálogo à direita. Daí, o apelo à conversação e negociação com o Chega. E considera que o “não é não” de Montenegro pode acabar por maçar os portugueses.” Três frases, três ideias falsas: não falou de diálogo à direita; não falou de negociação com o Chega; não falou do “não é não”. “Num país normal este senhor estava na rua no minuto seguinte, com uma placa à frente e outra atrás com letras garrafais – MENTIROSO!            Filipe Paes de Vasconcellos: Já estou como o outro: Habituem-se! Esta rapaziada que se julga bem pensante mas cuja audiência não vai muito além deles próprios, revelam uma mediocridade enorme. Têm de começar a habituar-se a falar sozinhos e a perceber que a sua influência no eleitorado cada vez se vai tornando mais insignificante, pelo que mais cedo que tarde se terão de fazer à vida e dedicarem-se a trabalhar.          João Floriano: Excelente artigo. Para bem da minha sanidade mental não leio os textos dos e das escribas de extrema esquerda que poluem em geral a nossa CS e alguns órgãos em particular. Só as transcrições desta crónica me deram azia para o dia todo. Esta gente é na realidade execrável e verdadeiros ditadores do pensamento. E como gostariam de ir mais além e ter igualmente nas mãos as chaves de cadeias no sentido real da palavra!                João Amorim: Texto certeiro. A esquerdalhada desonesta e mentirosa domina os meios de comunicação. Abundam os jornalistas frustrados, sabujos e mal pagos, em suma, toda uma classe profissional nas ruas da amargura e que é hoje miserável. A excepção vai sendo, em alguma medida (pouca), ao centro, o Observador, e à esquerda o Página Um (não há um único jornal de direita).             Americo Magalhaes: As eleições de 10/03 também representaram um vermelho directo a toda a CS do Pensamento Único..... Ironicamente é esta CS que temos a poluir todo o nosso espaço informativo, visual e escrito, que se acha no direito divino de impor a Censura a quem pensa e se expressa de forma diversa..... e caminham agora para impor a sua Inquisição fazendo a perseguição soviética.                  Vitor Prata: Está na hora de o actual governo e maioria de direita arrasarem o domínio e controlo da geringonça sobre o espaço mediático e académico que subvertem a cultura nacional e impõem ideologias exteriores, à custa dos erário público que parasitam.               Baltazar Mateus: Caro José Ribeiro e Castro Temos opinião publicada e não opinião pública. A citação é de Winston Churchill. Em Portugal temos este cenário nos últimos oito anos de forma pertinente.           Lily Lx: CS deplorável. Claro que a esquerda quer os contribuintes a pagar pelos jornais e aos jornalistas para continuar a ter palco e altar. Se a CS tivesse mais qualidade (leia-se isenção devida), talvez tivesse clientes.               Joao Cadete: Comunicação social miserável que está a mostrar bem ao que vem. Pena que o observador vá atrás da carneirada.                 Paulo Machado: Estamos num belo caminho... E não só as noticias são enviesadas, como agora se comentam as notícias publicadas em vez dos factos em si...               John Doe: A Esquerda Radical e a Esquerda Caviar, estiveram durante 8 anos a alimentar a cultura Woke, e claro que se sentem ameaçadas quando aparece alguém a discordar do pensamento woke que elas querem que seja único e sem críticas. E a comunicação Social é o circo habitual, para mais infiltrado ou de "jornas" obedientes e amestrados pela precariedade, ou por "jornas" eles próprios wokes. Felizmente ainda há quem se levante contra este estado de coisas.               José B Dias > Maria Nunes: Nem é só censura, é mesmo pior dado que para lá de omitirem ainda se dão ao luxo de criarem realidades alternativas ... noutros tempos ninguém duvidava de se tratar de desinformação e propaganda! PS: Note-se que nos dias que vivemos, desinformação e propaganda passaram a ser definidas como tudo o que não confirmar respeitosamente a narrativa oficialmente sancionada.

Joaquim Silva: A parasitagem de esquerda no dia a seguir que largaram o governo já não se lembravam que tinham la estado a destruir tudo. Na politica vale tudo, é claro que com o apoio da comunicação social.     Tomazz Man: Obrigado por dissecar as peças "jornalísticas" e assim as expor como são: propaganda.    Francisco Ramos > António Soares: Uma vez, em conversa com alguém ligado à alta finança, foi-me dito que era quando o partido socialista estava no governo se faziam os grandes negócios. Tem sentido a posição da SANAE.               António SoaresJoão Floriano: Só não percebo qual o interesse da SONAE em servir este lixo aos portugueses. Ou haverá?               José Paulo C Castro > Pedra Nussapato: Isto não é sobre o livro, caso não tenha reparado. É sobre os media que temos, que elevam a profissão mais velha do mundo a coisa mui digna.            maria santos: Esta gente da esquerda dos jornais e televisões respira ódio a tudo o que seja serenidade e bem-estar. Bem estar na família, no trabalho, no lazer, nos estudos e por aí fora, até o simples acto de beber uma cerveja numa esplanada a ler um livrinho em sossego, é motivo de ódio desatado. Nos resultados eleitorais de 10/Março esta gente dos jornais e televisões do PS do ódio viu o alcance da vitória das direitas e percebeu que já não têm chão firme, perderam o domínio do verbo e da acção. Deixaram de ser comprados e sintonizados porque, perceberam, muitas e muitas pessoas querem viver a vida e não o ódio. Em síntese, o "não é não" de Montenegro perdeu, ponto final.             GateKeeper > Vitor Prata: Estaria, meu caro. Estaria. Com o actual "centrão",... Não vai estar, certamente.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

O Ocidente

 

Entre duas guerras.

Guerra na Ucrânia

Ocidente defendeu Israel do ataque do Irão. Porque é que não protege os céus da Ucrânia?

Ucrânia denuncia duplos critérios do Ocidente, que protegeu céus israelitas mas não protege ucranianos. EUA dizem que querem evitar guerra contra Rússia. E há mais factores que motivam a falta de ação.

JOSÉ CARLOS DUARTE: Texto

OBSERVADOR, 21 abr. 2024, 20:0417

A coligação que se formou entre Estados Unidos, Reino Unido, França e outros países aliados para defender os céus israelitas dos drones e dos mísseis iranianos mostra que o Ocidente estava decidido a não permitir um ataque contra Israel. A cerca de três mil quilómetros de distância, a Ucrânia, que tem estado em guerra com a Rússia e que tem sofrido ataques aéreos quase diários, não esconde o incómodo com que assiste a esta unidade ocidental na defesa de Telavive. “É extremamente estranho. Como é que a população ou a infraestrutura civil da Ucrânia difere da população civil de Israel de um ponto de vista humanitário?”, questionou o conselheiro da presidência ucraniana, Mykhailo Podolyak, numa entrevista à NBC News.

A situação ainda é mais desconcertante para Kiev porque, como sublinhou Mykhailo Podolyak, a “Rússia e o Irão usam a mesma estratégia de ataque e os mesmos equipamentos”. Para sustentar o seu esforço de guerra, e após ter sido alvo de inúmeras sanções do Ocidente, o Kremlin tem adquirido drones Shahed fabricados em território iraniano, usando-os para atacar a Ucrânia. Aliás, as autoridades russas até já instalaram uma fábrica, a 500 quilómetros de Moscovo, que se prevê que comece em breve a produzir veículos aéreos não tripulados com tecnologia de Teerão.

Mesmo assim, esse argumento está longe de ser suficiente para convencer os aliados ocidentais. A Ucrânia recebe ajuda em dinheiro e equipamento — aliás, ainda neste sábado a Câmara de Representantes dos EUA aprovou um decisivo pacote de apoio de 61 mil milhões de euros. Mas todos os países ocidentais são muito cautelosos em ir para além disso. Já no início da guerra, em fevereiro de 2022, a Ucrânia viu negada pela NATO (apenas os países Bálticos concordaram) uma no-fly zone, que destruiria todas as aeronaves que entrassem no espaço aéreo do país. O motivo? O receio de que o conflito escalasse e pudesse haver uma guerra directa entra os Estados-membros da aliança transatlântica e a Rússia. Em contrapartida, esses receios parecem não existir com o Irão.

"É extremamente estranho. Como é que a população ou a infraestrutura civil da Ucrânia difere da população civil de Israel de um ponto de vista humanista?"

Conselheiro da presidência ucraniana, Mykhailo Podolyak

Impedidos de aceder à tecnologia do Ocidente devido às sanções de que são alvo, o Irão e a Rússia estão a unir esforços para desenvolver a sua indústria bélica. Se Moscovo está numa posição de ataque, esperando-se que intensifique as operações ofensivas contra a Ucrânia nos próximos tempos, Teerão está mais na defensiva, esperando eventuais novos actos de retaliação de Israel e descartando uma guerra regional no Médio Oriente. Neste contexto, as autoridades ucranianas (e até algumas da Europa de Leste) insistem na necessidade de que os países ocidentais protejam os céus ucranianos, tal como fizeram com os de Israel.

A pressão da Ucrânia, que tem denunciado os duplos critérios ocidentais, está a crescer. Ainda esta quarta-feira, após um ataque em Chernihiv que matou pelo menos 17 pessoas e feriu cerca de duas dezenas, Volodymyr Zelensky sublinhou que a tragédia “não teria acontecido” se o país “tivesse recebido um número suficiente de sistemas de defesa aéreos e se a determinação do mundo para responder ao terror russo tivesse sido suficiente”. “A determinação importa. A determinação ucraniana é suficiente. Deve haver igualmente determinação suficiente dos nossos parceiros e, como consequência, apoio suficiente”, escreveu o Presidente na sua conta pessoal do X (antigo Twitter).

As justificações do Ocidente: “Diferentes conflitos, diferentes padrões de ameaça”

A resolução em defender Israel e a aparente falta de firmeza em apoiar Kiev dos ataques russos têm sido tópicos abordados pelos responsáveis políticos ocidentais. Nos Estados Unidos — o mais poderoso dos aliados ucranianos —, o porta-voz do Conselho Nacional de Segurança norte-americano, John Kirby, respondeu directamente sobre o motivo que levava Washington a não defender os céus da Ucrânia: “Diferentes conflitos, diferentes espaços aéreos, diferentes padrões de ameaças.”

As consequências do ataque russo contra Chernihiv GLOBAL IMAGES UKRAINE VIA GETTY

O responsável da Casa Branca salientou que, “desde o início da guerra”, o Presidente dos EUA, Joe Biden, “deixou claro que os Estados Unidos não planeiam participar nas hostilidades ucranianas”. Ou seja: os norte-americanos temem uma retaliação russa, caso defendessem os céus da Ucrânia, que poderia levar Moscovo a atacar um Estado-membro da NATO — e obrigar a que se accione o artigo 5.º do Tratado de Washington, potenciando o início do que seria uma Terceira Guerra Mundial.

No mesmo sentido, o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, realçou que o “contexto é importante”, recordando a história das relações dos Estados Unidos com a Ucrânia e com Israel. “Temos décadas de parceria de segurança com os israelitas. Durante décadas, ajudámo-los directamente. Israel é um grande aliado dos Estados Unidos que não está na NATO”, clarificou o responsável da diplomacia dos Estados Unidos.

Ora, Kiev ainda não tem o estatuto de Telavive aos olhos de Washington. “Está numa posição diferente. Não temos esse tipo de acordo com a Ucrânia”, reconheceu Matthew Miller, frisando que os Estados Unidos não querem entrar “num conflito directo com a Rússia”. “Não é do interesse dos norte-americanos”, prosseguiu, recordando que tem havido um esforço para enviar sistemas de defesa aéreos para que os ucranianos “se possam defender”.

"Temos décadas de parceria de segurança com os israelitas. Durante décadas, ajudamo-los directamente. Israel é um grande aliado dos Estados Unidos que não está na NATO" Porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller

No Reino Unido, o ministro dos Negócios Estrangeiros, David Cameron, usou o mesmo argumento. Defender os céus ucranianos implicaria “colocar as forças da NATO num conflito directo com as forças russas, o que seria uma escalada perigosa”. Questionado num programa de rádio sobre por que motivo a Força Aérea britânica não pode ajudar a da Ucrânia, o antigo primeiro-ministro reconheceu ser uma “questão interessante”, mas garantiu que “não era necessariamente a melhor maneira de abater mísseis e drones”: “Os sistemas de defesa aérea são mais eficazes.”

Dentro da NATO, há, não obstante, opiniões diferentes. O chefe da diplomacia da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, disse ao Politico ter a “certeza” de que a Ucrânia vai questionar a NATO sobre porque é “tratada de forma diferente” de Israel. “Dada a situação terrível e urgente que a Ucrânia enfrenta agora, esse argumento é bastante convincente”, salientou o ministro lituano.

As dificuldades em proteger a Ucrânia em comparação com Israel

Para além da vontade de evitar uma guerra direta entre o Ocidente e a Rússia, há outras dificuldades na proteção dos céus ucranianos. Segundo o think tank norte-americano Instituto para o Gabinete de Guerra (ISW, sigla em inglês), há, desde logo, um problema: “As vulnerabilidades da geografia ucraniana.” No caso de Israel, os drones e os mísseis “tiveram de atravessar mais de mil quilómetros do espaço aéreo iraquiano, sírio e jordano antes de atingir Israel, dando ao país e aos seus aliados horas para identificar, rastrear e intercetar mísseis e drones quando chegam”.

Os ataques iranianos contra Israel ATEF SAFADI/EPA

Na Ucrânia, a situação é bastante diferente. As tropas russas ocupam parcelas de territórios ucraniano, bastante próximas dos seus alvos. “As forças russas lançam drones e mísseis desde a Ucrânia ocupada que está próxima da Ucrânia [controlada por Kiev], proporcionando às defesas aéreas ucranianas uma fracção do tempo que Israel e os seus aliados aproveitaram para neutralizar com sucesso o ataque em massa de mísseis e drones iranianos”, prossegue o think tank no relatório publicado na passada segunda-feira.

O ISW refere que, com mais de 600 mil quilómetros de território, a Ucrânia é um país “grande”, quando comparado com Israel, que ocupa uma área algo superior a 20 mil quilómetros quadrados. “Torna-se difícil imitar a densidade de cobertura de defesa aérea que Israel possui”, indica o Instituto para a Guerra, acrescentando que a Ucrânia também faz fronteira — a norte e a leste — com dois inimigos geopolíticos: a Rússia e a Bielorrússia.

Dara Massicot, membro do think tank Carnegie Endowment for International Peace, sublinha precisamente que Israel é “muito menor do que a Ucrânia”. “Isso permite a Israel consolidar os seus sistemas e criar camadas na sua defesa aérea”, constata a especialista ao portal Defense One. “Em segundo lugar, Israel é capaz de usar aeronaves num espaço aéreo permissivo para abater mísseis e drones. Os aliados de Israel têm a capacidade de lançar mísseis balísticos defensivos desde navios do Mediterrâneo e caças capazes de defender mísseis desde bases aéreas na região”, sendo o Chipre um aliado vital israelita, que acolhe, por exemplo, bases aéreas do Reino Unido.

"Israel é capaz de usar aeronaves num espaço aéreo permissivo para abater mísseis e drones. Os aliados de Israel têm a capacidade de lançar mísseis balísticos defensivos desde navios do Mediterrâneo e caças capazes de defender de mísseis desde bases aéreas na região" Dara Massicot, membro do think tank Carnegie Endowment for International Peace

Geograficamente, a Ucrânia localiza-se numa situação menos favorável. “A costa ucraniana do Mar Negro está praticamente isolada dos Estados Unidos neste momento, graças à Turquia”, um Estado-membro da NATO. “Os Estados Unidos já não têm, há dois anos, um navio com capacidade [para abater mísseis] no Mar Negro, desde que a Turquia fechou o Estreito do Bósforo à maioria dos navios de guerra”, sinaliza Dara Massicot.

Outra diferença que o Instituto para a Guerra nota é que a Rússia tem lançado vários ataques contra a Ucrânia.As forças russas têm experimentado lançar mísseis de cruzeiro, mísseis balísticos e drones de vários tamanhos e combinações”, recorda o Instituto para a Guerra. Assim, Moscovo consegue, mais que não seja por tentativa e erro, ser mais eficaz do que Teerão. Isso traz problemas a uma eventual defesa da Ucrânia por parte do Ocidente, não sendo tão fácil evitar um ataque aéreo russo.

Adicionalmente, tal como Matthew Miller sugeriu, houve uma colaboração defensiva durante décadas entre os Estados Unidos e Israel. Assim, os céus israelitas estão defendidos por uma “robusta defesa aérea”, implementada para responder a ataques potenciais dos vizinhos; recorde-se que o Estado israelita esteve sempre ameaçado por vizinhos e travou dezenas de guerras, desde a sua fundação, em 1948. Em sentido inverso, a Ucrânia esteve integrada na União Soviética até 1991. Após a dissolução, a situação securitária nunca foi tão precária — pelo menos até 2014 — como a de Israel.

A Cúpula de Ferro de Israel que protege os céus do país AFP VIA GETTY IMAGES

Sofrendo ataques quase diários, os sistemas de defesa aéreos ucranianos também estão, como adjectiva o Instituto para a Guerra, “exaustos”, resultando não só “das melhorias das tácticas russas”, como também dos “atrasos da assistência norte-americana”. “Sem a assistência regular e substancial à Ucrânia, os ataques russos ameaçam as capacidades bélicas da Ucrânia”, enfatiza o ISW, assinalando que, para o país ter um “sistema de defesa aéreo remotamente eficaz como o israelita”, precisa de “sistemas de defesa aéreos do Ocidente e caças que sejam capazes de interceptar drones e mísseis”.

Outro factor que desincentiva o Ocidente a reagir a um possível ataque de Moscovo é, precisamente, o poderio da Rússia — o país com mais ogivas nucleares no mundo. O Presidente russo, Vladimir Putin, já ameaçou por múltiplas vezes que pode lançar uma arma nuclear contra a Ucrânia (ou mesmo um Estado-membro da NATO), caso sinta que a soberania russa está em risco.

Tendo em conta as características geográficas da Ucrânia e a falta de equipamentos modernos capazes de abater mísseis e drones, a intervenção do Ocidente seria muito mais evidente do que a que aconteceu no fim de semana passado em Israel. Dito de outro modo, a Rússia teria um pretexto claro para retaliar, um cenário com elevado risco, à luz das ameaças de Vladimir Putin, que preocupam os dirigentes ocidentais.

"Sem a assistência regular e substancial à Ucrânia, os ataques russos ameaçam as capacidades bélicas daUcrânia" Instituto para o Estudo da Guerra

Nem todos concordam com esta abordagem. O antigo embaixador norte-americano na Ucrânia, John Herbst, critica a “timidez” de Washington. Citado pelo Wall Street Journal, o ex-diplomata censura Joe Biden por estar constantemente “assustado pelas ameaças nucleares de Putin”: “Comportamo-nos como se não fôssemos igualmente uma superpotência.”

Como Vladimir Putin agiria actualmente se o Ocidente protegesse a Ucrânia de um ataque aéreo é uma incógnita, se bem que envolta em ameaças. Porém, o chefe de Estado russo deixou bem claro, em março de 2022, o que aconteceria se a NATO implementasse uma no-fly zone: “Qualquer movimentação nessa direção seria uma ameaça. Nesse segundo, [quem o fizesse] seria encarado como participante no conflito militar, independentemente de quem seja.”

Não “fechem os olhos” ao perigo dos drones e mísseis russos: os apelos da Ucrânia ao Ocidente

A diplomacia da Ucrânia não tem perdido nenhuma oportunidade para reiterar os motivos pelos quais o país precisa de ser defendido dos ataques russos. No discurso à nação do passado domingo, Volodymyr Zelensky estimava que os russos tinham usado “130 drones Shaded, 700 bombas de precisão e 80 mísseis contra a Ucrânia” — apenas na semana de 7 a 14 de abril.

Zelensky apela ao Ocidente para não ignorar perigo dos mísseis e drones russos GLOBAL IMAGES UKRAINE VIA GETTY IMAGES

Referindo-se à protecção de Israel pelo Ocidente, Volodymyr Zelensky concluiu que a “aviação e os sistemas de defesa aéreos são eficazes e capazes de proteger vidas”. “Todos viram a real defesa. E viram que é fazível. Todos viram que Israel não estava sozinho nesta defesa — a ameaça nos céus estava a ser eliminada pelos aliados”, prosseguiu o chefe de Estado, que pediu para que não se “fechasse os olhos” ao perigo dos mísseis e drones russos.

“A protecção de vidas deve ser assegurada onde quer que esteja a ameaça terrorista. Tudo deve ser feito para prevenir o mal e para evitar que as guerras se expandam no mundo — na Europa, no Médio Oriente, em todo o lado”, afirmou Volodymyr Zelenksy, para logo deixar um apelo ao Ocidente, ainda que indirecto: “Todos os que consigam restringir o potencial do terror devem fazê-lo. A Ucrânia, o Médio Oriente e todas as partes do mundo merecem equitativamente uma paz duradoura e justa.”

Os mesmos argumentos foram esgrimidos pelo conselheiro Mykhailo Podolyak no X:A partir de agora, a questão relevante é: porque é que não pode ser providenciada uma ‘defesa passiva’ aos céus da Ucrânia? Por é que a morte diária de civis na Ucrânia por mísseis russos deve ser entendida de forma diferente da tentativa de assassínio de civis por drones iranianos?”

Consequências de um ataque russo contra Kharkiv a 7 de abril SERGEY KOZLOV/EPA

No entanto, cientes da resistência ocidental em impor uma no-fly zone, a Ucrânia já deixou outra sugestão. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, lançou os termos para cima da mesa: “Tudo o que estamos a pedir dos parceiros é que, mesmo que não consigam agir da mesma maneira que agiram em Israel, nos dêem tudo aquilo de que precisamos e nós faremos o resto do trabalho”. Por outras palavras, Kiev pede sistemas de defesa aéreos modernos (como os Patriot), que sejam eficazes para responder às ameaças russas.

O porta-voz da Força Aérea ucraniana, Illia Yevlash, já estimou as necessidades do país: “A Ucrânia precisa de 25 sistemas de defesa aérea Patriot que possam proteger as nossas cidades de ataques inimigos.” Ainda que isso não seja suficiente para estancar a voragem ofensiva de Moscovo, será uma grande ajuda: “É claro que ainda nos faltam muitos meios para proteger o espaço aéreo. Também precisamos de sistemas portáveis.”

O pacote aprovado em Washington que poderá ajudar os céus ucranianos

O ataque iraniano do passado sábado contra Israel serviu para a Ucrânia expor que os ataques russos não cessaram e para sublinhar quão necessários são os sistemas de defesa aérea para o país. Mas teve outro efeito ainda: depois de meses de indefinição, o líder da Câmara dos Representantes norte-americano, Mike Johnson, decidiu avançar, esta terça-feira, com a votação dos pacotes de ajuda externa naquele órgão, cuja aprovação poderá destinar à Ucrânia cerca de 57 mil milhões de euros em ajuda militar e financeira. E este sábado foi mesmo aprovado.

Líder da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, desfaz o impasse sobre votação de pacotes de ajuda que versam sobre a política externa JIM LO SCALZO/EPA

Este impasse na aprovação de um megapacote — que incluiria ajuda à Ucrânia, a Israel, a Taiwan e a outros países — terminou após os ataques iranianos. “O meu telefone queimou durante o fim de semana com todos os membros [da Câmara dos Representantes] a contarem-me todas as suas ideias”, admitiu o republicano Mike Johnson, o único responsável por fechar uma data para a votação.

Numa estratégia distinta da adoptada até agora, o líder republicano da Câmara dos Representantes decidiu dividir aquele megapacote destinado à política externa, que foi votado já este sábado. Ou seja, estiveram sujeitos a uma votação individual: o pacote de ajuda à Ucrânia; o destinado a Israel; e o que prevê apoiar Taiwan. O método foi aplaudido por Joe Biden.

No entanto, dentro do seu partido, Mike Johnson enfrentou uma forte resistência. Várias facções do Partido Republicano, e próximas do antigo Presidente e muito provável candidato presidencial Donald Trump, opuseram-se ao pacote de ajuda à Ucrânia. Este sábado, 111 republicanos votaram contra, ao passo que 102 aprovaram o pacote de ajuda. E estas vozes mais críticas do auxílio a Kiev podem inclusivamente apresentar uma moção para destituir o líder republicano do cargo.

Câmara dos Representantes aprovou este sábado pacote de ajuda de 57 milhões de euros à Ucrânia MICHAEL REYNOLDS/EPA

Em todo o caso, uma votação individual da ajuda à Ucrânia originou que o pacote fosse aprovado. Os democratas não levantaram quaisquer problemas, aprovando de forma unânime este auxílio a Kiev. Juntamente com alguns republicanos mais moderados, foi o suficiente para a Câmara dos Representantes dar luz verde à proposta.

Esta aprovação de cerca de 57 mil milhões foi bem-sucedida, apesar do longo impasse. Kiev tem agora mais meios fortalecer as suas defesas aéreas contra a ameaça russa, ainda que continue sem contar com um apoio idêntico ao de Israel. Num momento que as tropas ucranianas enfrentam inúmeras dificuldades no terreno e se espera que Moscovo lance uma ofensiva, este pacote de ajuda dos EUA poderá revelar-se essencial para defender a linha da frente e os céus da Ucrânia.

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